Musk se transforma em cabo político da extrema direita para desestabilizar Europa

Musk

São Paulo, 23 – O empresário Elon Musk, o homem mais rico do mundo, injetou milhões de dólares na campanha do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e se tornou um agente político relevante no tabuleiro americano. Após se tornar ativo na política dos EUA, Musk está querendo influenciar o cenário do outro lado do Atlântico, na Europa.

O dono do X e da Tesla tem criticado fortemente os governos de esquerda de diversos países europeus como Alemanha e Reino Unido na rede social X e expressou apoio a partidos de extrema direita, como o Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Reform UK. Muitas de suas críticas têm como base dados descontextualizados e informações falsas.

As declarações de Musk colocaram a União Europeia (UE) e o Reino Unido em uma situação constrangedora. Ao mesmo tempo em que avaliam a necessidade de uma resposta a Musk e debatem possíveis regulações na plataforma X, os governos não querem criar um conflito com um aliado de Trump antes da posse do presidente eleito.

De acordo com analistas entrevistados pelo Estadão, questões ideológicas e econômicas permeiam as intenções de Musk na Europa. “Musk quer desestabilizar os governos que ele não concorda e apoiar a extrema direita, que representa a agenda anti-woke”, avalia o professor de ciências políticas da Universidade de Nottingham, Steven Fielding.

O termo “woke”, ou lacrador na tradução livre em português, se tornou sinônimo da luta por justiça racial e social e faz parte das chamadas “guerras culturais” ao redor do globo.

O empresário também quer que a plataforma X se mantenha sem regulação. “Musk deseja que o X continue a ser um espaço que ele enxerga como livre, sem as restrições de segurança que a União Europeia e o Reino Unido estão discutindo”, aponta Fielding.

Reino Unido

O país que mais tem sofrido com as críticas de Musk é o Reino Unido. Em uma de suas inúmeras postagens sobre o país, o empresário perguntou aos seus 211 milhões de seguidores no X se os “Estados Unidos deveriam liberar o povo do Reino Unido de seu governo tirânico”.

Influenciado por políticos e ativistas de extrema direita como o líder do partido Reform UK, Nigel Farage, Musk reviveu um escândalo de abuso sexual investigado pelas autoridades britânicas em 2014 para criticar o governo do primeiro-ministro Keir Starmer, do Partido Trabalhista.

Na época, Starmer era diretor de Processos Públicos (DPP, na sigla em inglês) do Reino Unido e investigou casos envolvendo gangues de homens de origem paquistanesa que abusaram sexualmente de mulheres menores de idade na cidade de Rotherham. Segundo uma investigação publicada em 2014, 1.400 crianças foram vítimas de abuso sexual de entre 1997 e 2013.

Musk acusou o atual primeiro-ministro de ter acobertado os casos de violência sexual por conta da origem asiática dos abusadores, com o intuito de não estimular episódios de xenofobia no país e manter uma visão positiva sobre o multiculturalismo no Reino Unido. A acusação é falsa. A equipe de Starmer abriu o primeiro processo contra a gangue e elaborou novas diretrizes para a denúncias de crimes sexuais contra crianças.

“A extrema direita britânica acredita que, por conta do movimento woke, crimes cometidos por imigrantes não são tratados da mesma forma que crimes cometidos por pessoas brancas e Elon Musk comprou essa ideia”, destaca Fielding. Para o especialista, as críticas de Musk refletem a opinião de pessoas na órbita de Trump, que classificam o governo britânico como “muito woke”.

As declarações do empresário conseguiram colocar o tema do escândalo sexual de 2014 novamente nos holofotes e o líder da oposição do Reino Unido, Kemi Badenoch, do Partido Conservador, se mostrou favorável a uma nova investigação nacional do caso. De acordo com uma pesquisa da empresa YouGov, 76% dos britânicos também apoiam uma nova investigação sobre o escândalo sexual.

Em meio às críticas e a amizade de Musk com o líder do Reform UK, Nigel Farage, o homem mais rico do mundo estaria considerando uma doação de até 100 milhões de dólares para o partido de extrema direita. Mas o apoio de Musk na plataforma X pode não significar uma melhora eleitoral para a legenda. De acordo com um levantamento da plataforma YouGov, Musk é visto favoravelmente por apenas 20% da população britânica, enquanto 71% o veem de forma desfavorável.

O primeiro-ministro Keir Starmer não mencionou Musk pelo nome ao ser perguntado pelo assunto em uma coletiva de imprensa, mas criticou “aqueles que espalham mentiras e desinformação”.

Para o professor da Universidade de Nottingham, o governo britânico está esperando o governo de Trump começar para entender a posição do republicano sobre as declarações de Musk. “Se Trump reagir de forma favorável a Musk, então o governo britânico estará em apuros”.

Alemanha

O empresário também se tornou um cabo eleitoral do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha antes das eleições no país, marcadas para o dia 23 de fevereiro. O bilionário assinou um artigo no jornal Die Welt, um dos principais periódicos da Alemanha, no final de dezembro em que defende o voto na legenda e questiona suas associações com o nazismo.

Musk também participou de uma live no X com a líder do partido e candidata da legenda ao cargo de chanceler, Alice Weidel. O empresário é acusado de ter “normalizado” as políticas do partido. O AfD está em segundo nas pesquisas de opinião, apenas atrás da União Democrata Alemã (CDU), de centro-direita. A legenda de Alice Weidel angariou apoio na Alemanha com uma plataforma antiestablishment, que crítica a chegada de milhões de imigrantes e refugiados de países do Oriente Médio e da Ucrânia.

O partido já foi forçado a expulsar membros após denúncias de racismo e antissemitismo, além do uso de slogans da Alemanha nazista. A legenda é investigada pelo serviço de segurança da Alemanha por conta da retórica extremista.

Para José Ignacio Torreblanca, analista sênior do European Council on Foreign Relations, a principal preocupação em relação à interferência de Musk nas eleições alemãs é uma maior radicalização dos eleitores do Alternativa para a Alemanha.

“O maior problema é a violência que pode acontecer depois das eleições”, diz Torreblanca. “Com Musk e uma maior amplificação da plataforma do partido, os apoiadores estão mais fiéis, a sociedade mais polarizada e com isso a Alemanha fica suscetível a um ataque às instituições, como aconteceu nos Estados Unidos no dia 6 de janeiro de 2021”.

Olaf Scholz, chanceler e candidato à reeleição, criticou o envolvimento de Musk na campanha eleitoral da Alemanha. O candidato da CDU e principal favorito ao pleito, Friedrich Merz, também condenou as declarações do empresário.

Para a cientista política e ex-conselheira Especial da UE, Nathalie Tocci, as eleições na Alemanha serão um termômetro para avaliar se o espaço dado por Musk ao Alternativa para a Alemanha surtiu efeito. “Os europeus estão um pouco apavorados com as declarações de Musk e a melhor forma de vermos se sua influência é grande dentro do continente é nas eleições”.

Elon Musk vs UE

A retórica agressiva de Musk contra governos europeus foi apenas mais um capítulo da briga entre o empresário e a União Europeia. Nos últimos anos, Musk e o bloco europeu tiveram desavenças sobre o uso da rede social X na Europa, com o empresário defendendo a liberdade de expressão sem nenhum tipo de restrição

Desde o final de 2023, o X está sendo investigado por potencialmente ter violado várias normas do Ato de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) da UE, uma lei abrangente que exige que as principais plataformas digitais removam postagens que contenham conteúdo ilegal. Segundo a lei, que foi aprovada em 2022, os reguladores podem multar empresas em até 6% de sua receita anual por não seguirem as regras de transparência ou permitirem conteúdo ilegal e informações falsas em suas plataformas.

Até agora, a investigação não foi finalizada e o X ainda não se adequou às regras de regulação da União Europeia. Em julho, o então candidato a vice e atual vice-presidente eleito dos Estados Unidos, J.D Vance, afirmou em uma entrevista ao youtuber Shawn Ryan que Washington poderia diminuir seu apoio a Otan se a UE optasse por regular o X e multar a plataforma.

Além do impasse com Musk, governos do continente europeu também precisam se preparar para duras tarifas do futuro governo Trump. Em seu primeiro mandato, o presidente eleito ameaçou entrar em uma guerra tarifária com o bloco porque considerava que a UE favorecia a indústria alemã. Ele chegou a dizer que a Europa era um inimigo “pior que a China, só menor”. Desta vez, Trump ameaçou novamente com tarifas.

“É preciso entender que existe uma tentativa, por motivos políticos para Trump e comerciais por Musk, de fragmentar e enfraquecer a União Europeia”, avalia a cientista política Nathalie Tocci. “Musk e Trump estão estreitando laços com políticos que não querem uma Europa unida porque é muito mais fácil impor os seus interesses assim. Países europeus sozinhos são muito pequenos, uma Europa unida é importante para lutarmos por nossos interesses”.

Para Torreblanca, do European Council on Foreign Relations, a União Europeia não vai agir especificamente contra Musk e esperar o início do governo Trump. “A UE sabe quais podem ser as consequências de regular o X e multar a plataforma e vai esperar para analisar os próximos passos. Ninguém quer uma briga com o governo americano no início do mandato”.

Donald Trump e a extrema direita

A principal questão é se a postura de Musk continuará a mesma após a posse de Trump, no dia 20 de janeiro. Musk não fará parte do gabinete do presidente eleito, mas será um dos diretores do Departamento de Eficiência Comportamental (DOGE), iniciativa do governo do republicano para diminuir a burocracia federal, eliminar regulações e cortar gastos.

“Com Trump ainda fora da Casa Branca, Musk conseguiu criar uma persona que transita entre uma figura pública e uma figura privada”, aponta Carolina Pavese, especialista em Europa e doutora em relações internacionais pela London School of Economics. “Esta conjuntura permite que Musk faça essas interferências se respaldando em sua liberdade de expressão individual enquanto um cidadão privado, mas ele é muito além de um cidadão comum”.

Para a especialista, quando Trump assumir, Musk será mais visto como uma figura pública, sujeito a um maior escrutínio legal e responsabilização por suas declarações.

A proximidade do empresário com o presidente eleito também pode estar sujeita a dificuldades. Musk já rompeu com círculos do núcleo de apoiadores de Trump e foi criticado pelo estrategista político Steve Bannon, arquiteto da primeira vitória eleitoral de Trump, em 2016.

“Ele não terá um passe azul com acesso total à Casa Branca. Ele será como todo mundo”, apontou Bannon em entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera. “Ele é uma pessoa realmente má. Pará-lo se tornou uma questão pessoal para mim.”

Estadão Conteúdo

Adicionar aos favoritos o Link permanente.