Delegada da Mulher rebate perito que divulgou vídeo contestando denúncias de violência doméstica: ‘Mostra a visão machista da sociedade’


Médico Legista Alcimar José Vidolin atua como perito oficial no Paraná e em Santa Catarina Curitiba, com remuneração bruta mensal de quase R$ 41 mil. Corregedoria apura a conduta do servidor. g1 tentou contato com o perito, mas não teve resposta. Entidades repudiam vídeo de perito sobre violência doméstica
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A delegada titular da Delegacia da Mulher em Curitiba, Emanuele Siqueira, rebateu nesta terça-feira (22) declarações do perito Alcimar José Vidolin, que divulgou vídeo dizendo que maioria das denúncias de violência doméstica é falsa.
“Eu acredito que mostra a visão machista da sociedade, que é o que a gente combate constantemente quando se fala em violência doméstica”, disse a delegada.
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Um perito é quem faz um laudo, confirmando se uma pessoa sofreu violência, física ou sexual. O documento serve como prova em processos judiciais.
Servidor público da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Paraná (Sesp-PR) e da Polícia Científica de Santa Catarina, Vidolin recebe por mês salário bruto de qu R$ 40,7 mil, conforme consulta aos portais da Transparência das duas instituições nesta terça-feira (22).
A conduta do perito é alvo de apuração ético-disciplinar aberta pela Corregedoria da Polícia Científica do Paraná após o caso vir à tona. O g1 tentou contato com o servidor, mas não obteve resposta.
No vídeo publicado por Vidolin nas próprias redes sociais, ele diz que a mulher pode destruir a vida do marido, pois “não precisa de provas e testemunhas”, segundo ele. Além disso, o perito comenta que homens têm sido “humilhados” e que órgãos policiais estão de “saco cheio”. Veja o vídeo abaixo.
Perito do PR é investigado após dizer que mulheres fazem falsas denúncias de violência
Na avaliação da delegada da Mulher, declarações como a do perito dificultam ainda mais a confiança das vítimas de violência doméstica na polícia e na Justiça.
“Choca ne? Quando ela [a vítima] vê isso ela fala assim: ‘Como eu vou procurar uma pessoa que já tem esse entendimenor pré-formado? […] Uma foma de desmontar um trabalho que há anos está sendo feito por diversos órgãos de conscientizar as mulheres da necessidade de procurar ajuda em relação à violênci doméstica.”
DENUNCIE: saiba como identificar o ciclo da violência, onde e como buscar ajuda
A delegada esclarece também que denúncia só pode ser considerada falsa quando a mulher tem consciência de que não houve crime e, ainda assim, denuncia.
“Quando se fala em denunciação caluniosa, a gente tem que ter em mente que é quando a mulher sabe que o crime não aconteceu. Mas se a mulher, na cabeça dela, acredita piamente que aquilo aconteceu, ela tá ciente que aconteceu? Pode ser que não enquadre corretamente naquele tipo penal, mas ela se sentiu violentada. Então, ela não estaria praticando uma denúncia falsa. Ela estaria relatando o fato que acredita que foi submetida”, explica.
Quando não há conhecimento sobre os atos que configuram violência de gênero contra a mulher, a delegada reforça que as vítimas devem encontrar na delegacia o respaldo jurídico e a orientação necessária.
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Médico legista Alcimar José Vidolin
Reprodução/RPC
Pré-julgamento pode comprometer laudo
A vice-presidente do Sindicato dos Peritos Oficiais e Técnicos de Perícia do Paraná (SINPOAPAR), Carolina Dias, afirma que o pré-julgamento traz um viés psicológico para a avaliação e pode comprometer o resultado da perícia.
“Se a pessoa já vai trabalhar com esse pensamento tendencioso, isso pode inclusive afetar a forma como ela vai entender aquelas provas que ela tá buscando. Se eu já chega no exame de lesão corporal pensando ‘ah, com certeza não é’, qual é a qualidade do trabalho que está sendo realizado?”, questiona.
A perita destaca que o sindicato e o grupo Perícia Mulheres já buscaram a Corregedoria da Polícia Científica para verificar a conduta do servidor.
Indignação do sindicato
Em nota, a Polícia Científica do Paraná disse que mantém contato com a Polícia Científica de Santa Catarina para compartilhar informações e fazer a apuração ético-disciplinar do servidor.
Também em nota, a Polícia Científica de Santa Catarina disse que as medidas cabíveis estão sendo adotadas para apurar o ocorrido.
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR) também se manifestou e disse, em nota, que o conteúdo da mensagem do servidor é desconectado da realidade, contrário aos esforços do estado e ao interesse público no enfrentamento de um problema real, grave e urgente, que é a violência de gênero.
A organização disse ainda que o vídeo revela potencial incitação intencional do servidor à violência e à discriminação contra todas as mulheres, em especial às vítimas de crimes no exercício legítimo do direito de se defender e buscar a proteção do estado.
Íntegra: veja o que cada organização disse sobre o caso
Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR)
“O CRM-PR informa que tomou conhecimento do vídeo e irá instaurar sindicância para avaliação do caso.”
Polícia Científica do Paraná
“A Polícia Científica do Paraná – PCP informa que, diante da circulação de um vídeo nas redes sociais contendo a opinião pessoal de um servidor, a Corregedoria do órgão foi imediatamente acionada assim que tomou conhecimento do fato.
A Corregedora da Polícia Científica do Paraná já está adotando as medidas cabíveis para apurar a conduta e mantém contato com a Corregedoria da Polícia Científica de Santa Catarina a fim de compartilhar informações e assegurar a celeridade da apuração ético-disciplinar.
Ressaltamos que a PCP atua de maneira imparcial e equidistante, reafirmando nosso compromisso com a ciência, verdade e justiça.”
Polícia Científica de Santa Catarina
“A Polícia Científica de Santa Catarina informa que, diante da circulação de um vídeo nas redes sociais contendo a opinião pessoal de um servidor, a Corregedoria do órgão foi imediatamente acionada assim que tomou conhecimento do fato. As medidas cabíveis já estão sendo adotadas para apurar o ocorrido.
Reforçamos que a Polícia Científica atua de forma isenta, guiada pela imparcialidade e responsabilidade na execução de suas funções, e reafirmamos nosso compromisso com a verdade, a justiça e a cidadania.”
Nota conjunta do grupo Perícia Mulheres e Sinpoapar
“O Grupo Perícia Mulheres, composto por servidoras públicas da Polícia Científica do Paraná e o Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares da Polícia Científica do Paraná (SINPOAPAR) expressam sua profunda indignação e repúdio em relação ao vídeo recentemente veiculado nas redes sociais por um servidor do quadro de Peritos Oficiais.
É inaceitável que um Perito Oficial Criminal, pertencente ao quadro de Servidores Públicos, ao utilizar suas prerrogativas funcionais, propague conteúdo que desrespeita os fundamentos da Justiça e os direitos humanos. Essa conduta representa uma grave afronta a todas as mulheres, cujos direitos devem ser garantidos e protegidos de forma incondicional pelo Estado.
Nós, do Grupo Perícia Mulheres e do SINPOAPAR, repudiamos veementemente as declarações feitas pelo servidor em questão e reafirmamos nosso compromisso em ser guardiões dos direitos das mulheres dentro de nossa instituição. Reiteramos a importância de um ambiente que promova o respeito e a dignidade, assegurando que todas as servidoras se sintam valorizadas e protegidas.
Juntos, continuaremos a lutar pela igualdade, pela justiça e pela proteção dos direitos de todas as mulheres, consolidando um espaço de respeito e dignidade em nossa atuação.”
Associação Brasileira de Criminalística (ABC)
“A Associação Brasileira de Criminalística (ABC) apoia a nota conjunta de repúdio do Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares da Polícia Científica do Paraná (SINPOAPAR) e do Grupo Perícia Mulheres, composto por servidoras públicas da Polícia Científica do Paraná. Destacamos ainda que o exame pericial nos casos de violência contra as mulheres fornece provas técnicas essenciais para a investigação e o julgamento dos agressores.
Por meio de exames clínicos, laudos técnicos e análise de vestígios os peritos criminais conseguem identificar lesões físicas e outros indícios que comprovam a violência. Em muitos casos, o exame pericial é a principal evidência que fortalece a denúncia.”
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