DF tem menos famílias endividadas que a média nacional, mas inadimplência segue alta

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Enquanto o número de brasileiros endividados voltou a crescer em abril, atingindo 77,6% das famílias, o Distrito Federal apresentou um movimento mais contido. Dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostram que 67,9% das famílias da capital federal estavam endividadas no mês — um aumento de 1,8 ponto percentual em relação a março, mas ainda 9,7 pontos abaixo da média nacional.

O número de domicílios com algum tipo de dívida no DF chegou a 723 mil, mas o dado mais expressivo é a queda contínua da inadimplência, que recuou pelo quarto mês consecutivo. Em abril, o percentual de famílias com contas em atraso caiu para 18,1%, o menor patamar desde junho de 2024. A parcela que se declara incapaz de pagar suas dívidas também diminuiu. Hoje, 12,7% das famílias se consideram muito endividadas, contra 18% no mesmo período do ano passado.

Para o professor de Administração e Ciências Contábeis da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, Dr. Alex Fabiane Teixeira, o custo de vida historicamente elevado no DF — com preços acima da média nacional em áreas como habitação, alimentação e serviços — é um dos principais fatores que explicam esse quadro. “Além disso, temos uma população com amplo acesso ao crédito, muitas vezes desorganizado, e um padrão de consumo influenciado por salários públicos relativamente altos. Esse cenário facilita o uso recorrente de instrumentos como o cartão de crédito e o cheque especial, o que acaba alimentando um ciclo de endividamento”, analisa.

Moradora de Ceilândia, a auxiliar administrativa Ana Paula Silva, de 34 anos, viu sua relação com o dinheiro mudar nos últimos anos. Mãe solo de dois filhos e com renda mensal em torno de dois salários mínimos, ela faz parte do grupo que mais sente os impactos do endividamento, mas também integra a estatística que mostra queda na inadimplência no Distrito Federal. “Teve uma época em que eu atrasava tudo: luz, cartão, prestação da geladeira. O cartão de crédito parecia a única saída, mas virava uma bola de neve”, conta. Ana Paula, no entanto, buscou orientação financeira com colegas e começou a reorganizar os gastos. “Hoje ainda tenho dívidas, mas são controladas. Uso o cartão só pra emergência e anoto tudo o que gasto no caderno. Isso me ajudou a sair da inadimplência e a dormir melhor”, relata.

Ela se identifica com o movimento captado pela pesquisa da CNC: famílias que seguem endividadas, mas com mais planejamento e menos atrasos. “A gente não deixa de comprar o que precisa, mas agora penso duas vezes antes de parcelar”, afirma.

Para o presidente da Fecomércio-DF, José Aparecido Freire, o cenário é de relativa estabilidade e demonstra uma mudança de postura por parte do consumidor. “O aumento no endividamento, quando acompanhado de queda na inadimplência, indica um consumo mais consciente e compatível com a recuperação gradual da renda e do emprego”, avaliou. No entanto, ele destaca que ainda há motivos para atenção. “Embora o índice de inadimplência esteja em queda, permanece elevado, ainda na casa dos 40%, distante dos 29,4% registrados em abril do ano passado.”

A inadimplência persistente, segundo o professor Alex Teixeira, também pode ser explicada pela limitação de programas como o Desenrola, que ajudaram a renegociar dívidas sem restaurar completamente a capacidade de pagamento das famílias. “Muitas pessoas, mesmo renegociando, não conseguem arcar com os novos compromissos, seja por desemprego, renda comprometida ou má gestão financeira. Isso revela uma fragilidade estrutural na capacidade de pagamento”, pontua.

O cartão de crédito segue como a principal forma de endividamento no Distrito Federal, embora tenha recuado de 80,8% para 70,3% dos casos em um ano. Em contrapartida, modalidades como crédito pessoal (12,7%), financiamento de veículos (11,8%) e de imóveis (11,4%) ganharam espaço. Nacionalmente, o cartão representa 83,8% das dívidas, seguido pelos carnês, crédito pessoal e financiamentos.

Teixeira observa que o padrão de consumo da capital está atrelado a uma classe média numerosa, com alto nível de escolaridade e uma expectativa de vida acima da média. “Esse perfil impulsiona o consumo, geralmente sustentado por crédito. O problema é que, sem um controle financeiro adequado, esse crédito se transforma em dívida — e o consumo em um ciclo difícil de romper.”

O comprometimento médio da renda com dívidas no DF manteve-se estável em torno de 21,4%, patamar bem abaixo da média nacional, que chegou a 30%. No entanto, houve um leve aumento no tempo de comprometimento com dívidas, que passou de 28 para 32 dias, e uma redução nos dias em atraso, de 69 para 65.

Projetos de educação financeira vêm ganhando espaço como alternativa para combater o superendividamento. Um exemplo é o Finanças Além do Plano, que abriu sua quinta turma no último sábado (17), em Arniqueira. A iniciativa, voltada para moradores das periferias e cidades satélites, busca capacitar gratuitamente pessoas em situação de vulnerabilidade, com aulas presenciais e conteúdos digitais. “Descobri que o dinheiro é uma tecnologia, um poder e uma solução ao nosso alcance”, afirma Eustaquelino Melo Casseb, idealizador do projeto e educador financeiro.

Durante a formação, os participantes aprendem a planejar seus gastos, utilizar melhor o crédito, investir e sair do ciclo de dívidas. A meta do curso é formar cidadãos mais conscientes financeiramente e preparados para lidar com o consumo de forma equilibrada.

Para Teixeira, iniciativas como essa são fundamentais, mas ainda insuficientes. “O DF já promoveu ações pontuais, como feirões de renegociação realizados pelo Procon e pela Defensoria Pública, e também foi beneficiado por programas federais. Mas faltam medidas permanentes de prevenção ao superendividamento, como o apoio à geração de renda, o incentivo ao crédito responsável e o acompanhamento financeiro profissional.”

Ele defende que a educação financeira seja incorporada de forma sistemática à realidade do DF. “Ainda é tudo muito pontual. Precisamos de uma abordagem contínua, que forme consumidores mais conscientes e aptos a planejar seus gastos e investimentos.”

O impacto do endividamento vai além das finanças familiares. “O comprometimento da renda reduz o consumo, provoca estresse, afeta a saúde mental e os relacionamentos pessoais. No plano econômico, isso se traduz em queda nas vendas, principalmente de bens não essenciais, e na dificuldade de lojistas e prestadores de serviços em conceder crédito ou manter a saúde financeira dos seus negócios. Isso afeta a arrecadação de tributos, aumenta a rotatividade de empregos e pressiona a assistência social”, conclui.

Sobre os próximos meses, o professor projeta uma tendência de estabilidade ou até leve alta no endividamento. “Com a retomada lenta da economia e o custo de vida ainda elevado, a renda segue pressionada. A inflação mais controlada pode ajudar, mas sem aumento real da renda e geração de empregos, a capacidade de pagamento continuará comprometida.”

Entre as soluções possíveis, ele sugere um conjunto de medidas articuladas: educação financeira integrada ao ensino formal e às comunidades, renegociação estruturada de dívidas com acompanhamento profissional, promoção do crédito responsável com avaliação de capacidade de pagamento, geração de emprego e renda, e proteção ao consumidor com foco no combate a práticas abusivas de crédito e cobrança.

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