O que a psicologia tem a ver com o caso Wilker Leão e a liberdade de cátedra dos professores

wilker leão

Antes de tudo, é importante deixar claro que não concordo com várias posturas do senhor Wilker, assim como discordo de muitas falas sobre a liberdade de cátedra. A legislação brasileira, no entanto, é clara sobre o assunto. Vejamos:

Constituição Federal

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96)

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância.

Em um julgamento, a ministra Cármen Lúcia também destacou:

Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo, que pode, inclusive, se contrapor ao próprio Estado. Qualquer tentativa de cercear a liberdade do professor em sala de aula é inconstitucional.

Dissonância Cognitiva e Ancoragem

O caso de Wilker Leão e as discussões em torno da liberdade de cátedra exemplificam mais uma vez dois conceitos centrais da psicologia: dissonância cognitiva e ancoragem, ambos recorrentes nos debates e reações dos envolvidos, inclusive do autor dos vídeos.

Quando perdemos a capacidade de debater? Em que ponto nossa opinião passou a ter mais valor que fatos históricos e científicos? O vídeo em questão me lembrou Platão, em Teeteto, onde o filósofo afirma que o conhecimento é uma crença verdadeira justificada. Um exemplo disso surge na fala de uma professora no vídeo: “Além de pedagoga, sou psicóloga e produzo conhecimento no campo da psicologia marxista.”

De acordo com pensadores como John Greco e Ernest Sosa, a epistemologia, ou teoria do conhecimento, lida com questões fundamentais: o que é conhecimento e o que podemos conhecer? E, ainda, como conhecemos o que conhecemos? Esses questionamentos são essenciais quando confrontamos diferentes perspectivas. O próprio autor do vídeo, ao se referir a Paulo Freire, diz: “Ele inclusive é um objeto de questionamento, vamos aproveitar…”

Conhecimento e juízo de valor

Há um ponto importante na interação entre os personagens do vídeo: tanto os professores quanto Wilker se posicionam como detentores de conhecimento, o que gera um conflito baseado em juízos de valor. Cada um atribui características negativas às crenças do outro, reforçando suas próprias convicções.

Esse comportamento, especialmente em ambientes educacionais, levanta questões sobre a “normatividade” — ou seja, o que é considerado aceitável ou normal dentro de um determinado contexto. E aqui entra um ponto crucial: a normatividade, quando distorcida, pode ser usada para condenar o diferente e promover ideologias sob o disfarce de conhecimento.

O papel da psicologia

Para ilustrar esse ponto, cito a fala da professora que se apresenta como “psicóloga marxista”. Mas será que, sob essa mesma “normatividade”, um psicólogo cristão seria aceito da mesma forma? Isso nos leva à questão de que o conhecimento, para ser validado, precisa ser justificado e acessível ao conhecedor, mas sem excluir outras perspectivas.

A psicologia, como ciência, estuda o comportamento humano em suas mais diversas manifestações. Isso inclui tanto a psicologia marxista, que analisa o papel do trabalho e da história na formação da individualidade, quanto a psicologia da religião, que investiga as crenças e práticas religiosas e como elas afetam a psique humana.

Educação e pluralidade

No caso de Paulo Freire, antes de criticá-lo, é essencial estudar autores como Álvaro Vieira Pinto e Frank Laubach, que influenciaram profundamente seu pensamento. Somente assim será possível construir críticas fundamentadas e não apenas baseadas em sarcasmo ou preconceitos.

A pluralidade de ideias, tão defendida nas normas legais sobre a cátedra, parece estar em descompasso com a prática apresentada no vídeo. Há uma preocupação excessiva em defender visões particulares, sem abertura ao diálogo. Isso cria um ambiente onde a “verdade” de cada um precisa ser justificada a todo custo, o que resulta em uma ancoragem em crenças pessoais como se fossem o verdadeiro conhecimento.

Ao fim do vídeo, uma conclusão é inevitável: todos os envolvidos — e provavelmente muitos de nós — concordamos em discordar. O desafio, no entanto, é resgatar a capacidade de debater de forma aberta, com respeito e pluralidade, para que o conhecimento seja construído de maneira coletiva e sem preconceitos.

Até a próxima!

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