Por Maria Clara Britto
“No Other Land” ou “Sem Chão”, documentário, de 2024, dirigido por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, todos estreantes, gerou debate após exibição na Universidade de Brasília nesta semana.
Os palestrantes foram Heloisa Vilela, jornalista do ICL Notícias, que esteve na Cisjordânia para cobertura da guerra, na segunda fase, Muna Odeh, palestina e professora da Universidade de Brasília (UnB), Alfredo Feres, professor da Unb e filho de palestino, Ulisses Riedel De Resende, advogado, ex-senador e fundador da União Planetária e José Mauro Ribeiro, professor aposentado da Unb.
Também esteve presente Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL).
“No Other Land”
No filme, o ativista palestino Basel Adra e o jornalista israelense Yuval Abraham documentam a destruição da comunidade palestina Masafer Yatta sob ocupação israelense.
A obra mostra os atos desumanos de Israel contra o povo palestino, como destruir casas, parquinhos e escolas e até colocar cimento no poço da população.
Antes do começo do filme a diretora da ADUnB Maria Lídia Bueno Fernandes, acredita que a exibição do filme se configurou um “ato de resistência, um ato de rebeldia”.
Durante todo o filme percebemos o sofrimento e a luta do povo.
“Já destruíram minha casa. Podem ir em paz agora “, diz uma mulher palestina durante o filme.
O trabalho ainda retrata o mundo marcado por uma divisão: os homens verdes (palestinos) e homens amarelos (israelenses), as cores fazem relação a placa dos carros, em que apenas os carros com placas israelenses podem circular livremente.

“O número do checkpoint nessa última ida minha que foi agora agora em setembro de 2024, superaram 900 checkpoints. A gente tá falando de um território muito muito pequeno. Qualquer movimentação que o povo palestino fizer é vigiado e constantemente proibido”, alerta Muna Odeh, palestina e professora.
“A gente ouviu, a destruição é recorrente e a construção é recorrente. Então, é muito importante entendermos isso. Ao mesmo tempo que existe o colonialismo, a violência do colonialismo, tem a vida, a criação e o surgimento da possibilidade dentro do impossível”, afirma Muna, sobre o filme e a realidade de Masafer Yatta.
Muna aponta que o filme representa uma condensação, uma síntese da realidade da Palestina. “A violência é uma repetição do que o exército faz naquela região. Quando olharmos hoje para Gaza, entendemos que a questão se assenta em dois eixos: a questão democrática e colonial”, acrescenta.
Ela esteve no território em que se passa o documentário em 2017 e 2018.
A jornalista Heloisa Vilela esteve na Cisjordânia na segunda fase da guerra.
“Ver de perto foi uma transformação pessoal. Conhecer as pessoas e ver a vida que elas levam e como elas são (…) Fiz amizades eternas, e sai de lá ainda mais convencida do que já estava, da desumanidade, do absurdo. (…) Voltei desesperada para saber como mudar essa situação”, relata.
Conflito Israel X Palestina
O conflito entre Israel e Palestina é marcado por disputas territoriais e questões identitárias que remontam ao final do século XIX, intensificando-se com a criação do Estado de Israel em 1948.
Desde então, a região tem sido palco de conflitos armados, negociações fracassadas e tensões constantes.
A principal disputa gira em torno do controle de territórios como a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental, reivindicados pelos palestinos para a criação de um Estado independente.
Enquanto Israel defende sua segurança e expansão de assentamentos, os palestinos clamam pelo fim da ocupação e reconhecimento internacional. Apesar de inúmeros esforços diplomáticos, a paz permanece distante, com episódios de violência frequentes como o dos últimos anos.
Sobre essa questão, Muna Odeh acrescenta “paz sem justiça não existe”.

Durante sua fala, o professor Alfredo Feres, filho de palestino, avaliou que todos os colonialismos são europeus e esse não seria diferente.
O advogado e ex-senador Ulisses Riedel de Resende, fala sobre a necessidade de desmoralização do pensamento genocida.
“É difícil até de entender que é possível existir pessoas nesse mundo com essa mentalidade. Precisamos desmoralizar esse tipo de pensamento, e esse filme faz isso”, comenta Ulisses.
“Podemos dizer que Israel perdeu essa guerra. Perdeu em dignidade, em decência, em comportamento correto humano. Um governo insano, desalmado”, completa.
Quem são os colonos?
Se você assistiu ao filme, pode ter ficado em dúvida sobre quem são os “colonos” que aparecem em alguns momentos.
Colonos israelenses são pessoas que vivem em comunidades exclusivamente judaicas, estabelecidas em partes da Cisjordânia.
Alguns assentamentos recebem apoio legal do governo Israelense. Enquanto outros são postos ilegais, esses extremistas constroem de qualquer forma em uma tentativa de conquistar mais terras.
Nessa procura de conquista, muitas vezes eles atacam aldeias do povo palestino, como vimos no documentário.
Dois “ladismos“

“Até pouco tempo, para você debater a questão Palestina na universidade, você tinha que chamar o outro lado. Então, você tem que chamar o colonizador, o genocida, o dono do regime de apartheid. É como se você tivesse que debater o nazismo e chamar o nazista. É como se você fosse debater a escravidão e chamar o descontente com a lei áurea. (…) Isso mudou. Essa mesa é a prova disso. Os dois ladismos finalmente acabaram na universidade”, comemora Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL).
“No país do genocídio, ganhou o Oscar”
“No Other Land” estreou e ganhou o filme de melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Berlim em fevereiro de 2024. Além do Oscar de Melhor Documentário, ele ganhou Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Documentário; Gotham Independent Film Award de Melhor Documentário; Prêmio Independent Spirit de Melhor Documentário; entre outros.

“Outra razão de felicidade é que esse documentário ganhou o Oscar e aqui alguns detalhes. Ele ganhou o Oscar em pleno genocídio e com toda a maquinaria nazista em operação dos Estados Unidos para impedir a narrativa palestina, ele venceu o Oscar. Segundo, venceu o Oscar também quebrando o degelo fazendo um degelo de muitos anos de uma produção iraniana. E aquele filme que foi levado ao Oscar para ser o grande campioníssimo sionista “O Brutalista”, aliás, o nome cabe em termos de genocídio, né? Foi uma piada.”, afirma Ualid Rabah, presidente da FEPAL.
O presidente ainda falou sobre a culpa dos Estados Unidos nesse conflito.
“A academia do país que promove o sionismo, esqueça Israel. Israel é uma PM com atenção matando gente desarmada. (…) No país do genocídio ganhou o Oscar”, reflete.
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira