Redes sociais digitais: do poder de compartilhar ao poder de construir o mundo

(Foto: Pixabay)

Ontem, o meio era a mensagem; hoje, o meio pode se arranjar sem a mensagem. 

Zygmunt Bauman e Ezio MAURO, no livro Babel, publicado em 2016

Quando o Facebook foi criado ele tinha como missão “dar às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto”. Em 2017, no entanto, a empresa assumiu uma nova missão: “dar às pessoas o poder de “construir” a comunidade e aproximar o mundo”. Na época, ao falar sobre o motivo da mudança, Mark Zuckerberg afirmou que ela ocorreu diante da responsabilidade em usar seus recursos para “fazer coisas positivas”. Algumas questões foram apontadas por ele para a mudança de foco, entre elas a proliferação de perfis e notícias falsas, o grande volume de mensagens de ódio e intolerância, as polarizações ideológicas, os usos comerciais da plataforma e a relação pouco transparente com os usuários.

Zuckerberg reconheceu, durante o primeiro Facebook Communities Summit, realizado em Chicago, nos dias 22 e 23 de junho de 2017, que o Facebook havia falhado na tentativa de ampliar a diversidade de opiniões ao acreditar que bastava, simplesmente, conectar pessoas e dar voz a elas. O CEO da hoje Meta demonstrava estar “preocupado”, especialmente com o enfraquecimento das comunidades físicas pelo mundo. Por isso, sua intenção com a mudança de propósito era criar mecanismos de estímulo para que as pessoas pudessem participar de grupos e comunidades online, que se mostrassem significativas para a organização de suas vidas no mundo offline.

Quando o Facebook assumiu sua nova missão, em 2017, o Instagram já havia sido comprado pela empresa, mas ainda não era a plataforma como a conhecemos hoje em alcance e relevância. Naquele ano, o Instagram havia alcançado 800 milhões de usuários ativos, um número modesto se comparado aos 2 bilhões de perfis ativos registrados no ano de 2024. Assim como ocorreu em 2017, ao definir nesse ano de 2024 novas diretrizes para suas empresas, Zuckerberg deixa clara a hierarquia existente para o funcionamento das redes sociais digitais.

Isso significa que a participação de qualquer pessoa, ainda que de forma relativamente autônoma, estará sempre condicionada aos interesses maiores da Meta. Essa constatação nos leva a refletir sobre como as plataformas de redes sociais digitais são capazes de manipular pessoas e instituir a sociabilidade entre elas por meio de sua arquitetura e das estratégias de seus gestores. Devemos nos lembrar, no entanto, que os elementos externos que instituem as redes sociais digitais não podem produzir efeitos sem que haja a intensa participação dos membros que tornam essa mesma rede possível. Devemos considerar em nossas reflexões questões técnicas e tecnológicas envolvidas nos processos de comunicação e as práticas culturais que se engendram a partir e com o uso dessas plataformas.

Ao mudar o propósito do Facebook, em 2017, de “dar o poder de compartilhar” para “dar o poder de construir”, Zuckerberg aponta para uma relação em que a participação se torna responsável por construir e mover o mundo, além de produzir relações de sentido sobre o mundo. As possibilidades de participação, por meio das práticas de curtir, postar, comentar e compartilhar não determinam, por si só, o sucesso da rede ou as construções que se fazem ali. Arriscaria dizer que se há algo capaz de determinar o sucesso do serviço oferecido pelas plataformas, seria a participação efetiva, o estar na rede, a incorporação de um modo de viver a experiência da sociabilidade – hiperconectada e hipervisibilizada – na qual usuários lançam mão da sua máxima autonomia para expor opiniões e confrontar opositores.

A máxima do pesquisador norte-americano Henry Jenkins – em seu livro Cultura da Conexão, de 2014 – de que “aquilo que não se propaga morre” parece fazer mais sentido do que nunca. A propagação de conteúdos falsos e de discursos de ódio e intolerância depende tanto da ação dos usuários quanto da própria arquitetura e dinâmica dos sites de rede social. Quem navega todos os dias nas plataformas – que nós chamamos de redes sociais como se fossem um único fenômeno – nem sempre tem a dimensão do mundo de negócios que opera por trás da simplicidade da interface.

Facebook e Instagram não apenas permitem fazer e potencializar negócios como são um grande negócio. No segundo trimestre de 2024, de acordo com um balanço divulgado no dia 31 de julho, a Meta registrou lucro líquido de US$ 13 bilhões, crescimento de 73% na comparação com igual período do ano anterior. Os usuários das plataformas de redes sociais “ajudam” a Meta a faturar e isso é possível porque ferramentas sofisticadas produzem dados de tráfego, com informações sobre hábitos culturais e de consumo de seus usuários.

Ao abrir uma conta no Facebook e no Instagram, o usuário dá permissão para que a Meta use seus dados e ganhe dinheiro, muito dinheiro, com o trabalho que cada um de nós faz voluntariamente ao produzir e compartilhar informações. E na arquitetura das redes pouco importa se as informações são confiáveis ou guardam alguma verossimilhança com a realidade. Desse modo, o serviço oferecido pelas plataformas de redes sociais só pode ser considerado gratuito em relação ao modo convencional com que nos relacionamos com outros bens e serviços, pelos quais pagamos com dinheiro. A moeda corrente nas plataformas de redes sociais é a informação e o uso do serviço, nessa perspectiva, não é gratuito e, sim, pago pelo usuário com informações que ele produz e pelo tráfego que ele gera ao navegar pela rede, postar, compartilhar, curtir.

Em 2016, a Cambridge Analytica foi acusada de usar dados de usuários do Facebook nos serviços que prestou, em 2016, à campanha do então candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump. As informações foram coletadas por um aplicativo chamado thisisyourdigitallife (essa é sua vida digital), que pagou a centenas de milhares de usuários pequenas quantias para que eles fizessem um teste de personalidade e concordassem em ter seus dados coletados para uso acadêmico.

A estratégia de lucros das plataformas de redes sociais usa mecanismos de personalização dos usuários de forma a coletar dados que digam quem é, o que faz, do que gosta, quais as inclinações políticas, em que lugares transita e que tipo de informação procura cada usuário. Como a quantidade de usuários e o volume de informações é muito grande, há necessidade de investimentos constantes nos algoritmos que coletam, tratam e organizam informações. Em janeiro de 2018, o Facebook diminuiu a visibilidade de páginas de empresas e marcas e contribuiu para problematizar a falta de transparência no uso de dados e manipulação das informações que circulam na rede.

Em publicação feita na sua página naquela ocasião, Mark Zuckerberg anunciou que o objetivo da mudança no algoritmo da rede era dar prioridade às publicações de amigos e familiares em detrimento dos conteúdos produzidos por empresas jornalísticas. A decisão reforçava a ideia de que usuários interagem com quem expressa opiniões como as suas, favorecendo a criação das chamadas “bolhas” de opiniões e convicções e reforçando a propagação de fake news.

As redes sociais funcionam como megafones e as opiniões são fáceis, rápidas, sem muita reflexão. Com essa configuração, o ambiente digital se constitui em palco certeiro para as polêmicas e as “confusões”, já que todos querem estar certos e sentem que suas opiniões, por mais estapafúrdias que sejam, encontram eco e são validadas por pares. O algoritmo é uma espécie de cupido para quem compartilha das mesmas ideias e crenças. 

A indústria das fake news se apoia na lógica de pessoas comuns, isoladas no confessionário com megafone e “dispostas a construir” o mundo a partir de suas experiências pessoas e suas convicções. Ignoram toda uma estratégia que se aproveita da arquitetura e da lógica da rede para atuar nas bolhas em que cada indivíduo se abriga a partir de suas crenças.

A ideia da individualidade em rede, proposta por Manuel Castells, se materializa na medida em os usuários se sentem à vontade para se manifestar, afinal, trata-se da sua página pessoal, do seu perfil. Esquecem-se, no entanto, que a sua página pessoal está alojada no interior de um negócio milionário. O espaço público das redes sociais é onde ocorrem as rodadas de negócios em que os usuários sequer suspeitam que são eles os valores negociados na mesa. No fim das contas, não precisamos acreditar que Mark Zuckerberg se tornou um vilão agora, ao decidir que suas empresas irão deixar de moderar conteúdo. Alguma vez a moderação foi, de fato, considerada?

Notas

Esse texto integra a tese de doutorado “Identidades femininas em comentários no Facebook: uma análise a partir dos Estudos Culturais em Educação” e foi atualizado para essa publicação. A tese está disponível no Lume, repositório de teses e dissertações da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). https://lume.ufrgs.br/handle/10183/182457

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Marcilene Forechi é jornalista e mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), doutora em Educação com ênfase nos Estudos Culturais (2018) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Produtora cultural, consultora e facilitadora em cursos e oficinas livres de comunicação e cultura. Professora no curso de pós-graduação em Gestão de Pessoas, Competências e ESG do Centro Universitário Cachoeirinha (RS), parecerista em editais das leis Paulo Gustavo e Política Nacional Aldir Blanc. Já atuou como repórter, redatora, editora, assessora de imprensa e professora universitária em instituições de ensino superior públicas e privadas.

 

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