Anna Muylaert retoma boa forma em filme que vai do humor ao horror

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INÁCIO ARAUJO
(FOLHAPRESS)

A boa notícia é que Anna Muylaert, depois de incursões menos felizes no ramo da política, volta ao que sempre teve: o olhar desconfiado e afiado, a exploração das contradições dos personagens, o pouco respeito por poderes e poderosos, o humor ora irônico, ora francamente sarcástico.

Tudo isso está presente em “O Clube das Mulheres de Negócios”, que, ao contrário do que se pode imaginar à primeira vista, não é um elogio às conquistas do feminismo. Quase se pode dizer que é o inverso disso, pois as senhoras que vemos sentadas à grande mesa de um suntuoso clube de campo não raro parecem mimetizar o almoço de senhores de negócio num restaurante que fosse da Fiesp, digamos.

Lá está a presidente (Cristina Pereira) com um imponente charuto, lá estão as ofertas de negócios tão ótimos quanto indecentes etc. Fora, no jardim que dá para uma represa (Guarapiranga, talvez), jovens com pouca roupa dançam para as mulheres, são paquerados por uma ou outra, as obedecem de um modo ou outro.

O clube tem tudo para ir bem, embora alguns obstáculos surjam à sua frente. A um repórter inexperiente convocado a fazer uma reportagem favorável ao clube (é neto da presidente e tal), e o experiente fotógrafo que vem com ele.

Não se trata de elogiar o poder investigativo da imprensa, propriamente. É quase por acaso que o fotógrafo descobre a existência de uma coleção de onças no local, sobre a qual não se fala muito, em parte por respeito à presidente. Meio que por acaso descobre também uma rede de túneis com acesso vedado a visitantes.

Introduzidos esses elementos, o filme começa a mostrar sua segunda face, a de filme de terror. Uma das sócias do clube faz um exercício de importunação sexual bem digno de senhores: expõe os vastos seios à apreciação do jovem repórter, que foge apavorado. Uma onça morde e mata o cachorrinho de uma das sócias, que se retira de helicóptero. A imaginação voa: uma das sócias aparece num lugar de acesso proibido que o fotógrafo resolve invadir transando com uns brutamontes.

Ao mesmo tempo, as máscaras caem um pouco à moda de Buñuel e o terror se insinua. As referências são inúmeras e oportunas. Há sapos que surgem no subterrâneo, cobras que se enrolam de repente nos pés das senhoras de negócios. Insetos, répteis, animais rasteiros se insinuam no clube, cujo luxo parece desabar à medida que todas as proteções desmontam.

É frequente nos filmes de Muylaert as proteções desmontarem ao longo das ações. Raramente com a radicalidade que se vê aqui. Pois ao mesmo tempo em que a natureza parece reivindicar seus direitos, em que as onças parecem impor o lado selvagem ao lado do mundo cultural, os empregados do lugar parecem descobrir seu lugar na história -e não estão contentes com ele.

O humor leva ao horror e depois vice-versa. Como se o caráter de alguns de seus filmes anteriores se transformasse: desta vez, Muylaert deixa de lado os seres por vezes tão banais e ao mesmo tão estranhos que observava, e coloca em cena um grupo de personagens (as mulheres de negócios) que representam bem as distorções da vida brasileira -e não faz a menor diferença que sejam mulheres ou homens.

Ao mesmo tempo, insere um viés policial (levado pelo fotógrafo, pelo lado sério, e pelo jovem repórter, pelo lado “comédia maluca”) que, no todo, parece evocar certos filmes de Jordan Peele (“Corra!”, mas também “Nós”).

Jordan Peele mais Buñuel: não são com certeza as únicas referências, mas ninguém dirá que são ruins. Anna Muylaert volta à boa forma -inclusive na direção dos atores- com um filme ora cáustico, ora suave, ora rigoroso, ora aberto à improvisação, mas que todo o tempo se deixa ver com agrado.

O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS
– Avaliação Muito bom
– Quando Em cartaz nesta quinta-feira (28)
– Classificação 18 anos
– Elenco Irene Ravache, Cristina Pereira e Rafael Vitti
– Produção Brasil, 2024
– Direção Anna Muylaert

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