A infoconspiração como estratégia política da era digital

(Imagem: Gerd Altmann/Pixabay)

Hoje não se derruba mais um governo com tanques na rua, mas com informação. E se combinarmos esta constatação à máxima “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade” (1), teremos o cenário ideal para o desenvolvimento da chamada infoconspiração. É um processo político onde adversários de um governo usam as informações que parecem verdades, mas propõem uma grande mentira com o objetivo de debilitar a imagem pública deste mesmo governo.

É o que estamos assistindo hoje aqui no Brasil e em várias outras partes do mundo, como agora nos Estados Unidos, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. A infoconspiração é bem mais barata do que uma quartelada clássica, é muito menos sangrenta, prospera silenciosamente, e faz com que as principais vítimas acabem conformadas ou passivas diante de sua impotência política.

Trata-se de um fenômeno novo na política mundial, por causa do protagonismo central desempenhado pelos meios de comunicação de massa, especialmente a imprensa e as plataformas digitais tipo Facebook, X, Instagram e Telegram. A informação é o item chave nas estratégias de desgaste da imagem pública, seja de governos, de empresas, de instituições ou personalidades. Sua importância vem do fato de que, distribuída de forma constante, articulada e crescente, ela consegue alterar opiniões individuais ou pelo menos semear a dúvida entre antagonistas.

O impeachment da ex-presidente Dilma Roussef foi uma espécie de show case (amostra exemplar) do processo de infoconspiração, que já havia sido testado com sucesso no Paraguai, com a destituição do presidente Fernando Lugo, deposto em 2012 (2). A imagem pública de Dilma foi abalada pelo noticiário sobre desacertos administrativos, desorientação política, corrupção e esquerdismo. Já Lugo perdeu a presidência após um bombardeio informativo causado por uma polêmica paternidade quando ainda era padre e pela oposição sistemática da imprensa conservadora paraguaia.

Os presidentes Lula e Gustavo Petro, da Colômbia, ambos de esquerda, enfrentam o “moedor de carne” de partidos e políticos conservadores que a cada dia aprimoram mais o discurso em que alinham fatos, dados e eventos verdadeiros e os submetem a um enviesamento adequado aos seus propósitos. O caso típico é o famoso caso Pix, onde a habilidade narrativa do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) logrou convencer milhares de brasileiros de que o governo pretendia fazer o que nunca cogitou. Ao semear dúvidas, num clima de incertezas criado pela cacofonia informativa nas plataformas e na imprensa, foi possível contar algumas poucas verdades para dizer uma grande mentira, a de que o governo iria taxar o uso das transferências bancárias via Pix, hoje o instrumento mais usado em todo o Brasil para pagamentos e recebimentos.

Rupturas institucionais que antes se apoiavam, basicamente, em tanques e tropas nas ruas, agora dependem de fluxos de dados, agendas noticiosas e viralização de opiniões pela internet. A nova conjuntura aumentou a responsabilidade do jornalismo no desenrolar de estratégias de desestabilização política. Esta é uma das razões pelas quais a relação entre imprensa e a globalização do crescimento da extrema direita tornou-se a área de pesquisa acadêmica que mais cresceu nos últimos dois anos, especialmente depois da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024, nos Estados Unidos.

A dinâmica da infoconspiração

Quase todos os estudos coincidem que há um deslocamento para a direita no centro de gravidade da agenda noticiosa da imprensa (3) na grande maioria dos países da Europa e nas Américas.

Um princípio onipresente na dinâmica da produção informativa da imprensa é o de que tudo que foge à rotina desperta a atenção das pessoas, logo vende jornais, revistas ou conquista audiências no rádio e na TV. A retórica extremista da direita soube se aproveitar desta preocupação para ganhar visibilidade pública, usando principalmente a técnica do confronto e o recurso ao negacionismo de muitos itens do chamado senso comum. Na era das plataformas digitais, este tipo de estratégia obtém resultados consideráveis quando entram em cena influenciadores inescrupulosos.

O passo seguinte é promover uma abordagem (narrativa) de fatos, dados e eventos priorizando um ângulo desfavorável ao governo; promover atores secundários desde que eles ponham em dúvida a versão oficial, explorar divergências entre membros ou apoiadores do governo e destacar o descontentamento das pessoas em relação ao poder público. Um exemplo clássico é a divulgação de pesquisas de opinião onde os dados menos favoráveis ao objetivo escolhido ganham mais destaque do que os considerados positivos ao político, governante ou instituição vítimas do processo de desestabilização.

Quando a estratégia funciona, como aconteceu também na administração Biden, nos Estados Unidos, o processo se torna quase irreversível, porque a opinião pública foi domesticada pela desinformação, facilitando a ruptura institucional. Em conjunturas polarizadas ideologicamente, quando um lado perde o apoio ativo da opinião pública, ele se torna um alvo fácil.

A imprensa pode ser parceira ou alvo de uma infoconspiração. Parceira em situações em que alguns veículos de comunicação tomam partido no conflito político-ideológico e endossam a estratégia de desinformação contra o alvo escolhido. É o que acontece com algumas publicações brasileiras e europeias. Este tipo de opção em geral é determinado pela necessidade da empresa jornalística de enfrentar problemas financeiros por meio de alianças visando favores.

A imprensa numa infoconspiração

A imprensa pode ser também alvo direto de uma infoconspiração como acontece nos Estados Unidos, desde que a extrema direita norte-americana ganhou importância mundial graças à participação do bilionário Donald Trump em três eleições presidenciais consecutivas (ganhou duas e perdeu uma). O político republicano baseou sua ascensão política nas plataformas digitais e fez da imprensa liberal o alvo preferido de suas diatribes eleitorais. Seus principais aliados são os super milionários donos das plataformas Meta (dona do Facebook e Instagram), X (o antigo Twitter) e Alphabet (dona do Google e YouTube).

A divergência entre Trump e jornais como o The New York Times é de cunho ideológico, porque a ‘Velha Dama Cinzenta’ (4) defende o sistema liberal democrático contra o populismo autocrático do novo presidente norte-americano, que reina absoluto nas plataformas digitais onde seus seguidores e simpatizantes transformaram as notícias falsas e a desinformação num procedimento padrão. A volta de Trump ao poder foi uma consequência direta do profundo desgaste da imagem pública do agora ex-presidente democrata Joe Biden, que apesar de deixar a economia norte-americana em ótima fase, segundo os indicadores, não conseguiu resistir às verdades mentirosas de Donald Trump.

 

  1. A frase é parte do texto de um anúncio criado pelo publicitário Washington Olivetto em 1987, usando dados da Alemanha no período anterior à II Guerra Mundial. As verdades eram a situação na Alemanha e o perfil de Hitler. A mentira era o nazismo. O anúncio de Olivetto foi divulgado num período de grande instabilidade política no Brasil, durante o governo Sarney, os debates na constituinte e as incertezas sobre a redemocratização. O cliente era o jornal Folha de São Paulo, que hoje não disfarça mais seu antagonismo em relação ao governo Lula. 
  2. O padre e posteriormente bispo Fernando Lugo foi eleito presidente do Paraguai em 2008, depois de deixar a igreja Católica. Sua destituição foi o desfecho de um processo parlamentar sumário que durou apenas 36 horas. 
  3. Ver artigo do professor Joshua Adams: https://journojoshua.medium.com/liberals-treat-rightwing-media-as-the-fringe-its-the-mainstream-dda4d93a1826
  4. Velha Dama Cinzenta (Old Grey Lady) é o apelido dado pelos novaiorquinos ao centenário jornal The New York Times, o mais importante dos Estados Unidos

 

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.

 

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