SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
As cores verde e amarela vão rasgar o tapete vermelho do Festival de Cannes a partir desta terça-feira (13), quando a mais importante mostra de cinema do mundo dá início à sua 78ª edição. Não que o Brasil não fosse presença constante nas seleções de anos recentes -é que, agora, os brasileiros vão ocupar lugares inéditos e de prestígio na programação.
Confirmando o bom momento do nosso audiovisual, o país aparece pelo segundo ano consecutivo na corrida pela Palma de Ouro. Se no ano passado Karim Aînouz levou o Ceará à Croisette, com “Motel Destino”, agora Kleber Mendonça Filho sopra ares pernambucanos na avenida mais famosa da Riviera Francesa, com “O Agente Secreto”.
Mas se a aparição na mostra competitiva não é novidade, a escolha do Brasil como país homenageado do Mercado do Filme, seção do festival dedicada a negócios e promoção de parcerias, é o “crème de la crème” do que promete ser uma edição fértil para cineastas, roteiristas, produtores e distribuidores nacionais.
Na comitiva que desembarca em Cannes nesta semana estão Margareth Menezes e Joelma Gonzaga, ministra da Cultura e secretária do Audiovisual do governo Lula, respectivamente. Elas participarão de eventos e debates que visam trazer investimento para o cinema brasileiro e promover nossos filmes no exterior, em meio ao interesse renovado após o Oscar de “Ainda Estou Aqui” e o Urso de Prata de “O Último Azul”.
Na Quinzena dos Diretores, mostra paralela dedicada a um cinema de vanguarda e mais autoral, quatro curtas brasileiros darão o pontapé inicial na programação, sob a orientação de Aïnouz. “Ponto Cego”, “A Vaqueira, a Dançarina e o Porco”, “Como Ler o Vento” e “A Fera do Mangue” foram todos gravados no Ceará e são o que o cineasta chama de um ensaio -gravados em cinco dias e montados em outros cinco, com o intuito de virarem “cartões de visita”.
Assim, sua exibição em Cannes pretende atiçar o faro de produtores dispostos a bancar roteiros de longas-metragens que os diretores desses curtas levarão na mala. Aïnouz diz que sua entrada como uma espécie de produtor dos projetos vem do desejo de “passar o bastão”, de treinar uma nova geração de cineastas brasileiros.
Parte desta nova geração, Marianna Brennand, diretora de “Manas”, que chega aos cinemas nesta semana, será a primeira brasileira a receber o prêmio Talento Emergente, entregue pelo programa Women In Motion, parceiro do Festival de Cannes na promoção de vozes femininas.
A presença brasileira ainda se espraia pela Semana da Crítica, com “Samba Infinito”, e pela Um Certo Olhar, com a coprodução portuguesa “O Riso e a Faca”. No júri da Palma Queer, um dos principais troféus destinados a filmes LGBTQIA+ do mundo, Marcelo Caetano marca presença um ano depois de estrear “Baby” sob aplausos em Cannes.
“Estamos vivendo uma realidade muito mais desejada do que a de antes”, diz Mendonça Filho, sobre o momento de força do audiovisual, comparando-o a seis anos atrás, quando venceu o prêmio do júri de Cannes com “Bacurau”.
Antes, em 2016, ele e a equipe de “Aquarius” fizeram um protesto no tapete vermelho em meio ao desmonte do Ministério da Cultura, sob o governo de Michel Temer e logo após o impeachment de Dilma Rousseff.
“Me deu um orgulho grande de ter feito aquilo naquele momento. Mas estávamos em outra realidade e, curiosamente, os Estados Unidos hoje estão vivendo algo parecido com o que vivemos naquela época. O mundo está muito estranho”, diz ainda, dias após o anúncio do presidente Donald Trump de que taxaria produções filmadas fora dos Estados Unidos em 100%, num movimento visto como retaliação a uma indústria que, em grande parte, torceu contra a sua reeleição.
Em “O Agente Secreto”, Mendonça Filho retoma a parceria com sua mulher e produtora, Emilie Lesclaux, e inaugura uma com Wagner Moura. O ator encarna um professor que, numa fuga do passado, troca São Paulo por sua Recife natal, em meio ao clima de vigilância constante da militarizada década de 1970.
Além do trio, devem passar pelo tapete vermelho, no dia 18, Maria Fernanda Candido, Gabriel Leone, Thomas Aquino, Alice Carvalho e Isabél Zuaa, todos no elenco. Outros artistas brasileiros desfilarão pela Croisette, a convite de entidades e marcas, como Juliana Paes, Camila Queiroz e Juan Paiva, estes como representantes da patrocinadora Campari, que anualmente ergue um luxuoso lounge para recepcionar os espectadores das sessões de gala do festival.
Já Margareth Menezes levará uma comitiva com 65 representantes do audiovisual ao Festival de Cannes. É uma edição de recordes para o país, com um aumento de cerca de 50% na quantidade de profissionais brasileiros presentes no evento.
A sede do Ministério da Cultura no Mercado do Filme será o estande Cinema do Brasil, que ocupará uma área de 96 metros quadrados. Um segundo espaço, de 37 metros quadrados, é compartilhado pela Spcine e a RioFilme. Além deles, produtoras nacionais e outras organizações, como o Festival do Rio, também estarão presentes.
“Ter o Brasil como convidado de honra do maior encontro internacional de profissionais do cinema do mundo é histórico”, diz Menezes. “É um reconhecimento a todo o trabalho que tem sido feito no campo do cinema e do audiovisual no Brasil e alavanca o nosso mercado e nossas histórias para um dos holofotes mais importantes da indústria. Todos os olhos do cinema mundial estão voltados para o Brasil.”
A ampliação da participação brasileira acontece num contexto de celebração de dois séculos de relações diplomáticas entre o país e a França, uma de nossas grandes parceiras em coproduções para o cinema.
Karim Aïnouz faz coro a Menezes e diz que esta edição de Cannes é prova de que o cinema brasileiro está vivendo um auge, um momento “pulsante” após um período “de trevas”.
“Voltaram a olhar para o Brasil. Somos o grande tema do festival neste ano porque somos um agente importante neste mercado mundial. Estamos fazendo coisas que o resto do mundo não está”, diz ele. “Passamos por um acúmulo de presenças [em mostras e salas do mundo], num reconhecimento do potencial do cinema brasileiro.”