Ex-funcionária da Unicamp suspeita de desvio milionário de verbas vira ré

Foto: Thomaz Marostegan/Unicamp

FRANCISCO LIMA NETO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Ligiane Marinho de Ávila, suspeita de desviar R$ 5,3 milhões em verbas de pesquisa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) no Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) se tornou ré sob acusação de peculato e lavagem de dinheiro.

A denúncia foi apresentada pelo promotor de Justiça Criminal Fernando Vianna e aceita pela Justiça em 23 de abril.

Ligiane teve a prisão prisão preventiva (sem prazo) decretada durante as investigações, mas segue foragida até o momento, de acordo com o Ministério Público.

Rafael Azevedo, advogado que a representa, confirma que a cliente praticou desvios, mas nega que ela esteja foragida. “Na verdade, ela não encontra-se foragida. Ela está em local incerto. Está fora do país, na Europa. Não sei precisar o país, eu também não cheguei a questioná-la. Mas o fato é que, assim, essa viagem foi posterior ao comparecimento na delegacia”, afirmou em entrevista coletiva.

Relatório final da apuração do órgão de fomento à pesquisa concluiu que o total de recursos desviados foi de R$ 5.384.215,88. Desse valor, mais de R$ 5 milhões foram desviados por meio de contas bancárias da de Ligiane, ex-funcionária da Funcamp (Fundação de Desenvolvimento da Unicamp), e o restante por meio de contas vinculadas a três pessoas jurídicas, afirmou a instituição.

O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo em fevereiro de 2024. Investigação conduzida pela direção do Instituto de Biologia aponta a atuação de Ligiane, que foi demitida por justa causa em 18 de janeiro do ano passado, depois de o caso ser descoberto.

A reportagem apurou que Ligiane saiu do país em um voo de Campinas para Orly, na França, na noite de 19 de fevereiro de 2024. Não há previsão de que não tem prazo para retornar ao país, disse. Azevedo argumenta que ela trabalha com limpeza na Europa.

“Foi ventilada toda a situação de que ela tem milhões na conta. Na verdade, esse não é o fato. Ela está trabalhando com limpeza. Se houvesse realmente da parte dela esse desvio milionário, não haveria um porquê de não estar desfrutando desse valor e estar em subemprego”, afirma o advogado.

Azevedo diz que as verbas da Fapesp, além de subsidiar as pesquisas, também eram usadas para gastos particulares dos pesquisadores.

“O que ela me passa é que até abajur de professor foi comprado, pagamento de veículo, pagamento de seguros”, relata. Segundo ele, Ligiane abriu uma empresa para emitir notas e justificar os gastos não comprovados dos pesquisadores.

“Ela não poderia ter aberto a empresa, mas não viu outra forma, uma vez que era necessária a emissão de nota justamente para que fossem aprovados os projetos e liberadas essas verbas. Alguns professores faziam da forma correta, realmente. Tinham nota fiscal e comprovação. Alguns não traziam nada.

Falavam, ‘olha Ligiane, tá aqui, dá um jeito aí de resolver'”, disse.

Segundo o defensor, Ligiane teria desviado para proveito próprio algo entre R$ 100 a R$ 150 mil e tem a intenção de fazer a devolução.

“A defesa não foge, ela também não foge da sua responsabilidade em pagar e, de repente, trazer o que foi retirado, de repente, em proveito próprio, mas é muito aquém desse valor de R$ 5 milhões”, declara Azevedo.

Em 30 de abril, a Promotoria Cível de Campinas, apontou que há inércia e recusa da Unicamp em investigar os fatos, por não instaurar nova sindicância.

Também apontou indícios de envolvimentos dos pesquisadores nos desvios.

“A este respeito, contudo, deve ser consignado que existem fortes elementos do envolvimento de professores do IB -e do risco de prejuízo ao patrimônio público da Unicamp- quanto aos fatos que lastreiam o presente procedimento”, escreveu o promotor Angelo Santos de Carvalhaes.

O QUE DIZEM UNICAMP E FAPESP

A Unicamp afirma que apurou os fatos internamente, mediante a instauração de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos vários servidores e analisados documentos.


“Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas para melhoria dos escritórios de apoio, concluindo pelo arquivamento do processo”, afirmou a universidade.


Ainda segundo a Unicamp, os recursos desviados são da Fapesp e os pesquisadores têm sido condenados ao ressarcimento dos recursos. Portanto, até o momento, não haveria risco concreto ao patrimônio público da universidade.


“A universidade está aguardando o andamento do inquérito policial em andamento, com a juntada de provas, para avaliação de abertura de nova apuração interna”, afirmou a Unicamp.


A Fapesp ajuizou a cobrança contra pesquisadores responsáveis por projetos em que foram verificados desvios de verbas, em um total de 34 ações.


O escritório de advocacia que representa os pesquisadores afirmou que eles identificaram as fraudes em dezembro de 2023 e a relataram a Fapesp, Unicamp e Funcamp, além de protocolarem pedido de abertura de inquérito criminal junto à Polícia Civil.


“Apesar da postura colaborativa dos docentes, a Fapesp optou por direcionar esforços não à responsabilização da autora das fraudes, mas à cobrança dos valores diretamente dos pesquisadores, também vítimas da situação”, afirmou o LBS Advogadas e Advogados, via assessoria.


Segundo o escritório, os docentes ajuizaram ações judiciais para impedir a cobrança.


“Reforçamos que os pesquisadores também são vítimas dessa situação e têm agido com total transparência e cooperação desde o início, buscando preservar a integridade da pesquisa científica e a legalidade na gestão de recursos públicos”, concluiu a defesa dos pesquisadores.

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