Salas especiais estimulam desenvolvimento de alunos com altas habilidades no DF

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Reconhecimento e pertencimento são as principais sensações descritas pelos alunos de altas habilidades que frequentam a Sala de Recursos de Artes Visuais Ângela Virgolim, na Escola Classe (EC) 113 Norte e voltada para estudantes da rede pública e privada. Na unidade, cujo foco são as artes plásticas, os alunos têm acesso a materiais artísticos e podem soltar a criatividade no contraturno, conseguindo estímulos para o enriquecimento intelectual e humano.

Para quem não é familiar ao termo, o aluno de altas habilidades – ou com superdotação – é aquele que apresenta um potencial elevado em uma ou mais áreas da capacidade humana – intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Esses estudantes apresentam particularidades em relação ao ritmo e complexidade, sendo muito comum a aprendizagem rápida e sem necessidade de repetição.

À frente da sala de recursos de artes visuais da EC 113 Norte, o professor Samuel de Oliveira José afirma que a palavra “superdotado” ainda pode gerar discriminações relacionadas aos alunos de altas habilidades. “Eu chamo de talentoso”, aponta. “E ninguém é talentoso em todas as áreas, muitas vezes pode ser bom em uma área e não em outra. Tenho alunos que se desenvolveram na área de matemática, outros em línguas e outros em artes”.

Pertencimento

O professor Samuel de Oliveira José estimula que os alunos exponham seus trabalhos: “Se você escreveu um livro e não publicou, você não escreveu nada – você pensou, e está dentro do seu pensamento. Então expor, para o aluno, é muito gratificante”

Samuel afirma que muitas vezes o aluno vai estudar desenho, mas ao olhar uma escultura, pintura ou maquete, quer fazer outro trabalho. E assim é encaminhado, com o incentivo do uso da reciclagem nos projetos. “Muitas vezes identifico um material que casa com o que o aluno está trabalhando e trago para a sala, é um trabalho bem pessoal”, detalha. O professor frisa que os alunos gostam do espaço, e muitos o frequentam até depois da faculdade, levando os trabalhos para o local – o que serve de estímulo para os recém chegados. “Eles vêm porque querem, e têm aquela sensação de pertencimento quando se encontram com o grupo”, diz.

O professor ressalta, ainda, que a importância do trabalho executado na sala reside na oferta de mais visibilidade: “Quem faz uma pintura e não a expõe, só fez para si. Para a comunidade, ele não fez. Se você escreveu um livro e não publicou, você não escreveu nada – você pensou, e está dentro do seu pensamento. Então expor, para o aluno, é muito gratificante”.

Como funciona

518

Número de salas para altas habilidades disponíveis entre as regionais de ensino do DF

O acesso à sala de recursos ocorre quando o professor percebe o talento do aluno que pode ser da área de humanas ou da de exatas, e o direciona por meio de uma ficha de encaminhamento que segue para a regional de ensino. Após avaliação do portfólio, o jovem fica de observação por um período de quatro a 16 semanas. Ao ser notado como potencial para seguir na sala de recursos, ele é encaminhado para a equipe de altas habilidades, onde uma psicóloga faz a triagem e acompanhamento prévio para que a matrícula seja efetivada.

A sala de recursos da 113 Norte está em funcionamento desde 2005 e uma reforma foi realizada em 2023, com recursos de R$ 50 mil originários de emenda parlamentar do deputado distrital João Cardoso. Mais de mil alunos já passaram pelo espaço, que atualmente conta com seis turmas de oito alunos, totalizando 48 jovens. De acordo com a Secretaria de Educação (SEEDF), o DF conta com 518 salas para altas habilidades distribuídas entre as 14 regionais de ensino.

Educação personalizada

A subsecretária de Educação Inclusiva e Integral, Vera Lúcia de Barros, lembra que a sala de recursos é fundamental para que os alunos possam ter uma educação de qualidade, personalizada e inclusiva. Ela afirma também que a sala funciona como uma estratégia pedagógica para suprir as necessidades individuais desses estudantes, proporcionando apoio especializado e um ambiente adaptado às suas necessidades. 

“Eu vejo um grande tesouro nessa sala. Ela consegue ligar todas as disciplinas, desde matemática até sustentabilidade, que é o que a gente vê nas obras e projetos das crianças”

Fernanda Neves de Oliveira, diretora da EC 113 Norte

“A Secretaria de Educação tem priorizado convocar psicólogos para que o fluxo do atendimento aconteça, pois na equipe é indispensável a presença do psicólogo”, ressalta Vera Lúcia. “Além disso, estamos desenvolvendo cursos de formação, encontros pedagógicos e compra de materiais para aprimorar as aulas.”

A diretora da EC 113 Norte, Fernanda Neves de Oliveira, avalia que o caráter interdisciplinar que a sala de recursos oferece é importante para o desenvolvimento humano: “Eu vejo um grande tesouro nessa sala. Ela consegue ligar todas as disciplinas, desde matemática até sustentabilidade, que é o que a gente vê nas obras e projetos das crianças”.

Encontro e amadurecimento

Malu Wanderley Rodrigues, aluna da EC 113 Norte, diz ter se encontrado ao passar a frequentar a sala de recursos: “Eu comecei a me sentir mais relaxada”

“Você tem que ter delicadeza para manusear o pincel, assim como você precisa ter delicadeza em fazer uma cirurgia; a arte ajuda muito”

Malu Wanderley Rodrigues, estudante

Para muitos alunos, a sala de recursos da EC 113 Norte foi um encontro. É o caso da estudante Malu Wanderley Rodrigues, 9. Tendo como estilo favorito de desenho o mangá, Malu descreve o efeito do lugar onde mais gosta de estar durante as atividades da semana: “Eu comecei a me sentir mais relaxada”. A pequena conta que pretende ser médica cirurgiã no futuro, e explica que as habilidades em desenho podem ajudar. “Você tem que ter delicadeza para manusear o pincel, assim como você precisa ter delicadeza em fazer uma cirurgia; a arte ajuda muito”.

Para a mãe dela, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Kaline Amaral Wanderley, 40, a sala de recursos representa um avanço. Malu, relata, tinha dificuldade de socialização e de comunicação, o que foi transformado pelo desenho, que ajudou a criança a colocar um pouco dos sentimentos para fora. “Com o Samuel, ela começou a tentar buscar um pouco da essência dela, porque você vai se descobrindo nos desenhos”, conta. “Ali ela foi descobrindo qual era o estilo dela, além de encontrar pessoas que também fazem o que ela faz. Antes ela se sentia um pouco diferente, depois conseguiu socializar com eles”.

Kaline Wanderley, mãe de Malu, acompanha com entusiasmo o progresso da menina na escola: “Eu até fiquei com medo da aceleração por achar que ela era muito jovem, mas fluiu, e hoje ela tem vários amigos e consegue se relacionar. O ponto-chave desse processo foi a sala – sem ela, a gente não conseguiria esse processo”

Malu também foi adiantada do terceiro para o quinto ano, um processo de aceleração recomendado pela equipe pedagógica ao perceber que ela se adaptaria melhor em uma série mais avançada. “A gente viu que ela estava sendo puxada para baixo na sala dela, e hoje ela está totalmente adaptada, trouxe um amadurecimento”, observa o professor Samuel.

A mãe da estudante reforça a decisão acertada: “Eu até fiquei com medo da aceleração por achar que ela era muito jovem, mas fluiu, e hoje ela tem vários amigos e consegue se relacionar. O ponto-chave desse processo foi a sala – sem ela, a gente não conseguiria esse processo. A Malu vivia infeliz porque não conseguia se encontrar com as crianças da turma. Hoje ela foi, inclusive, aprovada no Colégio Militar, e isso tudo trouxe concentração e autoconfiança para ela”.

Da sala para o mundo

O espaço já teve alunos que se destacam profissionalmente ao redor do mundo, desde empresas de publicidade a apresentação de exposições nos Estados Unidos. Breno Machado, 35, estudou por sete anos na sala de recursos da escola e atualmente é o diretor-executivo da Mandrill, uma produtora de animação e vídeo do Brasil sete vezes premiada na Europa.

“A sala de altas habilidades faz parte do progresso da educação e lida com o ser humano de forma mais individual, então ter esse espaço nos defende demais, é algo muito valioso e relevante para a construção de uma pessoa. Atribuo muito quem sou hoje a essa sala”

Breno Machado, diretor-executivo de produtora de animação

Apaixonado pelo storytelling desde sempre, ele afirma que a sala teve grande participação em sua formação na área visual e na observação de onde existe arte para alavancar como gestor. Ele diz também que aprende a ter tato para construir processos organizados em grandes empresas.

“Ali aprendi a reconhecer o valor das artes e que cada pessoa carrega um talento muito grande”, aponta. “Eu achava que era só uma pessoa interessada, e aprendi muito sobre autoconhecimento. A sala de altas habilidades faz parte do progresso da educação e lida com o ser humano de forma mais individual, então ter esse espaço nos defende demais, é algo muito valioso e relevante para a construção de uma pessoa. Atribuo muito quem sou hoje a essa sala”.

Base forte

As gêmeas Luiza Helena de Araújo Caetano e Laura Helena de Araújo Caetano, 24, passaram pela sala de altas habilidades dos 6 aos 14 anos e confirmam a importância do espaço nas carreiras atuais e no desenvolvimento pessoal.

Fazendo mestrado em gravura nos EUA, Laura já expôs a arte no exterior e diz que a sala e os professores foram o empurrão de que precisava na vida profissional: “É um espaço para deixar a criatividade viver solta mesmo, fluir. Foi a base da minha formação, um lugar com tanta coisa para olhar, que me fez ficar bem curiosa para o mundo em vários aspectos, até pelo contato com pessoas de outras escolas e idades diferentes. Influenciou muito em quem eu sou e no que escolhi fazer”.

Já Luiza é engenheira e supervisora de projetos no departamento de rodovias do condado de Allen County, em Indiana, EUA. Considerada muito artística desde o ensino médio, iniciou a carreira na área de arquitetura e migrou para a engenharia ao conseguir uma bolsa de estudos no exterior. Para ela, a formação atual se deve muito aos recursos visuais que adquiriu quando era mais nova.

“Eu me vejo tendo soluções bem artísticas para alguns problemas, e meu raciocínio é bem visual para pensar em uma alternativa e chegar a uma resposta”, conta. “Isso é graças à minha experiência na sala de recursos com o Samuel, que foi riquíssima e transformou minha vida nesse estilo de pensar. É um espaço muito propício para crescer como ser humano, aceitar coisas diferentes e entender outros lados de você – o que só a experiência da sala de aula não daria muito espaço”.

O principal ponto abordado pelos ex-alunos é a sensação de pertencimento e acolhimento. “Quando você é superdotado, uma das coisas sentidas é a intensidade, agitação e animação com as coisas”, acentua Luiza. “As pessoas tinham um estranhamento com o meu jeito de ser, mas ali na sala era um espelho, um espaço em que todo mundo era meio desse jeito, então transformou a minha vida e influenciou bastante quem eu sou hoje, como eu me vejo e como vejo o mundo”.

*Com informações da Agência Brasília

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