
(Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)
Como se dizia nas redações dos jornais nos tempos das barulhentas máquinas de escrever e das nuvens de fumaça dos cigarros: o escândalo do furto, por organizações criminosas, de dinheiro das contas dos aposentados e beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que se tornou público no fim de abril, continua firme e forte nas manchetes. E tudo indica que caminha a passos largos para se tornar pauta dos candidatos nas eleições de 2026. Especialmente na disputa pela Presidência da República, em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, deve concorrer à reeleição tendo como principal adversário o indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 70 anos. Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E também é réu, com outras 33 pessoas, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por cinco crimes, entre eles a formação de uma organização criminosa para dar um golpe de estado.
Por tudo isso que descrevi, o ambiente da disputa eleitoral em 2026 vai ser muito tenso. E neste ambiente estará o escândalo do INSS. Vamos conversar sobre o assunto. Para ajudar o leitor a entender o atual momento. Nos dias atuais, a história tramita por dois caminhos diferentes que lá no final irão se encontrar. O primeiro caminho é a investigação da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, e uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), que descobriram que 4,1 milhões de aposentados e beneficiários do INSS tiveram retirados das suas contas, sem a sua autorização, R$ 6,3 bilhões no período de 2019 a 2024, por associações e sindicatos que montaram organizações criminosas que agiam dentro do Ministério da Previdência Social. Foi um crime planejado, como mostraram as investigações policiais. As vítimas foram escolhidas a dedo: a maioria (67%) mora no interior do Brasil, em locais sem comunicação, e 33% vivem em cidades, mas não são usuários da internet. O que isso significa? Que escolheram pessoas que não têm meios, muito menos costume, de controlar as suas contas no INSS. O que facilitou o trabalho dos criminosos. Até o último sábado (dia 17), entre as pessoas informadas pelo governo que tiveram descontos nas suas contas, 1,5 milhão pediram reembolso e 28 mil concordaram com o desconto. A investigação também já descobriu os principais suspeitos do furto. Entre eles se destaca o lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, 61 anos, conhecido como Careca do INSS. Ele não é funcionário federal – há muitas reportagens sobre ele na internet. No início de maio falei sobre o assunto no post Imprensa precisa descobrir quem é o “caixa-preta” no escândalo do INSS. Atualmente, as investigações da PF e da CGU entraram em uma nova fase. Estão sendo ouvidos funcionários do INSS que, encorajados pela descoberta dos descontos sem autorização, estão revelando como as coisas funcionavam antes do escândalo vir a público. Muitos chegaram a registrar queixas na polícia e, por conta disso, tiveram suas famílias ameaçadas pelos operadores das organizações criminosas que agiam dentro do INSS. Tanto a PF quanto a CGU estão revelando as suas descobertas para a imprensa em doses homeopáticas. Por ser um velho repórter estradeiro sei que esta tática faz parte do jogo. E tem como objetivo ouvir o que os suspeitos, que estão grampeados (com autorização judicial), estão falando sobre as notícias.
O segundo caminho pelo qual a história do escândalo do INSS transita é o da disputa política. Nesta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos, prometeu colocar em votação de urgência o pacote antifraudes no INSS, que inclui uma proposta do deputado Sidney Leite (PSD-AM), 58 anos, que revoga a autorização de descontos na folha de pagamento dos aposentados e beneficiados. A atual disputa entre o governo e a oposição é na construção de um discurso dando a sua versão do escândalo. Os seguidores do ex-presidente Bolsonaro batem na tecla de que o responsável é o governo Lula. Destaque especial para o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), 28 anos, que viralizou um vídeo com 130 milhões de visualizações dando a sua versão mentirosa sobre o episódio – matérias na internet. A versão do governo é de que o escândalo começou em 2019, no governo Bolsonaro. Inclusive cita que os empresários Mauricio Camisotti e Danilo Trento, envolvidos no escândalo do INSS, também estiveram depondo na CPI da Covid, em 2021, por envolvimento em superfaturamento na compra de vacinas. Fato é o seguinte. A infiltração de organizações criminosas no INSS vem de longe. De 2019 a 2024, os criminosos se organizaram e se profissionalizaram. Também durante a semana deverá evoluir a proposta de abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que é defendida pela oposição e rejeitada pela situação. Há indicações que poderá acontecer um acordo entre o governo e oposição para a instalação da CPMI. Os parlamentares favoráveis à CPMI já reuniram mais que um terço das assinaturas de deputados e senadores necessárias a sua criação. Pelo regimento, cabe ao presidente do Congresso Nacional a decisão pela instalação da comissão. O atual presidente, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), 48 anos, é aliado de Lula e está segurando a abertura da comissão, mas já avisou que não poderá adiá-la por muito tempo.
Lembro que entre os parlamentares que defendem a CPMI a maioria é da oposição. Mas também há muitos da situação. E caso os parlamentares recorram ao STF é certo que os ministros decidirão pela instalação, como aconteceu em 2021 com a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. A disputa atual entre a situação e a oposição é pelos cargos dentro da CPMI, como relatoria e presidência. Na política, tudo é possível. Portanto, a instalação só será decidida no momento em que o presidente do Congresso bater o martelo. Até lá tudo pode acontecer. No início da nossa conversa disse que no final desta história os dois caminhos que estão sendo percorridos por ela, o da investigação policial e o da disputa política, irão se encontrar. O encontro será no palanque eleitoral de 2026. É ali que o resultado da CPMI, caso houver, e da investigação policial irão contar uma história aos 40% de eleitores indecisos que irão decidir quem será o próximo presidente do Brasil. Só para constar, vou lembrar o seguinte. Muito embora o relatório final de 1,3 mil páginas da CPI da Covid esteja desde 2021 repousando nas gavetas em Brasília, pelo fato das sessões terem sido televisionadas ao vivo e acompanhadas pelos brasileiros como se fossem uma novela, o comportamento negacionista de Bolsonaro em relação à letalidade e ao poder de contágio do vírus ajudaram a eleger Lula.
Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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