Piscinas, restaurantes, lojas e massagem: os luxos das barracas da Praia do Futuro, o novo patrimônio cultural brasileiro


Os 70 estabelecimentos que ocupam 6 km da orla de Fortaleza recebem em média 3,5 milhões de frequentadores por ano e geram 15 mil empregos diretos e indiretos, segundo dados da Associação dos Empresários da Praia do Futuro. Barracas da Praia do Futuro, em Fortaleza, oferecem complexos de conforto e lazer para frequentadores
Kid Júnior/Fabiane de Paula/SVM
Estruturas que podem ter até 4 mil m², com restaurantes, terraços, piscinas, parques infantis, serviços de massagem e rede wi-fi. Assim são as barracas da Praia do Futuro, reconhecidas como patrimônio cultural brasileiro no dia 7 deste mês.
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Conforme a lei proposta no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula, as barracas e a atividade dos barraqueiros foram reconhecidas pela relevância cultural, social e econômica.

Por ano, elas recebem em média 3,5 milhões de frequentadores — dentre eles, 600 mil são turistas — e faturam em média R$ 300 milhões. Atualmente, a atividade gera 15 mil empregos diretos e indiretos, segundo dados da Associação dos Empresários da Praia do Futuro.
Os 70 estabelecimentos que ocupam 6 km da orla de Fortaleza parecem clubes. Além de oferecer aos frequentadores inúmeras opções de entretenimento e eventos culturais, como luaus e shows ao vivo, as barracas preservam uma culinária típica do litoral, que inclui o caranguejo e o peixe assado como alguns dos itens mais procurados.

Apesar da semelhança com clubes ou até mesmo do nome ‘beach club’ em alguns empreendimentos, não é preciso ter algum cadastro ou vinculação formal com as barracas. Qualquer pessoa pode chegar e aproveitar os serviços ofertados pelos preços praticados em cada casa.
Atividade tem pelo menos 60 anos
Praia do Futuro tinha, na década de 1950, paisagem de dunas e vegetação costeira.
Arquivo Nirez
Nas megaestruturas de alvenarias das atuais barracas, as cobertas de palha são mantidas como um lembrete de como tudo começou.
Na década de 1960, os primeiros empreendimentos foram erguidos como barracas simples: quatro estacas segurando uma lona improvisada, criando sombra para quem quisesse ficar na praia entre um banho e as refeições com caranguejo e peixe na brasa.
Antes disso, a costa era um local considerado distante e de difícil acesso, com tentativas de loteamento residencial feitas pelo engenheiro Waldir Diogo. Um registro de 1950 (ver imagem acima) mostra a região sendo visitada por personalidades da época, incluindo o então governador do Ceará Faustino de Albuquerque.
Quando a Praia do Futuro passou a ser frequentada por banhistas, nas décadas de 1960 e 1970, os barraqueiros começaram a cavar poços artesianos para permitir um banho de água doce na volta dos mergulhos no mar.
Quem conta essa parte da história é Fátima Queiroz, presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro. Frequentadora da região desde a juventude, ela lembra que o cenário era de dunas e vegetação rasteira.
Barracas da Praia do Futuro tiveram maior número de empreendimentos na década de 1990.
Nilton Alves/SVM
“Essas estruturas aumentaram de quantidade. Foram surgindo barracas de lona, de palha, de taipa. E na década de 70, foram surgindo barracas de estruturas mais arrojadas. E a população começou a ter uma simpatia, um desejo muito grande de vir para cá para ter um canto de lazer”, conta Fátima.
Nos anos 90, a Praia do Futuro chegou a ter 175 barracas. Foi quando as construções começaram a se modernizar, com barracas feitas de alvenaria. A comodidade e o lazer na orla caíram no gosto de moradores e turistas.
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Para a presidente da associação, o declínio no número de empreendimentos se explica por várias dificuldades enfrentadas. Dentre elas, as mais fortes foram a pandemia e os impasses por conta da Ação Civil Pública iniciada em 2005, na qual o Ministério Público Federal no Ceará (MPF-CE) questiona a legalidade dos empreendimentos na faixa de praia.
Decisões favoráveis e contrárias à demolição das barracas marcaram as últimas duas décadas, trazendo instabilidade para o setor. Conforme Fátima Queiroz, o processo ainda tramita na Justiça.
“O fato de sermos hoje um patrimônio cultural é um reconhecimento pelo nosso trabalho. Mas a Ação Civil Pública continua. A primeira sensação foi de vitória, mas não contra quem promove a ação. É um sentimento de confiança. Eu acho que dá uma referência muito grande para a nossa cidade, para a gente se orgulhar do produto que nós somos”, afirma a presidente.
O g1 solicitou resposta do Ministério Público Federal no Ceará (MPF-CE) sobre o andamento da Ação Civil Pública e tentativas atuais de acordo para readequação das estruturas das barracas da Praia do Futuro, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Um polo turístico e várias experiências
Barracas da Praia do Futuro de Fortaleza, patrimônio cultural
Arte g1
O conjunto de megaestruturas começa na Barraca da Tia e termina na barraca Arpão Praia Bar.
Cada uma tem estilos e serviços distintos, mas o objetivo é o mesmo: garantir que os visitantes terão comodidade para ficar na praia pelo tempo que desejarem.
Na barraca Terra do Sol, por exemplo, os frequentadores hoje encontram uma estrutura com banheiros, chuveiros, parquinho infantil com piscina, playground, fraldário e quadras móveis de beach tennis. Atualmente, são 140 funcionários para atender os clientes.
“Você encontra conforto até na beira do mar”, resume Ana Batista, uma das sócias da barraca.
Turistas e moradores de Fortaleza buscam lazer e comodidade nas barracas da Praia do Futuro
Kid Junior/SVM
Aos 71 anos e conhecida como Dona Ana, ela relembra a trajetória do empreendimento, que foi inaugurado em 1992. Naquele tempo, ela tinha acabado de ficar viúva e buscava uma fonte de renda. Ela uniu forças com a irmã, Dona Leci, para a nova empreitada.
As irmãs sempre dedicaram uma atenção especial à cozinha: Dona Ana cuidando da logística e Dona Leci garantindo a qualidade dos pratos com um gostinho de comida caseira.
“O prato mais forte em todas [as barracas] é o caranguejo. Depois vem aquele peixe inteiro frito, que é uma tradição do Ceará. Também temos as peixadas, as moquecas de peixe, pratos com polvo, o filé de robalo no papelote… Nós não nos consideramos uma barraca de praia, somos um restaurante de praia”, comenta Ana Batista.
Buscando um atendimento de excelência, Ana comemora o vínculo já formado com os frequentadores cearenses e se orgulha ao receber turistas de vários países. “A gente conseguir agradar o turista que anda pelo mundo todo e pelo Brasil inteiro é um elogio muito grande”, celebra.
A barraca Seu Venâncio, na Praia do Futuro, traz uma proposta de simplicidade e tranquilidade
Kid Junior/SVM
Mantendo a barraca Seu Venâncio, o proprietário Fabiano Venâncio, de 48 anos, aposta em uma experiência de “barraca raiz”, trazendo uma memória dos primeiros empreendimentos da região.
Nela, os clientes podem deitar em redes, fincar o pé na areia e aproveitar um dos principais atrativos: o mar aberto logo à frente. Outras singularidades da barraca são o toque do chocalho para pedir o atendimento e a decoração com lamparinas.
“Nós temos uma Praia do Futuro para cada cliente. Tem aquele que gosta de baladinha, tem aquele que gosta de esporte, tem aquele que gosta da paz, que é o nosso caso aqui, por ter uma proposta de tranquilidade. Então nós temos várias praias dentro de uma só”, afirma Fabiano.
Vindo de uma família de Crateús, no sertão cearense, Fabiano fez da Praia do Futuro o seu sustento. De vendedor de frutas na areia da praia, ele passou a atuar como gerente de uma das barracas existentes durante nove anos. Antes de ter a própria barraca, abriu o primeiro food truck da orla, com lanches e música ao vivo durante a noite.
Com a barraca Seu Venâncio, comprada por ele durante a pandemia e inaugurada em 2023, veio a tentativa de resgatar o movimento da Praia do Futuro I, também conhecida como Praia do Futuro Velha. O trecho, mais próximo da Praia do Serviluz, já não tem tantas barracas atualmente.
O empresário Fabiano Venâncio já foi gerente de barraca e dono de food truck na Praia do Futuro
Kid Junior/SVM
“Enquanto ninguém mais estava na região, nós resolvemos investir no ramo. Então pegamos uma barraca que estava totalmente degradada e começamos, sempre com esse cunho regionalista, pensando em ter a identidade do nordestino”, comenta Fabiano.
Luaus e eventos com música ao vivo também animam a barraca durante a noite. Conforme o empresário, mais de 70% do público da barraca é formado por moradores de Fortaleza, especialmente com os que residem nas comunidades mais próximas à Praia do Futuro.
Quem frequenta as barracas
A cada 10 pessoas que frequentam a Praia do Futuro, seis são moradoras de Fortaleza. O resultado é da Pesquisa de Avaliação da Praia do Futuro e do Perfil do Usuário, divulgada pela Prefeitura de Fortaleza em setembro de 2024.
O levantamento mostrou que, dentre os turistas brasileiros, a praia era mais frequentada por residentes de São Paulo (17%) e do Distrito Federal (14%). A pesquisa entrevistou 300 pessoas. Para 50% dos frequentadores, as barracas de praia foram o aspecto mais marcante durante a visita à Praia do Futuro.
Outros resultados da pesquisa:
Os moradores de Fortaleza gastam, em média, R$ 238,76 durante uma visita à Praia do Futuro. Entre os turistas, esse gasto médio é de R$ 292,73.
Os aspectos mais apreciados pelos visitantes são o mar (24%), a praia (17%) e as barracas de praia (11%).
49% dos entrevistados afirmaram que já provaram o caranguejo vendido nas barracas da Praia do Futuro.
Para 24% dos entrevistados, o aspecto menos apreciado na Praia do Futuro foi a presença dos vendedores ambulantes.
Sobre as barracas, os itens que mais receberam a avaliação como “bom” foram: acessibilidade (78%), segurança (77%), limpeza (75%) e conectividade (72%).
O atendimento, o caranguejo e até os ambulantes são os itens preferidos de Miriam Queiroz na Praia do Futuro, em Fortaleza
Thaís Brito/g1
A manicure Miriam Queiroz, de 52 anos, aproveita o pouco movimento das segundas-feiras para ir à Praia do Futuro. Uma ou duas vezes no mês, ela vai até a praia para passar a manhã sentada em uma mesa de frente com o mar.
Neste mês de janeiro, quem conseguiu acompanhar Miriam durante a semana foi a filha Andressa, de 15 anos, aproveitando as férias escolares. A família escolhe sempre a mesma barraca de praia por gostar do atendimento. Elas também preferem o espaço amplo do empreendimento. Assim, mesmo em dias de intenso movimento, sentem que não fica muito lotado.
“Eu venho pelo caranguejo. Como o daqui, não tem em outros lugares. Nem todos têm o mesmo sabor e aquele molhinho”, descreve Miriam.
Para economizar um pouco, ela prefere pedir bebidas e petiscos na barraca, deixando para fazer o almoço completo em casa. Dentre os diferenciais da Praia do Futuro, para ela, estão as mesas com sombra garantida e até mesmo o trânsito de vendedores ambulantes.
“Quando eu vou pra outra praia, eu sinto falta até deles [os ambulantes]. Eu sei que as pessoas reclamam e dizem que eles passam demais, mas eu gosto. Quando a gente esquece de trazer um bronzeador, um protetor solar, uma canga, óculos… Tem tudo, dá pra comprar aqui”, comenta a frequentadora.
Trabalhando como autônomos, Lúcia Rodrigues, de 36 anos, e David Rodrigues, de 39, também frequentam a Praia do Futuro pelo menos uma vez a cada dois meses. Eles moram no bairro de Messejana e aproveitam momentos de folga para se desligar das ocupações.
O casal não costuma tomar banho de mar. Para eles, a diversão está em sentar na praia, conversar e tomar algum drink na barraca de praia. “Eu gosto do atendimento e já tenho até amizade com os garçons. Não consigo ir pra outro lugar”, conta David.
Eles relatam também que, em viagens para outras cidades, como Rio de Janeiro e Natal, costumam visitar as praias. No entanto, não encontram nenhuma estrutura parecida com a da Praia do Futuro, eleita por eles como a melhor.
O escritório é a praia
O garçom João Batista é considerado um dos trabalhadores veteranos na barraca Marulho, na Praia do Futuro
Thaís Brito/g1
A atividade das barracas de praia na orla gera uma média de 15 mil empregos diretos e indiretos. Como explica Fátima Queiroz, presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro, para cada um dos 5 mil empregos formalizados, estima-se que haja outros dois indiretos, envolvendo o trabalho dos ambulantes e de toda uma cadeia de fornecedores envolvida nos serviços ofertados.
Há 15 anos, João Batista é garçom na barraca Marulho. Ele é considerado um dos cinco funcionários veteranos do empreendimento. João cruza a cidade, vindo da praia da Barra do Ceará, para começar o dia de trabalho no início da manhã na Praia do Futuro, limpando as cadeiras e montando os ambientes que irão receber os frequentadores.
Quando a barraca abre, ele está pronto para receber os clientes, atender pedidos e tirar dúvidas. “Para quem está acostumado, não é cansativo”, afirma.
O garçom conta que passa o ano inteiro esperando os meses de alta estação. Como os meses de dezembro, janeiro e julho. “Você passa o dia todo ocupado, indo de um lado para o outro. O tempo passa mais rápido”, diz o garçom. Para ele, garantir um bom atendimento é a principal missão.
Izabel Roque já teve empregos em outros ambientes, mas prefere trabalhar na areia da praia
Thaís Brito/g1
Há 25 anos, Izabel Roque resolveu se mudar para Fortaleza com a esperança de encontrar um emprego. Ela nasceu e cresceu na cidade de Pentecoste, a 89 quilômetros da capital. Quando chegou, o primeiro trabalho foi nas barracas de praia. Ela já passou por três estabelecimentos na Praia do Futuro.
Atualmente como supervisora da barraca Marulho, ela já passou por diversas funções: foi auxiliar de serviços gerais, cumim, vendedora de coco, auxiliar nas áreas de recreação infantil e garçonete. Para ela, a praia foi uma oportunidade de crescimento profissional e de realização pessoal.
“Eu saí por uns anos e fui trabalhar num shopping e depois numa fábrica. Mas eu acabei voltando pra areia da praia. É onde eu gosto de trabalhar”, partilha Izabel.
A experiência dela ajuda nas atividades atuais: organizar a operação da barraca, acolher os clientes e resolver problemas pontuais. Ficam sob o olhar de Izabel detalhes como as visitas de grupos, a organização de eventos e a limpeza da areia para retirar plásticos e vidros que possam poluir ou apresentar riscos aos frequentadores.
Maiores responsabilidades
O reconhecimento das barracas como patrimônio cultural do Brasil chama os empreendedores a contribuir com um futuro sustentável das atividades na orla.
“Isso, sem dúvida nenhuma, vai gerar mais responsabilidades, vai requerer mais atenção do poder público e dos barraqueiros que, ao se sentirem reconhecidos, vão ter que arregaçar as mangas e fazer esse patrimônio ficar cada vez mais forte”, analisa Fátima Queiroz.
Dentre os compromissos, está a participação no Fórum Permanente para a Requalificação da Praia do Futuro, que reúne instituições públicas e privadas, associações, ONGs, universidades e demais interessados para discutir questões sociais, econômicas e ambientais que impactam a região e as comunidades do entorno.
O fórum foi criado em 2017 por iniciativa do Ministério Público Federal, buscando um espaço para resolver conflitos e encontrar soluções para a orla da Praia do Futuro.
À frente da associação dos empresários, Fátima Queiroz afirma que o desafio constante é de garantir também a qualidade do atendimento das barracas, aliando as tradições do litoral cearense à inovação dos serviços.
Desta forma, os moradores e turistas devem continuar desfrutando de comodidade e conforto nos complexos de lazer, podendo encontrar várias possibilidades de diversão: a prática de esportes, as atividades relaxantes, os momentos de recreação, os eventos culturais e o melhor da culinária cearense na beira do mar.
Reconhecidas como patrimônio cultural brasileiro, barracas da Praia do Futuro combinam tradições com novos serviços
Kid Junior/SVM
Segundo levantamento, 60% dos frequentadores da Praia do Futuro são moradores de Fortaleza
Fabiane de Paula/SVM
O caranguejo e pratos com frutos do mar são os itens mais procurados nas barracas da Praia do Futuro, em Fortaleza
Kid Junior/SVM
Barracas da praia do Futuro movimentam economia
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