Talento e percurso de artesãos iluminam a história da Feira da Torre

torre de tv feira

Por Manuela Mendonça e Sophia Santos
Agência de Notícias Ceub

Mais do que um ponto comercial, a Feira da Torre é um lugar que reúne histórias de artesãos que desejam viver da própria criação em Brasília (DF). Com essa arte passada de geração em geração, eles formam sua fonte de renda. Porém os comerciantes questionam a falta de público, principalmente após o período da pandemia da Covid.

Hebert Amorim, 51 anos, atua na feira há 30 anos junto com sua mãe, dona Cleusa Machado, desde que as lojas se instalavam na parte de cima da Torre de TV. Com cortinas, almofadas, redes e mantas, o empreendedor classifica sua fabricação como decoração de interiores e conforto: “Nossa função enquanto artesão é solucionar problemas do dia a dia com um pouco mais de glamour. Colocando um ‘frufruzinho’ ali, deixando mais bonito”.

Segundo dados disponibilizados pelo Sicab (Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro), atualizados em 2022, o artesanato é responsável por 3% do PIB (Produto Interno Bruto) e movimenta cerca de R$ 100 bilhões ao ano, além de possuir produção relevante em territórios indígenas e quilombolas. E, ainda sim, há um sentimento de desvalorização por parte desses artistas.

“Eu falo que vivo do meu artesanato. É preconceito falar que o artesão é, mais ou menos, como se fosse aquela senhorinha que faz um crochê vendo televisão, só para passar o tempo. Mas não é isso, é uma profissão”, afirma Hebert. Legalmente, a profissão foi regulamentada em 2015, após a sanção da Lei 13.180.

Jailton do Matos, 61 anos, é um exemplo dos vários indígenas que aproveitam para vender sua arte nesse comércio. Apesar do artesão ser do povo Fulni- ô, originário de Pernambuco (PE), é possível encontrar em seu box peças das mais diversas etnias espalhadas pelo Brasil, como Mato Grosso, Amazonas, Tocantins, Pará e Maranhão. “Eu produzo cocar, cachimbo, instrumentos. Mas tem as artes dos outros aqui, não tem nem como eu fazer tudo isso. É de vários parentes”, informa.

O artesão participa da Feira da Torre, na região central de Brasília, desde 1985 e conta que, para administrar seu negócio, recebe ajuda da sua esposa e filhas que também possuem uma locação na feira, porém como lojas diferentes. Jailton explica que a feira é referência nacional dos povos indígenas e não pensa em empreender em outro lugar até o resto de sua vida.

Jailon em sua loja. – Foto: Manuela Mendonça

Natural de Santo Amaro, Bahia, o artesão Motha Eustáquio, 74, vende hoje, junto com sua mulher, Thelma Regina Campos, 51, seus próprios materiais como pochetes, bolsas, chapéus e acessórios, todos inspirados no trabalho afro brasileiro. “Eu já tive em Kingston, na capital da Jamaica e vi vários trabalhos lá. Aí, por isso que eu puxo essa criatividade até hoje, para fazer esse trabalho voltado pela questão racial do negro, da negra”, aponta.

“A gente dentro da arte vai sempre recriando, né? A gente tem que ter um poder de criação dentro da mente. Então, são trabalhos que você não vê na televisão, não vê em outro canto, só vai encontrar aqui”, explica o comerciante.

Ele movimenta sua arte na Feira da Torre há 50 anos e recebe auxílio de suas filhas na fabricação. O baiano também cita a desvalorização e preconceito contra profissão: “Por exemplo, no banco, se você falar que você é artesão, eles não te dão credibilidade para abrir uma conta bancária. Você tem que falar que é um fabricante e, aí eles veem você com mais bons olhos. Se você falar que você é artesão, eles assimilam como um trabalhador sem grande poder financeiro”. Motha ainda conta que, certa vez, em uma de suas idas ao banco, foi questionado por uma das atendentes com curiosidade sobre seu trabalho, em razão de suas vestimentas. “Ó você tá vendo eu aqui assim, é porque eu sou livre, eu sou artesão”, respondeu.

Motha e sua esposa, Thelma, em frente de sua loja. – Foto: Manuela Mendonça

Agora, para retratar a natureza e arquitetura típica do Brasil, a artista Adriana Angelo, 58, trabalha há 35 anos com artes plásticas e pintura óleo sobre tela em conjunto com seu marido, Wilton de Oliveira, 60. Ela menciona que seu esposo começou com esse tipo de trabalho desde criança, auxiliando o pai que já comercializava quadros no shopping Conjunto Nacional, na época em que o chão do estacionamento ainda era de terra. Mais tarde, nos anos 70, foram para a feira quando era na entrada da Torre de TV.

Os pintores recebem ajuda das próprias filhas, que também pintam, no expediente quando tem tempo, porém a empreendedora esclarece que o foco delas está na faculdade.

O casal, inclusive, possui quadros premiados e vendidos na galeria de arte de Formosa, no estado de Goiás. Esse ano, com a obra “Catedral de Formosa”, Oliveira ganhou o primeiro lugar do prêmio e sua esposa em segundo, com sua pintura “Cachoeira do Itiquira”. A ideia do prêmio era que os participantes retratassem algo antigo ou atual do município, a 80 km de Brasília.

Tradição familiar

“O início do aprendizado foi com a minha mãe. Ela é artesã desde criança, que também aprendeu com a sua mãe. É uma coisa ancestral, passado de pai para filho, avô e continua. A partir disso, pelo gostar do fazer, acabou virando nossa profissão. Então somos artesãos, uma família de artesãos”, relata Hebert.

Ele já é a terceira geração de artesãos em sua família e conta que antes, por conta da avó, o artesanato era considerado uma questão mais doméstica. Ele justifica que, como moravam em uma fazenda e distantes da cidade, tinham que fazer roupa, colcha, tecer o tecido, plantar algodão, fazer o fio mais por necessidade. Só a partir de sua mãe que virou uma forma de comercialização.

O comerciante esclarece que, para o artesão produzir o seu artesanato, ele precisa de uma rede de apoio. Por isso, pode acabar envolvendo a família, como o filho, o marido, um primo e isso se propaga. Ele ainda completa que, além dessa profissão, ensinar a técnica do artesanato gera ocupação e renda para as pessoas e para toda sua comunidade. 

Conforme o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB), em 2022, a atividade gerou emprego e faturamento para cerca de 8,5 milhões de pessoas. 

Hebert e a mãe, Cleusa, são vizinhos no comércio de redes. Foto: Manuela Mendonça

O vendedor Jailton relata que produz artesanato desde que se entende por gente. Ele menciona que o indígena, desde de pequeno, já é influenciado e aprende com a família: “Nossos pais vão ensinando, não faz o curso não. Não é a teoria, é prática na vida, no dia a dia que aprende a fazer as artes”.

De acordo com a carta da Confederação Brasileira dos Artesãos (CONART-Brasil), esse trabalho tem adquirido uma crescente relevância na recuperação e preservação da cultura popular. Além disso, desempenha um papel fundamental no estímulo ao desenvolvimento econômico e também pode se configurar como uma alternativa de saída para a pobreza em qualquer região do país.

No tempo que morava com seu avô, havia necessidade de ajudá-lo em seus trabalhos, então, gibão, cinto, arreio e sapatos, eram apenas algumas das coisas que Motha aprendeu a produzir. “Fui pegando gosto aquilo que ele fazia e to até hoje nessa onda aí, de artesanato”, revela.

“Então, esse lance de criatividade eu aprendi com ele que aí hoje eu já faço esses trabalhos totalmente diferente daqueles anos atrás”, cita.

Eustáquio conta que, quando saiu da casa do seu avô e voltou para casa,  seu pai questionou sua fonte de renda, dizendo que não era adepto a esse trabalho de ser “hippie”, e gostaria que o filho tivesse uma profissão, ou servidor público ou militar. 

O artesão explica que, naquele tempo, não podia questionar o pai sobre a carreira que iria seguir. Motha afirma ter trabalho no MEC (Ministério da Educação e Cultura) durante quatro anos na pasta do INL (Instituto Nacional do Livro): “Mas eu não gostava, cara, não gostava daquele trabalho que eu fazia lá. Não era isso que eu queria”.

Apesar da persistência na sua escolha profissional, o comerciante alega que não gostaria que suas filhas não seguissem esse caminho, por achar que é um emprego muito sofrido. “A gente pensa que é legal, mas a gente tem que ter muita dedicação nesse trabalho. Digamos, se você tá com algum problema que tá te perturbando, eu não gosto nem de produzir não. Porque, realmente, aquela energia parece que transfere para a peça”, declara.

A artista Adriana Angelo conta que ela e seu marido também estão na terceira geração de pintores da família. Angelo aprendeu com seu marido, que, por sua vez, aprendeu com seu pai e, hoje, o casal ensina suas duas filhas que já ajudam financeiramente. “O pai dele desenha desde os 16 anos de idade e ensinou para os filhos, então todos os filhos trabalham com isso”, explica.

Além de hoje ser a fonte de renda de sua família, Adriana se entusiasma contando que o artesanato foi também o motivo do seu envolvimento com seu marido. “Primeiro a gente se apaixona pela pintura e depois a gente se apaixona pelo pintor”, sorri.

Supervisão de Vivaldo de Sousa

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