Trump planeja retaliação a países que têm impostos extras contra multinacionais

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Numa medida que pode afetar o Brasil, o presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou que autoridades elaborassem medidas retaliatórias contra países que aplicam impostos “extraterritoriais” sobre multinacionais dos EUA, em um movimento que ameaça desencadear uma batalha global sobre regimes fiscais.

O presidente Lula sancionou, em 30 de dezembro, lei que cria o chamado imposto mínimo global sobre multinacionais, estabelecendo uma tributação mínima efetiva de 15% sobre os lucros de empresas multinacionais.

Trump assinou ordem executiva na noite de segunda-feira (20) retirando o apoio dos EUA a um pacto fiscal global acordado na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que permite que outros países cobrem impostos adicionais sobre multinacionais. O Brasil faz parte do pacto.

São alcançadas empresas com faturamento global a partir de 750 milhões de euros, cerca de R$ 4,7 bilhões. No Brasil, a regra começou a valer em janeiro de 2025. Como a apuração é anual, o primeiro pagamento será feito em 2026.

O republicano acrescentou que a “lista de opções para medidas protetivas” deve ser elaborada “dentro de 60 dias”, alertando os signatários do pacto da OCDE -como a União Europeia, Reino Unido, Coreia do Sul, Japão e Canadá- de que os EUA pretendem desafiar as regras fiscais mundiais.

A maior parte das grandes economias mundiais já implementou ou está implementando a nova tributação desde 2024.

Trump entrou em conflito com líderes europeus durante seu primeiro mandato como presidente sobre propostas de impostos digitais que afetariam grandes grupos de tecnologia dos EUA, como a Alphabet, dona do Google, e a Apple, ameaçando a França com tarifas.

Sua ordem na segunda-feira inclui investigar “se algum país estrangeiro não está em conformidade com qualquer tratado fiscal com os EUA ou tem regras fiscais em vigor, ou é provável que coloque regras fiscais em vigor, que sejam extraterritoriais ou afetem desproporcionalmente empresas americanas”.

Allie Renison, ex-oficial do departamento de comércio do Reino Unido e atualmente na consultoria SEC Newgate, afirmou que a medida indica que Trump está ampliando a “guerra econômica” muito além das tarifas em resposta ao que os EUA veem como práticas discriminatórias de outros países.

“Ir atrás de seus regimes fiscais domésticos com base em compromissos globais até então mostra que Trump está sendo criativo em sua luta para colocar a ‘América em Primeiro Lugar'”, afirmou.

“A rede de guerra econômica está se ampliando cada vez mais além apenas das tarifas, e à medida que os governos começam a considerar sua resposta, as preocupações agora se voltarão para o que mais pode ser apanhado nas retaliações -e os custos inevitáveis que vêm com isso”, destacou Renison.

O acordo global acordado na OCDE, em 2021, tinha a previsão de aumentar a arrecadação de impostos das maiores multinacionais do mundo em até US$ 192 bilhões por ano.

Sob o “pilar dois” do acordo da OCDE, se os lucros corporativos fossem tributados abaixo de 15% no país onde a multinacional estava sediada, os signatários poderiam cobrar impostos adicionais.

Mas uma parte das medidas interligadas, conhecida como regra dos lucros subtributados (UTPR), há muito tempo atrai a ira dos republicanos, com o partido rotulando-a de “discriminatória”. A norma, ainda não aplicada no Brasil, consiste em tributar a matriz de uma multinacional, caso alguma subsidiária dela no exterior recolha menos que o piso estipulado no acordo, o que poderia ser visto como uma tributação “extraterritorial”.

Especialistas em direito tributário acreditam que o alvo de Trump não é preferencialmente o Brasil. O presidente americano estaria mirando a União Europeia, justamente pela briga em torno do UTPR.

“Trump quer ter o direito de não cobrar esse imposto e não ser punido. A União Europeia tem essa intenção e ele está dizendo: ‘Não faça isso'”, afirma Luis Eduardo Schoueri, professor titular de Direito Tributário da USP e sócio da Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados.

Eduardo Fleury, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito (Fundação Getúlio Vargas), diz que “não faz sentido o Trump retaliar porque os EUA têm um imposto para combater a mesma coisa”.

“A OCDE vinha tentando fazer essa cobrança mínima porque as empresas usavam paraísos fiscais para reduzir o que pagavam de impostos. Isso diminuiu muito por força da própria legislação que o Trump alterou em 2017”, completa, citando o primeiro mandato do de novo presidente americano.

Um alto funcionário da UE disse que os empreendedores bilionários de tecnologia de Trump estavam pressionando-o a agir sobre impostos em vez de comércio, afirmando que as big techs têm grande interesse neste movimento.

A OCDE disse que foi procurada por representantes dos EUA. “Houve preocupações levantadas conosco por representantes dos EUA sobre vários aspectos do nosso acordo fiscal internacional”, afirmou Mathias Cormann, secretário-geral da organização.

Ele acrescentou que a entidade continuaria “trabalhando com os EUA e todos os países na mesa para apoiar a cooperação internacional que promove a certeza, evita a dupla tributação e protege as bases fiscais”.

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, disse que estar ciente das intenções de Trump.

“Nós, de nossa parte, permanecemos comprometidos com nossas obrigações internacionais… e estamos abertos a um diálogo significativo com nossos parceiros internacionais”, disse um porta-voz.

No Brasil, técnicos do governo acompanham as primeiras decisões e movimentações de Trump, mas a ordem é aguardar com cautela para ver se haverá, de fato, impactos para o país, ao mesmo tempo em que o Executivo deve estar preparado para lidar com tais efeitos, caso eles ocorram.

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