Grupo Tapa reencena peças francesas e provoca público com um festival de comédia

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DAVI GALANTIER KRASILCHIK
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Na calada da noite, um homem volta de uma festa à fantasia, cambaleante num figurino de Luís 14. Embriagado, ele acorda sua mulher e começa uma briga sobre o relacionamento.

Em paralelo, uma mulher escolhe um vestido quase transparente para vestir nos corredores de casa. A escolha enfurece o marido e levanta questionamentos sobre o casamento que os une.

Ainda que espaços e costumes separem as personagens, há muita união entre os dois contos. São trabalhos do francês Georges Feydeau (1862-1921), prestigiado dramaturgo do vaudeville -gênero de atrações breves, cômicas e sem conexão aparente-, que ressurgem em peças de teatro do Grupo Tapa.

Sejam apresentadas nos boulevards parisienses ou no Teatro Itália, em São Paulo, “A Falecida Senhora sua Mãe” e “Não Andes Nua por Aí” -que é antecipada por uma peça curta, “Jantar de Despedida”- investigam os jogos de aparência e ostentação dos nunca plenamente satisfeitos.

Do confinamento em um quarto escuro à amplitude de uma sala de estar ensolarada, as peças encurtam a distância social entre protagonistas de mesma ambição.

“Elas acompanham uma classe que buscava ocupar o centro de Paris, quando se estabeleciam grandes centros urbanos. Feydeau desenvolvia um extrato dos problemas e preocupações que manipulavam a essência desses cidadãos”, diz Eduardo Tolentino de Araújo, diretor deste conjunto de peças chamado “Festival de Comédias”.

Fundador do Tapa, ele lembra o papel da companhia de repertório, dedicada a encenar grandes autores brasileiros e internacionais. O festival alinha essa tradição ao legado do próprio Teatro Itália e prioriza um humor objetivo, que investiga diferentes comportamentos do espectador.

Em “A Falecida”, um imprevisto obriga o casal humilde a se arrumar às pressas para um enterro. O disparar de ordens para a empregada doméstica, a atriz Paloma Galasso, resgata hierarquias e maus tratos que muitos preservam dentro de casa. Discussões financeiras surgem da possibilidade de uma herança e eventos absurdos postergam o compromisso.

“Nua”, por sua vez, acompanha um político burguês, papel de André Garolli, que se prepara para receber um rival de outro partido. Ele teme que a esposa possa afrontá-lo e tenta controlar a situação. Mas a personagem de Camila Czerkes se recusa a colaborar e desafia diversos papéis de gênero. A peça ainda simula uma janela entre a plateia e os atores e fortalece a vigilância que nos leva a julgar os outros.

“Acredito que a máscara nos protege e essas caricaturas nos permitem assumir o lado escroto de muitas pessoas. No palco, o que surge como brincadeira representa questões presentes em nossas relações amorosas e comportamentos muito próximos do dia a dia”, diz a atriz Fernanda Viacava, que interpreta a personagem forçada a lidar com a morte súbita da mãe.

Ela brinca com o medo do cancelamento que os ensaios teriam provocado e cita o machismo das peças, concebidas nos anos 1900, como ponto essencial para debates.

Das perversões do funcionário vivido por Mauricio Bittencourt -personagem de ambas apresentações que imita a grosseria de superiores-, aos esforços de um jornalista em retirar um ferrão da bunda de Czerkes, as piadas desmascaram diversos representantes da sociedade.

Ninguém está a salvo. “Se quem assiste não consegue estabelecer qualquer conexão com as situações, por mais absurdas sejam, estamos diante de um enorme problema para a comédia”, afirma Garolli.

Ele coloca a suspensão do senso crítico como obstáculo para resgatar autores como Nelson Rodrigues, dramaturgos de um legado em plena comunicação com a humanidade de hoje. Na busca por restaurar uma relação mais clara com o espectador, Tolentino também critica os editais de cultura e os parâmetros estabelecidos por prêmios internacionais como o Globo de Ouro.

“Existe uma ideia colonizada nessa busca por validações. Ela qualifica projetos que exploram uma modernidade importada e acabam excluindo o público da equação. Essas histórias não vão solucionar grandes questões e conflitos do mundo. Eu quero ver a história de pessoas. É sobre elas, com elas e para elas que estamos falando.”

FESTIVAL DE COMÉDIAS – ‘A FALECIDA SENHORA SUA MÃE’
Quando: Qui. e sex., às 20h. Até 21/2
Onde: Teatro Itália – av. Ipiranga, 344, São Paulo
Preço: R$ 80, ingresso na bilheteria
Classificação: 14 anos
Autoria: Georges Feydeau
Elenco: Fernanda Viacava, Fernando Nitsch e Paloma Galasso
Direção: Eduardo Tolentino de Araújo

FESTIVAL DE COMÉDIAS – ‘JANTAR DE DESPEDIDAS’ E ‘NÃO ANDES NUA POR AÍ’
Quando: Sáb., às 20h; dom., às 19h. Até 23/2
Onde: Teatro Itália – av. Ipiranga, 344, São Paulo
Preço: R$ 80, ingresso na bilheteria
Classificação: 14 anos
Autoria: Georges Feydeau
Elenco: André Garolli, Camila Czerkes e Laerte Mello
Direção: Eduardo Tolentino de Araújo

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