Vice-governador nega espalhamento da ‘cracolândia’

cracolandia

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

O vice-governador de São Paulo, Felicio Ramuth (PSD), negou nesta quinta-feira (15) o suposto ”espalhamento” dos usuários da chamada Cracolândia, principal ponto de venda e consumo de drogas a céu aberto da capital paulista. O local tem ficado completamente vazio desde o início desta semana, e levantou questionamentos sobre o destino dos dependentes químicos.

Ramuth afirmou que a maioria dessas pessoas está sendo ”cuidada”. Em entrevista à GloboNews, ele disse que 1200 delas estão internadas em hospitais e comunidades terapêuticas, especializados em desintoxicação. Outras 900 estariam sendo atendidas pelo Programa Operação Trabalho, onde recebem R$ 900 mensais para atuar em serviços da prefeitura.

Segundo o vice-governador, o fluxo foi de 2 mil para cerca de 60 a 80 desde 2023. ”No início, era uma concentração de 2 mil usuários, que trazia muito rendimento para o alto escalão do tráfico de drogas.

Com 60 pessoas, isso passa a ser desinteressante para eles, e o que se vê é apenas a atuação do quinto escalão do tráfico. Mas isso não aconteceu da noite para o dia”, falou.

Os números apresentados são do próprio governo. O UOL, porém, não conseguiu confirmá-los de maneira independente, para saber se refletem a realidade.

Questionado sobre usuários terem sido vistos circulando no centro, ele negou o ”espalhamento”.

Moradores da região registraram na terça-feira a movimentação de grupos tentando se instalar em outros locais, mas sendo impedidos por viaturas. Femuth diz que, na verdade, se tratam de moradores em situação de rua – a grande maioria com alguma dependência química -, que já ocupam regiões como a praça Marechal Teodoro ”muito antes” do trabalho de sua gestão na Cracolândia.

“Nós não temos mais uma cena de fornecimento de drogas a céu aberto. Por isso, a cracolândia se diferenciava de todos os outros estados. O que temos agora são pequenas concentrações, não houve ”espalhamento” por conta do trabalho que foi feito dos dois últimos anos. O que existe é esses moradores em situação de rua, mais de 30 mil na cidade de São Paulo”, disse Felicio Femuth.

Além de ações na área da saúde, Ramuth cita ”mudanças na segurança”. De acordo com ele, houve o fechamento de pensões e ferros velhos ligados ao crime organizado, além do treinamento de policiais, criação de batalhões de polícia e intensificação da presença da Guarda Civil Municipal. O vice diz que os agentes têm sido treinados para abordar os usuários de ”forma correta” e oferecer assistência social.

ONGs, no entanto, argumentam que a política de dispersão dos usuários se tornou mais violenta nos últimos meses. “A Prefeitura de São Paulo passou a adotar nos últimos dias a política de dispersar na pancada os grupos de pessoas em situação de rua e que consomem drogas na região da Cracolândia, centro da cidade. Foi essa ação que provocou o esvaziamento do fluxo que estava concentrado na rua dos Protestantes”, segundo nota publicada pela organização Craco Resiste.

GOVERNO DIZ MIRAR EM NEGÓCIOS DO TRÁFICO

Para o Ministério Público, redução de fluxo já era ”esperada”. Também à GloboNews, Lincoln Gakiya, promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), declarou que o órgão já entendia que a ”tendência era ir diminuindo” a partir de operações integradas. Segundo ele, em agosto de 2024, uma grande ação conjunta na região foi feita para fechar estabelecimentos envolvidos em atividades ilícitas, como venda de drogas, de armas e objetos furtados.

Ramuth informou que deve haver uma atuação ainda mais forte contra esses pontos de distribuiçao de drogas. “Os estabelecimentos comerciais que insistirem em permanecer com atividades irregulares nos próximos dias terão uma atuação, já que agora a Prefeitura municipal tem um decreto que nos permite fazer de forma célere o fechamento desse tipo de estabelecimento, que tem sido usado também pelo crime organizado”, falou durante um evento nesta quarta (14) em Campinas.

NUNES DISSE ESTAR SURPRESO COM O “SUMIÇO”

Já o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse estar ”surpreso” e não informou para onde os usuários foram. “A gente tem informações de que existem uma movimentação para um outro local”, afirmou, sem dar mais detalhes. Ele ressaltou, no entanto, que a diminuição no fluxo da cracolândia tem sido gradativa: “Todos os dias vinha reduzindo a quantidade de pessoas lá. Pessoas indo para tratamento, voltando para seus estados, aceitando internação”.

Município atribui, em parte, esvaziamento às ações de demolição na favela do Moinho. “A gente vai acompanhar mais uns dias, ver se alguém retorna para lá, se a gente ainda está tendo aí uma ação por conta dessa questão da favela do Moinho. Eu preciso ter sempre com vocês uma transparência, senão a gente perde a credibilidade. A transparência é o seguinte, pode ser que o movimento da favela do Moinho tenha feito alguma ação que zerou, que vai tirar 43 pessoas na sexta-feira, no sábado aparece praticamente sem ninguém”.

COMO SURGIU A CRACOLÂNDIA

O problema começou na década de 1980, durante o governo do Paulo Maluf. A inauguração do Rodoviária do Tietê causou a desativação do Terminal da Luz, e consequentemente um esvaziamento da região central da cidade. Comércios viram queda de faturamento e os hotéis abaixaram seus preços para não ficarem vazios.

Preço menor e pouco movimento atraíram o crime. O cenário se tornou favorável ao tráfico e a prostituição, espantando ainda mais a classe média que costumava frequentar a região.

O termo ‘cracolândia’ foi usado pela primeira vez em 1995. Foi uma reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” que descreveu a região da Santa Ifigênia desta maneira. “As ruas do bairro da Santa Ifigênia conhecidas como Cracolândia continuam sendo percorridas pelos policiais. Os antigos casarões vêm sendo usados por traficantes para preparar pedras de crack”, dizia um trecho da reportagem sobre a prisão de traficantes após a inauguração da Delegacia de Repressão ao Crack em São Paulo.

O baixo movimento de pessoas desvalorizou a região e atraiu quem não tem para onde ir. A prefeitura, com o passar dos anos, tentou outras ações para atrair a classe média para o centro, como a inauguração do Museu da Língua Portuguesa e da Sala São Paulo, mas não obteve sucesso.

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