ANDRÉ BORGES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai criar um comitê interministerial para formular políticas públicas que mirem o combate ao racismo ambiental e climático, situações extremas que, regularmente, afetam de forma desproporcional populações mais vulneráveis.
O Comitê Nacional de Enfrentamento ao Racismo Ambiental e Climático, conforme informações obtidas pela Folha de S.Paulo, será coordenado por integrantes de quatro ministérios: Igualdade Racial; Meio Ambiente e Mudança do Clima; Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Povos Indígenas.
O texto que cria o comitê já foi enviado para a Casa Civil da Presidência para ser formalizado. A ideia é que o grupo se concentre em ações para situações em que populações negras, indígenas, quilombolas e tradicionais são as mais afetadas por desastres naturais, degradação ambiental e mudanças climáticas.
A proposta prevê um colegiado com 20 membros titulares, sendo dez do governo e dez da sociedade civil, sem remuneração. O grupo poderá emitir pareceres técnicos, articular campanhas educativas e sugerir políticas públicas. Um desses grupos de trabalho permanentes tratará da “Amazônia Negra”.
Na avaliação do governo, iniciativas pontuais dentro de ministérios e secretarias vinham tratando de medidas sobre justiça ambiental e ações afirmativas, mas de forma dispersa.
Apesar de atuar como instância consultiva, o comitê pretende consolidar as medidas que tratem do assunto.
“Nós, da Secretaria de Mudança do Clima, avaliamos que é absolutamente necessária a soma de esforços e estratégias dos diversos órgãos e instituições do governo brasileiro, para melhorar a capacidade do sistema socioecológico de se preparar e se ajustar aos desastres provenientes das alterações climáticas ou danos climáticos potenciais. Todos os setores da sociedade estão chamados à ação”, diz Inamara Mélo, diretora de políticas para adaptação e resiliência à mudança do clima no Ministério do Meio Ambiente.
Na prática, segundo Inamara, o objetivo é fazer com que políticas de adaptação climática tenham, entre seus fatores decisivos, recortes como classe, raça e gênero, além de um olhar especial para povos e comunidades tradicionais e biomas, entre outros. É uma forma de enfrentar as desigualdades e impulsionar a justiça climática, considerando as particularidades de cada comunidade, setor e região.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30 (30ª conferência do clima da ONU), que será realizada em novembro, em Belém, lamentou a exclusão dos quilombolas do documento inicial que reuniu as propostas da presidência da conferência.
Em entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, no início de abril, Lago admitiu que faltou a presença dos quilombolas na carta com as propostas. “Lamento muito que tenha faltado”, disse. “Temos que conversar com eles, inclusive para assegurar que a participação deles seja reconhecida como legítima.”
A ativista carioca Marcele Oliveira, 26, eleita campeã climática da juventude da COP30, tem como missão representar os jovens nas negociações climáticas. Ela contou que desde sua graduação refletia sobre as desigualdades que via na rua e sobre o racismo ambiental -para ela, o debate sobre o clima precisa envolver as questões cotidianas.
O cargo de jovem campeão climático tem duração de dois anos e existe desde a COP28, realizada em Dubai. Marcele explica que a campeã da juventude deve apresentar um plano com as ações para o mandato.
Ao todo, 154 jovens se inscreveram na seleção para o cargo -a maioria (62%) mulheres-, e 24 nomes foram encaminhados para decisão da presidência da COP30. A faixa etária dos candidatos variava de 18 a 35 anos.
Em 2024, quando fortes chuvas atingiram o Rio de Janeiro, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco publicou nas redes sociais que os impactos eram “fruto também dos efeitos do racismo ambiental e climático” -na época, grupos políticos a criticaram nas redes sociais e afirmaram que o termo racismo ambiental havia sido inventado.
“Esse conceito não fui eu que criei. É um conceito que vem dos EUA, já está há décadas”, explicou ela à Folha de S.Paulo. “Racismo ambiental existe e tem um número imenso de pessoas negras que passam por isso todos os dias.”