Guerra de Israel muda o balanço militar do Oriente Médio

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O cessar-fogo que pode permitir o fim da sangrenta guerra na Faixa de Gaza consolida a mudança no balanço militar do Oriente Médio propalado por Binyamin Netanyahu, com o Irã em retirada estratégica e os Estados Unidos voltando a dar as cartas na região.

Pois a vitória maiúscula do Estado judeu até aqui, por frágil que seja dado o volátil contexto regional e pelo vexame ora ofuscado do 7 de Outubro, é acima de tudo um triunfo da insistência americana em apoiar Israel apesar de seu no mínimo questionável primeiro-ministro.

Para a teocracia iraniana, vivendo seu pior momento político desde a fundação da república dos aiatolás em 1979, o cessar-fogo explicita um desastre geopolítico. Isso para não falar na causa palestina, ora submissa aos desígnios nada simpáticos de Donald Trump e Netanyahu, ainda que a relação entre os antigos aliados pareça estremecida.

Antes do 7 de Outubro, Teerã comandava o que enchia a boca para chamar de Eixo da Resistência. Contava com os bem treinados terroristas do Hamas e de outros grupos palestinos de franja, como a Jihad Islâmica.

O erro de Netanyahu de dar corda ao Hamas permitiu aos palestinos se armarem com apoio do Irã e dinheiro do mesmo Qatar que agora serve de mediador. A teoria do premiê era a de dividir para conquistar -no caso, a Cisjordânia que deseja ver como um paraíso de colonos judeus.

Deu no que deu. Enquanto isso, a trégua precária de 2006 manteve o Hezbollah libanês na linha de frente, organizando o mais temido arsenal de mísseis e drones de um grupo não estatal da história.

No centro logístico de tudo isso, a ditadura de Bashar al-Assad na Síria, que pediu ajuda à Rússia de Vladimir Putin e ao Irã para se manter em pé na guerra civil, o que de fato ocorreu a partir de 2015.

Damasco até tentou sair da órbita mais próxima de Teerã, reaproximando-se do mundo árabe e da Turquia, mas não houve tempo.

Até atores laterais, como os houthis pró-Irã do Iêmen, estavam no jogo, estocando armas e se preparando para o acerto de contas com Israel. Maior potência militar regional, dono de forças sofisticadas e ao menos 90 ogivas nucelares, o Estado judeu temia ter de enfrentar todos ao mesmo tempo.

O ataque do Hamas precipitou o processo. Todos os seus aliados agiram no conflito, mas de forma relativamente comedida, dado o apoio militar decisivo na hora H pelos americanos, que enviaram dois grupos de porta-aviões para o Oriente Médio e fizeram outras demonstrações ao longo da guerra.

Flexionando sua musculatura militar de longa distância e equilibrando as críticas pelo apoio ao que a esquerda chama de genocídio em Gaza com o contínuo fornecimento de armas a Tel Aviv, Joe Biden perdeu popularidade em seu eleitorado, mas garantiu a sobrevida política de Netanyahu.

Hoje, 466 dias depois do início do caos, tudo mudou. O Hamas passou de respeitado governante a força de guerrilha, certamente com capacidades letais no campo do terror, mas não muito mais que isso agora.

Como os EUA alertaram, contudo, está em fase de reconstrução e nada garante que Tel Aviv não voltará à carga mais à frente.

A debacle de Israel no 7 de Outubro ainda precisa de revisão, mas o rival foi enfrentado de forma dura, assim como o Hezbollah foi confrontado com uma campanha brutal que começou com pagers explodindo no bolso de seus líderes e acabou com a sua cúpula dizimada e o papel político no Líbano, questionado.

Efeito colateral não desprezível, ao contrário, foi a derrocada de Assad em meros 12 dias de assalto de militantes islâmicos bancados pela Turquia, que quer seu quinhão neste novo Oriente Médio.

Netanyahu aproveitou a deixa e destruiu o que restou das forças militares sírias, abocanhando mais um pedaço do vizinho sem luta. O risco óbvio é o fomento de terror jihadistas perto de suas fronteiras, mas a situação é tão incerta que por ora Israel parece confortável.

Sobrou a Teerã, que demonstrou habilidade militar para atacar bases israelenses duas vezes mas recuou de um conflito aberto, a balbúrdia dos drones e mísseis dos houthis. E um acordo estratégico a ser assinado com a Rússia na sexta (17) que merece atenção pelo que não for divulgada.

Com sua linha de dissuasão abalada, mas com as capacidades próprias largamente preservadas, o Irã em retirada é a bola da vez. Em seu primeiro mandato, Trump flertou com a guerra contra a teocracia. Restará saber se irá querer terminar o serviço agora.

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