Favorito na Alemanha admite apoio da extrema direita para ofensiva anti-imigração

"Friedrich Merz"

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

Friedrich Merz, o nome que lidera as pesquisas de opinião na Alemanha, pode quebrar o isolamento da sigla de extrema direita no Parlamento em busca de dividendos eleitorais. Líder da CDU, o candidato defendeu nesta sexta-feira (24) a aprovação imediata de um pacote para endurecer as leis de imigração, ainda que tivesse que contar com votos da AfD, a legenda populista que tem integrantes investigados por discurso de ódio e neonazismo.

“Eu não olho para esquerda ou para direita. Olho apenas para nossas questões.”

Merz refutou o raciocínio, mas adversários e boa parte da imprensa alemã vislumbraram a quebra de um tabu na política do país: nunca, desde que se tornou partido, em 2013, a Alternativa para Alemanha foi recepcionada em qualquer tipo de negociação pelas outras legendas.

O isolamento tem até nome, “Brandmauer”, termo em alemão para porta anti-fogo, equivalente ao anglicismo firewall de computadores. Katja Mast, diretora parlamentar do SPD, partido do primeiro-ministro, Olaf Scholz, criticou a atitude do adversário. “Se Merz fizer isso, será como arrebentar a represa, o fim do firewall”, declarou. “É o salvo-conduto para a cooperação com a AfD.”

Merz afirmou que sua posição em relação à sigla extremista continua a mesma. “Não trabalhamos com esse partido. Não formaremos governo com eles.”

A segunda parte da resposta tenta dirimir outro fantasma da política alemã atual, que é o exemplo da Áustria. Teme-se uma espécie de efeito Orloff entre os vizinhos de língua alemã. Ainda que vitorioso nas últimas eleições, o Partido da Liberdade (FPO), a legenda extremista local, não tinha maioria para assumir o governo. Após fracassar uma tentativa dos outros partidos de formar uma coalizão, o FPO foi chamado pelos conservadores do Partido do Povo (ÖVP) para negociar um gabinete.

O FPO, do líder extremista Herbert Kickl, foi fundado nos anos 1950 por um ex-oficial da SS e um deputado nazista. Na versão atual, a sigla populista se inclina pela Rússia no conflito com a Ucrânia, fronteiras fechadas para imigrantes e até a saída da União Europeia.

O paralelo com a AfD é evidente. Nesta semana, um tribunal de segunda instância do estado da Saxônia recusou recurso do diretório regional do partido contra a designação que recebe dos serviços de segurança alemães, de que é uma sigla de extrema direita. A decisão judicial afirma que as “as políticas do partido vão contra a Constituição”.

Na quarta-feira (22), um afegão com histórico de transtornos mentais e atos de violência atacou pessoas a esmo com uma faca de cozinha em um parque público na Baviera. Duas pessoas morreram, incluindo um menino marroquino de dois anos, e outras três ficaram feridas. O episódio realimentou a discussão sobre a política alemã de imigração, um dos tópicos mais sensíveis da atual campanha eleitoral.

Alice Weidel, candidata da AfD a premiê, escreveu uma carta a Merz propondo uma união de esforços para endurecer a proteção legal de solicitantes de visto e refúgio, visto como um passivo da era Angela Merkel. Merz recusou o diálogo, um dia antes de admitir que o voto extremista pode ajudar a aprovar seu pacote legislativo.

Neste momento, contando com outros partidos de oposição, a CDU precisaria dos votos da AfD para aprovar uma moção. Ainda assim, a legislação, que ainda não foi detalhada, teria um longo caminho parlamentar antes de entrar em vigor. A constatação aumenta a percepção de que a urgência do conservador tem caráter eleitoreiro.

A retórica anti-imigração permeia o discurso de quase todos os candidatos, mas Merz, dizem os críticos, tenta atrair eleitores da AfD com palavras de ordem –sua propaganda eleitoral fala de “lei e ordem”, mote de muitos republicanos nos EUA. Parte da imprensa descreve o esforço do político conservador como uma tentativa de emular Donald Trump.

A CDU de Merz lidera as pesquisas de opinião, com 30% na média das pesquisas. A AfD vem em segundo lugar, com 20%, apesar de um levantamento recente mostrar a sigla já em empate numérico com o SPD, de Scholz.

As eleições na Alemanha ocorrem em 23 de fevereiro.

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