Relator de PEC afrouxa comando para limitar supersalários na administração pública

Minervino Júnior/CB/D.A.Press

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofreu um revés na tentativa de impor um comando mais forte para extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública. A medida havia sido incluída no pacote de contenção de gastos apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A PEC (proposta de emenda à Constituição) enviada pelo governo previa que uma lei complementar tratasse das verbas que podem ficar fora do teto remuneratório, hoje em R$ 44 mil mensais na esfera federal. O relator do texto na Câmara, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), enfraqueceu o dispositivo e manteve brechas para turbinar as remunerações.

No fim da noite desta quarta-feira (18), o governo também amargou o adiamento da votação da PEC. Um requerimento prévio à apreciação do mérito da proposta teve apoio de apenas 294 deputados no plenário, o suficiente para aprová-lo, mas um número abaixo dos 308 requeridos para uma mudança constitucional. Diante do termômetro desfavorável ao governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encerrou os trabalhos e convocou nova sessão para esta quinta-feira (19).

O relatório de Rodrigues prevê a regulamentação do teto remuneratório do funcionalismo por meio de lei ordinária de caráter nacional, aprovada pelo Congresso Nacional. Esse tipo de norma requer um quórum menor para ser aprovada —o que facilita flexibilizações.

Além disso, resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) têm status de lei ordinária. O uso de instrumento semelhante para regulamentar o teto do funcionalismo poderia tornar a norma contornável.

Técnicos do governo ainda avaliam os efeitos práticos do texto divulgado, mas o diagnóstico preliminar é que ele mantém aberta a brecha para que outras verbas indenizatórias sejam consideradas fora do teto. Além da mudança no instrumento legal, o texto suprimiu o trecho que citava que “somente” as parcelas previstas em lei poderiam ser excetuadas dos limites remuneratórios.

Há ainda um artigo, para criar uma disposição transitória, que diz que, enquanto a lei ordinária não for editada, as “parcelas de caráter indenizatório previstas na legislação” não serão computadas no teto remuneratório.

Na avaliação de um integrante do governo, isso significa que, até a aprovação da lei, “fica tudo como está”.

“A proposta abre brechas para que Judiciário e Ministério Público continuem driblando o teto constitucional. É necessário coibir efetivamente essa prática. Além disso, é necessário que seja estipulado um prazo para a aprovação da legislação que identificará as parcelas extrateto, sob risco de permanecermos no mesmo estado atual por anos a fio”, afirma Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil.

Desde o envio da PEC, integrantes do Judiciário deflagraram uma ofensiva no Congresso para enfraquecer as medidas. Eles pressionavam justamente por uma regra transitória e pelo afrouxamento do texto para lei ordinária, justamente as mudanças feitas ao texto em sua nova versão.

O relator também reduziu o percentual da complementação da União ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica) que poderá ser usado em ações para criar e manter matrículas em tempo integral na educação básica. O governo propôs uma fatia de 20%, o que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026, e de R$ 42,3 bilhões até 2030. O parecer reduz para 10% e cita apenas o ano de 2025.

A partir de 2026, pelo menos 4% de todo o Fundeb seriam destinados por estados e municípios à criação de matrículas em tempo integral na educação básica. Antes da divulgação do texto, o relator disse nesta quarta-feira (18) que a mudança preservaria a expectativa de poupar R$ 10 bilhões entre 2025 e 2026, mas não esclareceu como isso se daria.

“Vai ser mantida a expectativa do que foi mandado no projeto, ou seja, nos dois anos vai ser garantido no mínimo a economia de R$ 10 bilhões”, afirmou.

O relator manteve a mudança no critério de concessão do abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada). O texto prevê que, para os trabalhadores que receberão o benefício em 2025, será elegível quem recebia o equivalente a dois salários mínimos do ano-base (neste caso, 2023). O valor equivalente seria o de R$ 2.640.

A partir de 2026, esse valor será corrigido pela inflação, até travar em patamar equivalente a 1,5 salário mínimo. A expectativa do governo é que isso ocorra após uma transição de dez anos. O governo projeta uma economia tímida no ano que vem, de apenas R$ 0,1 bilhão, mas o impacto acumulado até 2030 chegaria a R$ 18,1 bilhões.

Rodrigues também manteve no texto o dispositivo que autoriza descontar da renda familiar considerada no critério de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) apenas as parcelas expressamente previstas em lei. O abatimento, na prática, facilita a concessão do benefício.

O diagnóstico do governo é que há hoje uma enxurrada de decisões judiciais permitindo descontar da renda familiar valores gastos com medicamentos, cuidadores, transporte e alimentação especial, de maneira não uniforme. O comando constitucional para que uma lei discipline o tema é considerado essencial para ajudar a conter a escalada das despesas com esse benefício nos últimos anos.

O relator ainda acatou a prorrogação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), mecanismo que flexibiliza o uso de receitas que originalmente são carimbadas para determinada finalidade. O instrumento permite ao Executivo usar livremente até 30% das receitas vinculadas, mas sua vigência acabaria no final deste ano. O texto prorroga sua vigência até o fim de 2032.

Por outro lado, Rodrigues excluiu do texto o trecho da PEC que revogava a obrigação do governo em executar os programas previstos no Orçamento. Na prática, essa medida daria poder à equipe econômica para fazer contingenciamentos preventivos para cumprir o centro da meta fiscal, em caso de suspeita ainda não concretizada de frustração na arrecadação.

Antes de começar a discussão da PEC, parlamentares da oposição tentaram obstruir a votação com questões de ordem sobre a validade do trâmite mais rápido adotado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A proposta do governo não seguiu o rito tradicional, que inclui passagem pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), e seguiu direto para o plenário graças à estratégia de apensar o texto a outra PEC de 2007 já em tramitação.

A questões de ordem eram uma tentativa da oposição de evitar que o avanço da matéria, mas foram rejeitadas por Lira, que pediu um “mínimo de seriedade” do parlamentares diante do cenário econômico do país.

“Estamos tratando de um momento sério do Brasil, dólar disparado, essas questões todas”, afirmou. Nesta quarta, o dólar fechou a sessão cotado a R$ 6,267, novo recorde nominal para a moeda norte-americana. A disparada de 2,81% ocorreu em meio à tramitação do pacote fiscal no Congresso Nacional e à decisão de política monetária do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos).

Folha de São Paulo

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