Conheça novo restaurante francês onde cliente só chega vendado

7cbf1273 46f7 485b acd6 be62f98fcc08

Depois das férias de verão, não foram só os estudantes lioneses que viram um novo começo pela frente. Jérémy Galvan fechou seu restaurante estrelado e ocupou o mesmo espaço em Vieux-Lyon (Velha Lyon) com o Contre-Champ, um bistrô autoral.

Espécie de casa de campo em plena capital gastronômica da França, ela serve, comme il faut, pratos reconfortantes, baseados em ingredientes sazonais da região. Sem menu degustação, deixa os comensais à vontade para dividir o que quiserem, incluindo os bons rótulos da curta carta de vinho. Tipo de lugar inenjoável, para se repetir e repetir – até porque as receitas mudam o tempo todo.

Para Jérémy, porém, essa janelinha para a natureza não foi suficiente. Na semana passada, em pleno inverno europeu, ele inaugurou um projeto imersivo: o 220 BPM. Sim, o coração do chef está em frequência cardíaca máxima e ele espera que o de até 14 comensais por noite também bata loucamente.

De segunda a sábado, o encontro é às 19 horas na principal praça de Lyon, a Bellecour, bem pertinho da estátua de Saint-Exupéry com o Pequeno Príncipe nos ombros. Ali, até quatro pessoas entram em um carro, colocam o celular numa caixa, uma máscara nos olhos e embarcam na aventura.

Durante o caminho escutam batidas cardíacas, falas de criança (no caso, a filha do cozinheiro) e divagações filosóficas. Sentem curvas, altitude e o distanciamento da cidade. Pensei que tivesse sido uma meia hora, mas passaram mais de 40 minutos, sem trânsito, sem parar.

Então, o motorista – que viria a ser um dos cozinheiros e garçons da noite – permite baixar as vendas e espiar os pinheiros que balançam com o vento gélido. Em alguns metros, o carro para. Não parece a entrada de um restaurante gastronômico. Você mesmo deixa casaco, luva e cachecol e sobe uma escada estreita.

O salão é escuro, as mesas são galhos, as poltronas, cavernosas. Aromas e sabores de floresta desfilam ao longo da noite com ervas, carnes e fumaça. Falando em carnes, “a ideia é usar o animal sacrificado na íntegra, com o mínimo de desperdício possível. Não é algo comum”, explica Jérémy. Traduzindo: espere por miúdos.

Outra ideia é não revelar nada sobre pratos até eles serem degustados – eita, foi mal o spoiler! O intuito? Não instigar preconceitos, permitir o reencontro com memórias afetivas, estimular os sentidos. E assim é. Ao longo de sete tempos e quatro horas há quem se desconcerte, há quem se deslumbre, há quem sonhe. Há quem sinta tanta coisa que não exprima em palavras.

“O público-alvo são todas as pessoas que buscam viajar, descobrir cozinhas, se descontrair e que são um pouco inconformistas. É também todo o público interessado no locavorismo, nas riquezas regionais a serem exploradas na culinária, limitando o impacto de carbono”, aposta o criador do projeto.

Orgulhoso, em traje inspirado em chasseur-cueilleur (caçadores nômades), ele o define como “uma esfera suplementar na riqueza da gastronomia lionesa, porque tradição e inovação podem coexistir. O 220 bpm é desligar seu telefone e o contato com o mundo que define o ritmo do nosso dia a dia. É perder todo o senso de espaço e de tempo. É permitir-se viver completamente ao sabor da experiência, sem se distrair com nada além do presente”

A definição de Jérémy é vaga. Para quem esteve lá, bastante precisa. No trajeto da volta, deu vontade de fazer mais perguntas ao chef. Afinal, era o próprio quem dirigia. Contudo, por mais que os pensamentos palpitassem, o breu à uma da manhã deixou o sono vencer.

A saber: a experiência única implica € 455 (ou € 650 com harmonização) e deve ser reservada. O valor não é só alto na conversão para reais. Para se ter noção, no lendário Paul Bocuse, grande símbolo de Lyon, o menu mais caro custa € 350. Ah, e por ora os áudios do caminho são todos em francês.

Estadão Conteúdo

Adicionar aos favoritos o Link permanente.