São Paulo, 8 – Nomes para papas sempre significam muito. Bento escolheu o seu pensando em “uma nova evangelização da Europa”, Francisco lembrou “dos pobres” e do ambiente, em sua escolha e seu pontificado. Já o nome Leão vai trazer uma série de indagações.
O antecessor, o papa Leão XIII, entrou para a história como o primeiro pontífice a abordar, em uma encíclica, a questão da crescente classe operária, dos direitos dos trabalhadores e da justiça social. O documento é considerado o marco inicial da Doutrina Social da Igreja – até então voltada só para questões teológicas.
A opção de ontem pode indicar uma preocupação do novo líder católico com a justiça social, problema que segue forte em um mundo convulsionado por crises migratória, climática e dúvidas sobre o avanço da inteligência artificial. Todos esses temas foram amplamente discutidos por Francisco e muitas vezes colocaram o argentino Jorge Bergoglio em confronto com lideranças globais, como o presidente Donald Trump (Estados Unidos) e o premiê Binyamin Netanyahu (Israel).
A encíclica Rerum Novarum, de 1891, tinha por objetivo reconciliar a classe trabalhadora com a Igreja, diante das mudanças sociais que varriam a Europa. A nova ordem econômica pós-Revolução Industrial resultara no crescimento de uma classe operária empobrecida que demonstrava crescente tendência socialista. Leão XIII teve o segundo papado mais longo da história, 25 anos, entre 1878 e 1903 – só superado, conforme a Tradição Católica, pelo apóstolo Pedro.
“Leão XIII foi o papa da passagem do século 19 para o século 20, época em que a Igreja estava sob ataque tanto dos liberais quanto dos socialistas”, afirma Rodrigo Coppe, coordenador do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-MG). “Ele marcou essa passagem da Igreja mais entrincheirada para uma igreja que dialoga com o povo”, acrescenta o professor.
CONTINUIDADE
Para os especialistas ouvidos pelo Estadão, Prevost tem perfil moderado e se espera um pontificado de continuidade, embora o novo papa tenha perfil menos carismático e midiático do que o de Francisco. Dessa forma, a adoção do nome de Leão XIII dialoga justamente com essa abertura da Igreja com a sociedade, em um período de grandes mudanças sociais.
O padre Anderson Pedrosa, reitor da PUC-RJ, concorda. “O papa Leão XIII é muito conhecido sobretudo por causa da encíclica sobre as transformações sociais e econômicas da Revolução Industrial (iniciada em meados do século 19). Acredito que a escolha do nome do novo papa esteja relacionada ao fato de que estamos na virada do século 20 para o 21 na Revolução Tecnológica.” No lugar das máquinas a vapor, as transformações agora se dão nas telas de smartphones e em telas que reproduzem os desafios da inteligência artificial.
Leão XIII, na época, também buscou aproximar a Igreja das questões contemporâneas, incentivando o estudo das ciências e a abertura ao pensamento filosófico moderno, sobretudo com a valorização de Tomás de Aquino como base para a teologia católica. Ele reafirmou a coexistência de ciência e religião, presente na doutrina eclesiástica. E abriu o Arquivo Secreto do Vaticano para pesquisadores qualificados, entre eles Ludwig von Pastor, um dos maiores historiadores do papado.
O pontífice do século 19 fundou de novo o Observatório do Vaticano “para que todos possam ver claramente que a Igreja e seus pastores não se opõem à ciência verdadeira e sólida, seja humana ou divina, mas que a abraçam, incentivam e promovem ao máximo”. “O papa Leão XIII era muito atento ao Leste Europeu, às revoluções sociais. Acho que o novo papa vai avançar nessa direção”, afirmou o padre Marcial Maçaneiro, professor do curso de Teologia da PUC-PR. “Ele também foi responsável pela renovação do ensino católico.”
PAZ
O primeiro pontífice a escolher o nome de Leão foi um importante papa para o catolicismo, considerado “doutor da Igreja” pelo seu alto nível de conhecimento da doutrina cristã e pregação. Também é conhecido como um promotor da paz em um período de guerra na península italiana.
De origem italiana e eleito em 440, Leão I foi o 45º papa da Igreja Católica e teve um papado memorável a ponto de ser o primeiro sucessor de Pedro a receber o título de Magno (o Grande, em tradução livre) – o outro foi Gregório Magno. “Sustentador e promotor da Primazia de Roma, o ‘Pontífice Magno’ deixou para a história quase 100 sermões e cerca de 150 cartas, nos quais demonstra ser teólogo e pastor, zeloso com a comunhão entre as várias Igrejas, sem jamais esquecer as necessidades dos fiéis”, diz o Vatican News.
Ele teria incentivado obras de caridade em uma Roma “dominada pela escassez, pobreza, injustiças e superstições pagãs”. Além disso, guiou uma delegação de Roma para se encontrar com Átila, líder dos Hunos, e o dissuadiu a continuar a guerra de invasão da península italiana no ano de 452. (COLABOROU GIOVANNA CASTRO)
Estadão Conteúdo