BC rejeita ideia de Haddad de regular mercado de vale-refeição

ADRIANA FERNANDES E NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O Banco Central resiste a assumir o papel de regulador do mercado de cartões de vale-refeição e vale-alimentação oferecidos pelas empresas que estão no PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).

O programa concede incentivo fiscal para as companhias que oferecem auxílio-alimentação para os seus funcionários. O PAT conta com quase 470 mil empresas beneficiárias, alcançado mais de 20 milhões de trabalhadores.

Pessoas a par das discussões no BC afirmaram à reportagem que essa regulamentação não deveria ser atribuição da autoridade monetária, mas do Ministério do Trabalho e Emprego, e que o tema não está em debate internamente na instituição.

O posicionamento da atual gestão, liderada por Gabriel Galípolo, segue alinhado ao da administração anterior, do ex-presidente Roberto Campos Neto.

Segundo relatos feitos à reportagem, o BC não queria assumir a responsabilidade de regular o setor sob o argumento de que esse mercado, que é composto por diversos participantes com interesses divergentes, não traz risco sistêmico ao país.

Procurado por meio de sua assessoria, o Banco Central não se manifestou até a publicação dessa reportagem.

A proposta de regulamentação do mercado de cartões de refeição e alimentação foi apresentada, na semana passada, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma resposta à demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por medidas para baratear o preço dos alimentos -problema que vem afetando a popularidade do governo petista.

Segundo Haddad, há espaço para regulamentar o PAT e caberia ao BC fazê-lo pela legislação. O ministro citou que a regulação não foi feita até o término da gestão de Campos Neto.

O chefe da equipe econômica apresentou a proposta da portabilidade como contraponto à ideia do governo de subsidiar a redução dos preços via a oferta de alimentos por meio de uma rede popular de abastecimento, nos moldes do que o Farmácia Popular faz em relação a medicamentos.

A discussão sobre a participação do BC na regulamentação é um dos impasses para a apresentação da proposta, que é esperada no Palácio do Planalto para os próximos dias.

O BC avalia internamente que não tem competência para tratar de cartões de benefícios e que Haddad teria cometido um engano ao falar que caberia à autoridade monetária fazer a regulamentação do PAT.

Em outubro do ano passado, o Ministério do Trabalho publicou uma portaria atualizando regras do programa sobre práticas irregulares, como o rebate. A principal mudança foi a criação de uma multa de até R$ 50 mil caso fosse desrespeitada a norma que proíbe empresas participantes do PAT de exigir ou receber descontos ou outros benefícios não relacionados à saúde e segurança alimentar dos trabalhadores.

Ficaram pendentes, contudo, as discussões sobre o melhor desenho regulatório para a portabilidade e interoperabilidade do VR e do VA. Segundo a pasta, os requisitos necessários à efetiva implementação dessas medidas dependem de diretrizes definidas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) -colegiado formado pelo presidente do BC (Galípolo) e pelos ministros da Fazenda (Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet).

A portabilidade dá a opção ao trabalhador de transferir, sem custos adicionais, o cartão da empresa de benefício escolhida pelo RH da companhia por outro de sua preferência. É um modelo similar ao que já acontece com os bancos no caso da conta-salário.

Já a interoperabilidade, que também precisa ser regulamentada, garante que todas as marcas de cartões possam ser usadas em um mesmo equipamento nos estabelecimentos que aceitarem o benefício como forma de pagamento.

O Ministério da Fazenda tem a avaliação que a regulamentação do PAT pode revolucionar o mercado de vale-alimentação ao permitir ampliar a rede de aceitação dos cartões nos estabelecimentos com custo mais baixo para restaurantes e supermercados.

Nos bastidores, participantes do setor reconhecem que é difícil prever quando, de fato, o consumidor sentirá um alívio no bolso com as mudanças, já que a velocidade de repasse é incerta. Há expectativa de que a agenda política ajude os dois temas a finalmente avançar.

A Zetta, associação que representa empresas como Nubank, PicPay, Mercado Pago e iFood, defende a ampliação da competição no mercado de benefícios.

“A descentralização trará ao trabalhador maior poder de decisão e amplitude de acesso do uso do seu VA ou VR, inclusive em benefício também do estabelecimento que praticar o melhor preço”, afirma.

A entidade diz entender que há competência normativa dos três órgãos envolvidos na discussão -Fazenda, Trabalho e BC- para regulamentar a portabilidade e a interoperabilidade de arranjos do PAT.

O presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), João Galassi, defende que o governo ofereça uma alternativa na operação ao PAT, por meio do pagamento do benefício aos trabalhadores diretamente numa conta-salário, destacado no extrato do e-Social. A operação seria vinculada a uma conta bancária da Caixa.

Ele critica o modelo atual e diz que se tornou um lucrativo sistema financeiro que se desvirtuou do projeto original. Para a Abras, beneficia as chamadas Big4 -Pluxee (antiga Sodexo), Alelo, VR e Ticket.

“O PAT é do governo. Ele não pode ter um intermediário que fica com mais de R$ 10 bilhões desse valor nas suas empresas só por fazer o repasse do voucher de alimentação e refeição, que é eletrônico”, disse Galassi à reportagem.

Pelo modelo defendido pela Abras, a empresa entra no e-Social e deposita o valor do voucher, como é feito com o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o trabalhador utiliza esse voucher nos mercados, por meio da Caixa.

“Pode fazer isso inclusive até com Pix”, disse. Segundo ele, não se trata apenas de regular a portabilidade e a interoperabilidade. “É um mercado de R$ 200 bilhões, que está solto no mercado, que não tem nenhuma regulamentação, e que as empresas fazem o que querem. Não é simplesmente essa portabilidade ou interoperabilidade. É muito mais que isso. Você tem que ter um controle.”

“Parte dos custos dos alimentos estão na mão do sistema financeiro”, ressaltou. Ele defende que a regulação seja feita pelo BC. “Não pode deixar um valor desse no mercado sem regulamentação do BC, porque se torna um abuso de poder. É moeda. São R$ 200 bilhões.”

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