Caso Marina Harkot: novo vídeo mostra reconstituição 3D do atropelamento que matou ciclista; júri de motorista será nesta quinta


Animação da perícia mostra como José Júnior atingiu vítima com carro a 93 km/h em 2020 em SP. Em outro vídeo inédito, empresário diz que não viu socióloga e não a socorreu pois achou que fosse ‘assalto’. Réu responde solto por homicídio. Ele é acusado de beber, correr e fugir. Imagens inéditas mostram interrogatório de acusado de matar Marina Harkot
Vídeo inédito da reconstituição 3D do caso Marina Harkot, feito pela perícia da polícia, mostra como o motorista do carro atropelou e matou a ciclista em alta velocidade na madrugada de 8 de novembro de 2020 em São Paulo. Segundo o laudo, o veículo estava a 93 km/h na via – o limite é de 50 km/h.
Outra filmagem, também inédita, revela o que o condutor disse à Justiça em sua defesa, em 21 de fevereiro de 2022, quando foi interrogado dois anos após o crime.
O g1 teve acesso a essas duas novas imagens (veja acima). Elas poderão ser usadas pelo Ministério Público (MP), a partir desta quinta-feira (23), no julgamento do empresário José Maria da Costa Júnior pelo assassinato de Marina Kohler Harkot. Ele é o motorista do automóvel que atingiu a cicloativista e depois fugiu.
Outro vídeo que deverá ser mostrado pela acusação será o do desenho animado Motor Mania, criado pelos Estúdios Disney em 1950. A animação de 6 minutos mostra o personagem Pateta se transformando num motorista estressado assim que entra no seu carro (veja foto abaixo). Ele comete infrações de trânsito, desrespeita pedestres, dirige em alta velocidade e disputa “rachas”.
A Justiça marcou para as 12h30 o júri popular do caso, no plenário 10 do Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital paulista. A previsão é a de que ele possa durar até sexta-feira (24).
O motorista responde em liberdade ao processo por homicídio doloso qualificado por dolo eventual (por ter arriscado a vida de outras pessoas e assumido o risco de matar uma delas). Ele também é acusado pelo Ministério Público de embriaguez ao volante (dirigir sob efeito de bebida alcoólica) e omissão de socorro (fugir do local sem prestar socorro à vítima).
O julgamento do réu será conduzido pela magistrada Isadora Botti Beraldo Moro. Ela irá interrogar o réu no júri. José Maria deveria ter sido julgado em 20 de junho de 2024, mas alegou naquela ocasião que estava com dengue e não poderia ir ao fórum. Por esse motivo, a sessão foi adiada.
Antes de a Justiça ouvir o motorista, falarão as sete testemunhas, sendo quatro indicadas pela acusação e duas pela defesa. Outra testemunha é comum às partes.
Jurados verão vídeos
Desenho sobre personagem Pateta se tornando um motorista estressado e que desrespeita as leis de trânsito será usado no júri do caso Marina Harkot
Reprodução/Disney
Além dessas filmagens (3D, do interrogatório e do Pateta), o g1 conseguiu cópias das fotos do laudo pericial do atropelamento na Avenida Paulo VI, em Pinheiros. Nelas é possível ver como a bicicleta vermelha da socióloga ficou destruída após ser atingida por trás pelo Hyundai Tucson prata dirigido pelo motorista.
Existe a possibilidade de que todas essas imagens mencionadas acima sejam mostradas aos sete jurados que irão definir se José Maria deverá ser condenado ou absolvido por ter causado a morte de Marina. A pena para quem comete homicídio por dolo eventual pode chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.
“A gente busca a condenação. Se a pena vier aquém do esperado, vamos buscar aumentá-la em sede recursal, para que tenhamos uma punição justa e adequada ao caso. Mas vamos pensar primeiro em buscar a condenação. A pena vemos depois”, falou ao g1 o promotor do caso, Rodolfo Justino de Morais.
Foto pericial mostra corpo de Marina Harkot coberto por manta e bicicleta dela destruída após atropelamento
Reprodução
Laudo pericial mostra croqui do local onde a ciclista Marina Harkot foi atropelada e morta em São Paulo
Reprodução
Defesa quer homicídio culposo
Marina tinha 28 anos quando foi atropelada e morta. Era pesquisadora do uso da bicicleta como meio de transporte para mulheres nas grandes cidades e defensora dos direitos dos ciclistas no trânsito.
José Maria tem 37 anos atualmente. Desde o crime, a carteira de motorista dele está suspensa temporariamente por decisão da Justiça. Sua defesa tentará convencer os jurados a desclassificarem o crime de homicídio doloso para culposo, quando não existe a intenção de matar alguém.
“A expectativa é de um júri difícil, um júri complexo, um júri voltado à emoção porque os familiares [de Marina] vão estar em peso, amigos [dela]… Um caso delicado, porém a tese defensiva já é de conhecimento de todos. Nós vamos buscar a desclassificação para o homicídio culposo para afastar o dolo eventual”, falou o advogado José Miguel da Silva ao g1.
Nos homicídios culposos na direção de veículos, os réus são julgados por um juiz ou juíza, e as penas costumam ser de 2 a 4 anos de reclusão, podendo resultar também em prisão, mas em regime aberto.
Temendo pela segurança de seu cliente, a defesa do motorista pedirá para a segurança do fórum proteção quando forem ao julgamento.
Reconstituição 3D
Reconstituição 3D mostra como teria sido atropelamento de Marina Harkot
Reprodução
A reconstituição 3D do atropelamento de Marina Harkot foi feita pelo Instituto de Criminalística (IC) da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (veja foto acima). Ela faz parte do processo do caso.
Como nenhuma outra câmera de segurança gravou o momento exato em que José Maria atinge a bicicleta da vítima com o carro dele, a animação tridimensional servirá para os jurados terem uma ideia de como Marina foi atropelada.
O laudo foi feito a partir do mapeamento topográfico do local do atropelamento. Para isso a perícia usou um scanner laser 3D que captou imagens do entorno. Elas foram levadas para um computador, que juntou as informações dos depoimentos das testemunhas do caso para fazer a animação.
A reconstituição mostra que por volta da 0h de 8 de novembro Marina pedalava pela faixa de ônibus da avenida, quando foi atingida por trás pelo carro dirigido por José Maria. De acordo com a animação, a ciclista foi lançada para o alto.
O filme não mostra, mas, segundo peritos, a vítima bateu a cabeça no parabrisa do Hyundai, que teve o vidro estilhaçado com o impacto. A animação continua com o automóvel fugindo enquanto Marina cai morta no asfalto, com a bicicleta danificada ao seu lado.
Vídeo mostra interrogatório
José Maria da Costa Júnior foi interrogado por videoconferência em 2022 pela Justiça de São Paulo
Reprodução
Motorista José Maria fugiu após atropelar e matar a ciclista Marina Harkot em São Paulo
Reprodução/Arquivo pessoal
Antes de marcar o julgamento para esta semana, a Justiça interrogou José Maria em 2022, na audiência de instrução. Ela serviu à época para outra juíza, Marcela Raia de Sant’Anna, da 5ª Vara do Júri, se convencer de que o réu deveria ser submetido a júri popular.
Quando foi ouvido pela primeira vez na Justiça, há quase três anos, o empresário confirmou o que já havia dito em 2020 ao Fantástico. Ele alegou que não sabia que havia atropelado a ciclista. E que não parou o carro para ver o que tinha acontecido por achar que se tratava de uma tentativa de assalto.
O interrogatório de José Maria foi gravado à época por videoconferência, por causa da pandemia de Covid. Ele e a magistrada usavam máscaras.
“Eu ouvi um estrondo, um barulho assim… Aí achei que pudesse ser um assalto”, contou José Maria naquela ocasião. “Jamais eu teria noção que era uma bicicleta.”
Carro estava a 93 km/h, diz laudo
Câmera registra carro que atropelou ciclista na Zona Oeste de SP em alta velocidade
O motorista alegou ainda que o local estava escuro e não era possível ver ninguém à sua frente.
Mas a policial militar e enfermeira Mariana de Morais Braga, que estava de folga e passava pelo local e viu o atropelamento, contou à Justiça que o lugar estava iluminado. E que Marina e a bicicleta tinham objetos luminosos para chamarem a atenção dos motoristas. Foi a agente da Polícia Militar (PM) quem prestou os primeiros socorros à vítima, mas ela não resistiu e morreu no local.
De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML), a ciclista morreu por causa de politraumatismo (diversas fraturas pelo corpo).
Segundo a perícia, radares registraram que o Hyundai passou a 93 km/h na avenida após o atropelamento. Quando foi questionado se estava em alta velocidade no momento do atropelamento, o motorista falou que “estava por volta de 40 [km/h]”.
O limite de velocidade para veículos no trecho em que Marina foi atropelada é de 50 km/h, segundo os peritos. Uma câmera de segurança gravou o momento em que o carro passa pela via após o atropelamento.
Amigos dizem que motorista bebeu
No detalhe: José Maria aparece em bar na Zona Oeste de São Paulo momentos antes de atropelar e matar Marina Harkot
Reprodução/Câmera de segurança
Dentro do veículo ainda estavam dois amigos do empresário: a estudante Isabela Serafim e o cartorário Guilherme Dias da Mota. Eles serão testemunhas do caso no júri desta quinta.
Antes, Isabela e Guilherme contaram na mesma audiência em 2022 à Justiça que o motorista havia bebido uísque com energético num bar antes de saírem de carro. Câmeras de segurança gravaram José Maria no estabelecimento (veja foto acima). E comprovantes de pagamento mostraram que ele pagou pelas duas bebidas.
Como o motorista se apresentou na delegacia dois dias depois, não foi possível submetê-lo a exame para saber se havia bebido quando atropelou Marina.
Os dois amigos disseram, no entanto, não ter visto se José Maria atropelou alguém. Mas citaram que ouviram um barulho e que ele não parou e acelerou o veículo.
O grupo seguiu para a casa do empresário, no Centro. As câmeras de um estacionamento registraram quando ele deixa o Hyundai com o vidro quebrado no estabelecimento. Filmagens do prédio de José Maria ainda o mostraram sorrindo no elevador.
O caso Marina Harkot repercutiu à época na imprensa e nas redes sociais, dando origem a protestos de quem usa a bicicleta como meio de transporte.
Pais da cliclista irão ao júri
Paulo Garreta Harkot e Maria Claudia Kohler, pais de Marina Harkot, visitam local onde filha foi atropelada e morta por motorista embriagado que fugiu em 8 de novembro de 2021
Denis Ferreira Netto/@denisfotos/Divulgação
Marina era socióloga pela Universidade de São Paulo (USP), fazia doutorado e atuava como pesquisadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) e Ciclo Cidade, além de atuar em outros grupos ligados à mobilidade ativa.
“Estamos vivendo um momento de desvalorização da vida. Marina contribuía muito para a sociedade, para repensar a cidade como cidadã. Uma jovem assim de 28 anos que foi eliminada. Ela faz falta como filha, irmã, amiga e faz falta à sociedade”, disse Maria Claudia Kohler, mãe de Marina. “Acreditamos que esse julgamento é muito importante para que seja dada a visibilidade necessária e punição aos sinistros deste tipo: morte de ciclistas por motoristas bêbados e em alta velocidade”.
“O que a gente espera é que ele seja condenado pelos atos inadequados, irresponsáveis, truculentos, selvagens e desnecessários que ele cometeu”, disse Paulo Garreta Harkot, pai de Marina. “O automóvel não foi feito para isso. Não foi feito para assassinar, para desestruturar uma família, para causar tanta dor, sofrimento.”
“É demorado, mas a família segue agora com menos angústia. Conforme já era esperado, o réu vai ser submetido ao Tribunal do Júri porque é um crime doloso contra a vida”, disse a advogada Priscila Pamela Santos, que defende os interesses da família de Marina e do companheiro da vítima, Felipe Burato Romero.
Aos 59 anos, Claudia e o marido, o oceanógrafo Paulo, de 63 anos, decidiram tornar os desejos da filha seus sonhos também e criaram o projeto Pedale como Marina. O jornalista Felipe, de 41 anos, viúvo da ciclista, também participa do grupo. Os três deverão estar no plenário do júri acompanhando o julgamento.
Além de buscarem justiça e pedirem a condenação do atropelador que matou a ciclista, eles têm participado de atos, palestras e buscado conscientizar as pessoas da necessidade de educação e regras para a convivência pacífica entre bicicletas e veículos motorizados no trânsito.
De acordo com o Observatório da Impunidade no Trânsito (OIT), que surgiu do movimento Pedale como Marina, em 2020, 33 ciclistas morreram atropelados na capital paulista. Até agosto de 2023, já eram 21 mortes nas mesmas circunstâncias.
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