Estudo revela que memórias da infância podem ser alteradas durante a terapia

Uma mulher conversando com o psicoterapeuta.

ACÁCIO MORAES
BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS)

Não é raro que psicólogos perguntem aos seus pacientes sobre a relação com a família, especialmente durante a infância. Essa estratégia é usada para trazer memórias e emoções à tona. Uma nova pesquisa comprova, entretanto, que ao fazer isso o profissional pode acabar alterando a percepção dos pacientes sobre essa fase da vida.

Ana Lúcia Carvalho, psicóloga e professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que o conhecimento sobre as teorias sobre a memória é importante para guiar os procedimentos adotados pelos profissionais. Uma boa prática terapêutica não deve induzir percepções e pensamentos, mas sim estimular que os relatos partam dos próprios pacientes. Para atingir um alto nível de cuidado, o especialista deve estar atento a todos os aspectos do atendimento, inclusive na formulação de perguntas.

A nova pesquisa, publicada na revista científica Psychological Reports Journal, revelou a importância desse cuidado com as perguntas feitas. O trabalho acompanhou 300 pacientes ao longo de quatro semanas.

Em uma primeira sessão, os participantes foram divididos em quatro grupos. Um deles recebeu instruções para que escrevessem três ou quatros frases em um papel destacando exemplos recentes de atributos positivos das próprias mães. Outro grupo teve que destacar aspectos negativos. Os demais voluntários atuaram como controle: alguns não escreveram nenhum relato e outros tiveram que destacar características negativas de professores.

Os especialistas investigaram especificamente os sentimentos dos pacientes em relação às suas mães porque, especialmente na infância e nos primeiros anos de vida, como o cérebro ainda está em formação e novos neurônios são criados a todo instante, é difícil criarmos lembranças fidedignas dos acontecimentos à nossa volta.

Sessões de acompanhamento foram realizadas com todos os participantes depois de duas e quatro semanas do primeiro encontro. Nesses atendimentos, durante os quais tiveram que resgatar memórias e acontecimentos da infância, os sentimentos dos pacientes em relação às próprias mães foram avaliados.

Em particular, os especialistas olharam para as emoções de felicidade, interesse em relação à progenitora, tristeza e raiva.

Os resultados revelaram uma correlação entre os atributos destacados na primeira sessão e as emoções reveladas durante os acompanhamentos, ou seja, quem escreveu sobre os aspectos positivos da mãe mostrou mais sentimentos de felicidade e interesse, enquanto os que anotaram exemplos negativos trouxeram lembranças associadas a tristeza ou raiva.

Ainda que aponte essa possibilidade de alteração na memória, o resultado reforça a necessidade de profissionais bem formados. Para os autores do trabalho, tanto terapeutas quanto clientes devem estar atentos para o fato de que a consulta pode influenciar a direção da conversa e ter efeitos colaterais no resultado final da sessão.

Um estudo publicado na revista Journal of Applied Research in Memory and Cognition avaliou também o efeito da reavaliação cognitiva no trade-off memória emocional, isto é, nossa tendência a priorizar memórias associadas a uma maior carga emocional. Foram feitos testes com pacientes orientados a reduzir suas emoções frente a cenas neutras ou negativas que assistiam. Após 24 horas, os participantes foram convidados a relembrar as imagens.

Por um lado, aqueles que foram mais bem-sucedidos na reavaliação cognitiva mostraram se lembrar de mais detalhes das cenas neutras, reduzindo o trade-off. Por outro lado, quem teve dificuldade de reduzir a carga emocional experimentada sofreu com o aumento da associação entre memória e emoção, evidenciado por uma memória maior das cenas negativas do que daquelas neutras. Os resultados destacam que o sucesso e o fracasso dos pacientes na sua regulação emocional também influenciam a memória das emoções.

Martín Cammarota, professor e pesquisador da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), diz que o terapeuta, na intenção de buscar a origem de um trauma, deve ser muito cuidadoso para não induzir uma memória falsa. Para isso, existem ferramentas que variam segundo as diferentes escolas de pensamento psicoterapêutico, dentre as quais devem ser escolhidas aquelas validadas pela neurociência e neurobiologia.

Diferentes estratégias podem ser utilizadas para que o paciente seja capaz de modular suas memórias de forma adequada. Em um estudo publicado na revista Emotion, os pesquisadores conduziram um treinamento de memória de trabalho (WMT) de 20 dias para explorar os seus efeitos na regulação positiva e negativa de emoções negativas. Os pacientes foram acompanhados por 3 meses após os exercícios para analisar os efeitos persistentes.

Segundo os resultados observados, os participantes melhoraram a capacidade de regular as emoções negativas após o treinamento de memória de trabalho. Para os pesquisadores, a técnica é uma ferramenta que pode provocar aprimoramento cognitivo geral dos pacientes, aumentando a capacidade dos pacientes de modular sua resposta aos eventos negativos da vida. Os efeitos perduraram por mais de 3 meses.

Ainda que a reavaliação cognitiva, estratégia usada em muitas linhas de tratamento psicoterápico, envolva a reinterpretação de uma situação para reduzir o seu impacto emocional, Cammarota destaca que essa mudança deve ser feita somente até uma certa extensão, de forma a não prejudicar também as futuras experiências do paciente.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.