O que a saída da Argentina da OMS implica? Isso afeta o Brasil?

milei e trump

MAURÍCIO BUSINARI
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

A decisão do governo Javier Milei de retirar a Argentina da OMS (Organização Mundial da Saúde) reacendeu o debate sobre soberania e cooperação internacional. Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam os impactos da medida.

A Argentina anunciou sua saída da OMS nesta quarta-feira (5), justificando a decisão como uma forma de reafirmar a soberania nacional. Segundo o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, a organização impõe diretrizes que limitam a liberdade dos países na condução de suas políticas de saúde.

O governo argentino argumenta que a medida permitirá maior flexibilidade na formulação de estratégias sanitárias, sem seguir recomendações que, segundo a administração Milei, não consideram as particularidades do país.

A medida se insere em um cenário global de contestação ao multilateralismo. Ela segue uma linha semelhante à adotada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que também anunciou a saída do país da OMS durante seu mandato. Especialistas afirmam que essa decisão pode trazer tanto desafios quanto oportunidades para a Argentina.

A saída da OMS representa uma mudança na política externa da Argentina e pode afetar sua relação com outros países e organismos internacionais. A advogada internacionalista Talita Dal Lago Fermanian, PhD em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, avalia que a decisão fortalece o controle do governo argentino sobre suas políticas de saúde. “A OMS, apesar de se apresentar como um órgão técnico, impõe diretrizes que muitas vezes interferem diretamente nas políticas internas dos países, como ocorreu durante a pandemia”, afirma.

No entanto, o professor de relações internacionais da Universidade Cruzeiro do Sul, André Araujo, destaca que a participação em organizações como a OMS não reduz a soberania dos países-membros. “A adesão a um organismo internacional é sempre uma decisão autônoma de cada Estado, que pode ou não seguir suas recomendações”, explica. Para ele, a saída da Argentina pode gerar incertezas sobre a relação do país com a comunidade internacional e afetar acordos de cooperação.

ACESSO A MEDICAMENTOS

O governo Milei defende que a decisão não comprometerá o acesso da população a medicamentos e vacinas, pois o país poderá negociar diretamente com laboratórios e governos estrangeiros. Fermanian sustenta que a Argentina pode continuar participando de acordos internacionais sem estar vinculada à OMS. “A organização não financia o sistema de saúde argentino, que é mantido com recursos internos”, afirma.

Por outro lado, Araujo alerta que a retirada pode dificultar a cooperação internacional em saúde pública.

Segundo ele, a OMS garante acesso a informações estratégicas e programas de intercâmbio de boas práticas. “A saída do organismo pode impactar o funcionamento do sistema de saúde, pois enfraquece a participação do país em estratégias globais contra epidemias e emergências sanitárias”, ressalta.

EFEITOS PARA O BRASIL

A decisão argentina pode influenciar outros países da região a reavaliarem sua relação com organismos internacionais. Para Fermanian, no curto prazo, a saída da OMS pode gerar pressões políticas contra o governo Milei, mas não deve impactar diretamente as relações comerciais no Mercosul. “Se houver retaliações, elas serão motivadas mais por questões ideológicas do que por riscos reais à cooperação regional”, opina.

Já Araujo observa que a decisão segue uma estratégia do governo argentino de aproximação com setores mais críticos ao multilateralismo. “Isso pode gerar novas tensões dentro do Mercosul e no relacionamento com blocos internacionais”, alerta

O caso argentino tem semelhanças com a saída dos Estados Unidos da OMS. A advogada aponta que a decisão de Washington foi baseada em argumentos semelhantes aos de Buenos Aires, como a busca por maior autonomia. “Mesmo fora da OMS, os EUA continuaram acessando vacinas, participando de pesquisas científicas e mantendo um sistema de saúde eficiente”, lembra.

Araujo ressalta que a decisão americana teve grande repercussão internacional e que a Argentina pode enfrentar desafios similares. “A saída reflete uma tendência de contestação às instituições globais, mas também pode isolar o país de decisões estratégicas de saúde pública”, conclui.

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