Brasil, Rio de Janeiro, novembro de 2024: o G20 com duração contestada

(Foto: Thiago Gaspar/MTE)

Todos os jornais falaram sobre o encontro do G2O no Rio de Janeiro em novembro de 2024. Trata-se de um grupo composto das 20 maiores economias do mundo. São membros desde a sua criação, em 2008, 18 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, aos quais se somam dois grandes blocos regionais, a União Africana (que ingressou em 2023) e a União Europeia.

Os chefes desses países e instituições estiveram todos presentes no encontro no Rio. Apenas a Rússia foi representada por seu ministro das Relações Exteriores, porque o presidente Vladimir Putin foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), e viagens como esta poderiam implicar sua prisão, já que o Brasil é signatário do Tratado de Roma, que instituiu o TPI. O Brasil, com a prerrogativa de país-sede, também convidou outros países para o encontro: Angola, Bolívia, Chile, Colômbia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Paraguai, Portugal, Cingapura e Uruguai. Neste encontro os esforços buscaram promover o multilateralismo, que saiu fortalecido, apesar de alguns deslizes mais ou menos bem controlados. Para o país anfitrião, o bom andamento dos trabalhos foi uma vantagem diplomática inegável. Mas o copo, diria um Cândido contemporâneo a um Professor Pangloss de hoje, não estaria também meio vazio? Esse G20 não marca o fim de uma era, tanto para uma ordem mundial, quanto para o Brasil?

De fato, tudo caminhou para o melhor dos mundos possíveis. O Rio se mostrou em seus melhores trajes, com sua orla marítima do Leblon, de Copacabana ao Museu do Amanhã, passando pelas praias de Botafogo, Flamengo, Catete e Glória, cujas vias foram fechadas para o tráfego de automóveis. A segurança de todos os delegados foi garantida pelo destacamento excepcional de policiais – municipais, regionais e federais –, além de 7.500 militares. Tendo em vista o legado na memória deixado pelos militares, bem como as interdições democráticas de segurança interna, que eram de responsabilidade exclusiva da polícia, foi adotado e publicado um decreto específico, conhecido como Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A sociedade civil, tanto local quanto internacional, foi convidada a debater a questão em locais prestigiados e simbólicos, como no Museu do Futuro e nos antigos hangares portuários renovados e repintados.

O Brasil e seu presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram manchete de jornais, revistas, e de programas de televisão. A Globo, o canal mais assistido pela população brasileira, e seu canal de notícias 24h, a Globonews, mobilizou todos os seus recursos para transmitir ao vivo a chegada dos vinte líderes do G20, recebidos por seu anfitrião, o presidente Lula. A mídia impressa, os jornais O Globo, a Folha de S. Paulo, e vários outros também cobriram amplamente o acontecimento. O Rio, segundo o slogan presente em cartazes do evento esparramados por todos os lados e visíveis por todas as autoridades, se tornou “a capital do G20”. E para muitos, como afirmava uma pintura urbana feita em uma passarela para pedestres voltada para uma rodovia em direção ao oeste, “Rio, capital do mundo”.

Esse sucesso em termos de organização e do orgulho da cidade foi acompanhado de progressos em vários temas: solidariedade com os que sofrem com a fome, proteção ambiental, tributação de rendas muito altas, reforma do multilateralismo e adesão espetacular dos Estados Unidos às propostas brasileiras. O Brasil colheu os frutos de uma presidência do G20 administrada de forma dinâmica. Do início ao fim, o país fez questão de dar o exemplo. O Banco de Desenvolvimento, BNDES, dotou, de abril a outubro de 2024, o fundo climático, criado em 2009, mas sem recursos financeiros efetivos, com vários milhões de reais destinados a projetos de combate às mudanças climáticas. O Senado brasileiro aprovou, em 13 de novembro de 2024, um projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono; a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos criou uma linha financeira para incentivar projetos de energia renovável; e uma lei sobre os combustíveis do futuro foi aprovada, indo na mesma direção.

Esse impulso inicial do país teve um efeito em cadeia, que ficou evidente ao longo das reuniões preparatórias dos 15 grupos de trabalho. A Aliança Global contra a Fome, um dos principais projetos do Brasil, já havia recebido, antes do primeiro dia do G20, o apoio de cerca de 40 governos e o apoio oficial de 13 instituições intergovernamentais, incluindo o Banco Mundial e a FAO. O imposto de 2% sobre grandes fortunas superiores a um bilhão de dólares recebeu amplo apoio. A inclusão nos princípios operacionais da OMC de uma ligação entre comércio e desenvolvimento sustentável foi estabelecida antes de iniciar o encontro no Rio. Outras questões colocadas na mesa pelo Brasil não conseguiram obter um consenso semelhante, como a redução das desigualdades salariais, especialmente entre homens e mulheres, e a luta contra a discriminação racial. A reforma da ONU e de seu Conselho de Segurança, com o objetivo de democratizar a gestão do mundo, mencionada em muitos fóruns, foi reativada sem encontrar o eco desejado. Dito isso, a assinatura de um acordo sobre energias renováveis entre o Brasil e os Estados Unidos e a viagem do presidente Joe Biden à Amazônia compensaram as incertezas. Ainda mais depois que o então morador da Casa Branca anunciou o pagamento de 50 milhões de dólares para o Fundo da Amazônia.

Como resultado, Fernando Haddad, ministro da Economia, foi considerado o melhor defensor do meio ambiente por uma revista dos Estados Unidos. Responsável pela COP 30 e pelo grupo BRICS em 2025, Lula foi muito requisitado. Participou de muitos reuniões bilaterais em sua agenda nos dias 18 e 19 de novembro, além da agenda do G20. Encontrou-se com seus homólogos sul-africano, angolano, egípcio, norte-americano e francês, e com os primeiros-ministros britânico, indiano, italiano, japonês e malaio, além do príncipe herdeiro dos Emirados, do secretário-geral da ONU e do presidente da Comissão Europeia. Entretanto, nos últimos meses, um ruído diferente se fez ouvir em alto e bom som: a guerra na Ucrânia, agravada pela intervenção de uma força expedicionária da Coreia do Norte. É difícil, neste contexto, imaginar convergências unânimes. A Rússia, presente no Rio, era observada de perto neste encontro. Ela pode contar com vários aliados, incluindo a China e até mesmo, de várias formas, com seus parceiros do BRICS. O mesmo pode ser dito sobre a guerra em Gaza e no Líbano, liderada por Israel. Mas as pedras no sapato do multilateralismo vão muito além.

Há vários meses, temos testemunhado o surgimento de uma atitude hostil ao direito internacional vinda de outra direção, a dos Estados Unidos e do seu presidente eleito em 5 de novembro, Donald Trump, que não escondeu sua hostilidade a qualquer compromisso internacional que se imponha à soberania nacional norte-americana. A proteção ambiental não foge a essa regra diplomática, que ele pretende seguir a partir de janeiro. Os colaboradores que ele nomeou, em particular o futuro chefe da EPA, a agência ambiental, Lee Zeldin, conhecido por sua postura hostil a qualquer desafio ao status quo automotivo, anunciam uma nova era.

Paralelamente ao G20 e à COP 29, Donald Trump organizou uma reunião global da extrema direita na Flórida, na sua residência em Mar-a-Lago, seguida de uma conferência da CPAC (Conservative Political Action Conference), círculo radical do Partido Republicano. Seus membros se reuniriam novamente em Buenos Aires, no dia 4 de dezembro, após o G20, convidados pelo chefe de Estado argentino, Javier Milei, que partilha a fobia antiambiental e antimultilateral de Trump e que retirou a delegação argentina da COP29. Ele não compareceu à última cúpula do Mercosul, o que não escapou à atenção do presidente francês, que lhe deu um endosso diplomático cheio de sentido diplomático às vésperas de um G20 amplamente centrado na proteção do meio ambiente, ao visitá-lo, pressionado pelas mobilizações que rejeitam a perspectiva de ratificação do tratado da União Europeia e Mercado Comum do Sul, assinado em 2019. Giorgia Meloni, Presidente do Conselho da Itália, que é ideologicamente próxima a Javier Milei, também foi visitá-lo, reforçando essa marcha rumo a uma nova ordem mundial.

O Brasil de Lula, diante desse cenário, parece cada vez mais isolado. Assim como o presidente colombiano, Gustavo Petro, que tem acreditado na palavra dos chefes de Estado dos países desenvolvidos, que se manifestaram nos últimos anos contra a frouxidão dos países que fazem fronteira com a Amazônia, incluído o Brasil, em particular. O Brasil, neste momento, assumiu suas responsabilidades e anunciou iniciativas. Mas, assim como o equatoriano Rafael Correa que, há pouco mais de dez anos, conclamou o “Norte” a proteger uma parte da floresta amazônica, corre o risco de se encontrar muito solitário no próximo G20 e na COP 30, de Belém, em 2025.

Texto publicado originalmente em francês em 21 de novembro de 2024 no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original: “Brésil, Rio de Janeiro, novembre 2024 : le G20 en durabilité contestée”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/123786. Tradução de Paul Fernand da Cunha Leite e Luzmara Curcino.

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Jean Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE) e o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar

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