Cerca de quase 300 mil mulheres vivem como mães solo no Distrito Federal, segundo dados da PDAD – Mulheres Arranjos Familiares, da Secretaria da Mulher do DF. Elas representam 19,1% dos arranjos familiares da capital, marcados pela ausência de um cônjuge ou companheiro.
Assim, essas mulheres enfrentam a rotina exaustiva de criar os filhos, sustentar a casa e, também a busca por preservar a própria identidade para além da maternidade. Entre jornadas duplas, falta de apoio e preconceitos enraizados, compartilham as dores e as potências de maternar em um país que ainda romantiza a sobrecarga feminina.
Em comemoração aos Dias das Mães para ampliar às vozes das mulheres que representam a realidade do Brasil, o Jornal de Brasília entrevistou três mães, três realidades mas todas com o mesmo propósito, o amor materno incondicional pelos filhos.
Mãe atípica
Aos 21 anos, Larissa Diniz de Sousa descobriu que seria mãe. Hoje, com 31 anos, é analista financeira e, na época, ainda financeiramente dependente dos pais, ela lembra que o impacto foi imediato e profundo. “Foi assustador. Me senti muito frustrada, pois pensei em tudo que havia planejado para minha vida e percebi que teria que rever tudo”, conta.
A gravidez não foi planejada e o pai da criança nunca demonstrou interesse em conhecer a filha. “Nós não tínhamos um relacionamento amoroso, era uma relação casual”, relata Larissa. Desde o início, ela assumiu sozinha a responsabilidade pela maternidade, tarefa que se intensificou com o diagnóstico de deficiência da filha, Maria Flor. “Além de ser mãe solo, sou mãe atípica solo e precisei aprender a maternar com uma criança com deficiência. São desafios e entregas.”
Com o tempo, Larissa desenvolveu estratégias para lidar com as exigências do dia a dia e aprendeu a não se cobrar tanto. “Entendi, depois de muitos anos, que sempre vai faltar algo e não posso me cobrar por isso.” Uma das formas que encontrou para reforçar o vínculo com a filha foi criar momentos significativos: “Sugiro um dia e ela escolhe alguma atividade. Realizamos juntas. Isso nos aproxima.”
O trabalho, além de garantir estabilidade financeira, também proporciona um bom plano de saúde e recursos para terapias e brinquedos adaptados. A rotina da filha inclui sessões diárias, sempre acompanhadas pelo avô materno. “Eles têm uma relação única. Costumo dizer que meu pai precisa mais da Maria Flor do que ela dele”, diz Larissa, emocionada. Já as consultas e exames médicos contam sempre com a presença da avó. “Pode parecer clichê, mas nós somos um time. Quando um não pode, o outro assume.”
Conciliar maternidade, carreira e vida pessoal não é tarefa simples. Larissa reconhece que, por vezes, é necessário abrir mão de algo. “É impossível dar conta de tudo. Em alguns momentos, é preciso renunciar, mas tento dar o melhor para que a maternidade prevaleça.” O trabalho flexível e o suporte familiar são fatores essenciais nessa equação. E, mesmo com tantas demandas, ela não deixa de cuidar de si. “Aprendi que também preciso ser prioridade. Faço terapia, pratico atividade física, saio sozinha, tenho amigos incríveis e cuido da minha vida espiritual, que é essencial.”
E finaliza com um conselho sincero: “Não se entregue e nem desanime. Busque apoio emocional e psicológico, se acolha. Entenda que não dá para resolver tudo de uma vez. E tudo bem, um ‘prato’ cair de vez em quando.”
Mãe aos 30 anos

Simone Côrtes e o filho Cauan
Simone Cortes, 49 anos, é professora e especialista em formação de docentes. Mãe do Cauã, de 18, ela encarou quase duas décadas de maternidade solo conciliando múltiplas jornadas, desafios financeiros e problemas de saúde do filho — sem abrir mão da carreira e do amor que a move como mãe, conta.
Aos 30 anos, realizou o desejo de ser mãe. “Foi uma gravidez planejada, desejada. Eu queria muito ser mãe e, aos 30, a gente ainda tem muita energia. Foi uma idade ótima, no momento certo da minha vida. Eu já era professora, foi tudo como eu queria mesmo”, conta.
Na época, Simone era noiva e o casal decidiu parar com os métodos contraceptivos. A gravidez veio mais rápido do que esperavam. Quatro anos depois, veio o divórcio e a rotina ganhou novos contornos. “Eu já cuidava da casa e dele, mas com a separação também me tornei a principal responsável pelo sustento. Tive que aumentar bastante a carga de trabalho remunerado”, conta.
Com 40 horas semanais em seu emprego principal, Simone assumiu um segundo trabalho remoto, que exigia entre 15 e 20 horas por semana. “Eu fazia esse trabalho depois de colocar o Cauã para dormir. Dormia muito pouco e vivia absolutamente exaurida”, conta.
A exaustão era agravada pela ausência de tempo livre. “Final de semana também era com ele, precisava passear, estar junto. Eu não existia como mulher naquele período, só como mãe e trabalhadora”, conta.
Os anos seguintes trouxeram ainda mais desafios. Cauã enfrentou sérios problemas de saúde durante a adolescência. “Foram muitos anos de dificuldades. Só agora, em 2025, com ele já com 18 anos, é que começo a sentir uma melhora na sobrecarga”, conclui.
Simone tem uma família numerosa, mas os irmãos, também com filhos pequenos à época, não puderam oferecer muito apoio. “Minha rede real foram meus pais. Eles ainda tinham disposição quando Cauã era criança e me ajudaram muito. Agora estão mais velhos, mas foram fundamentais”, conta.
Apesar de tudo, Simone manteve sua atuação na área da educação. “O cansaço e a culpa fazem parte. As mães vivem isso o tempo todo. Mas vale muito a pena investir na vida dos nossos filhos. Quando passa, a gente olha pra trás e diz: ‘eu fiz um bom trabalho’”, conclui.
Sonho de ser mãe
Ana Paula Costa, 30 anos, sempre desejou ser mãe. O sonho, no entanto, não aconteceu da forma como ela imaginava. “Eu sempre quis ter uma filha, mas sempre pensei nisso acontecendo dentro de um casamento, de uma família tradicional. Quando descobri a gravidez aos 22 anos, foi um susto”, conta Ana Paula, mãe da pequena Ana Laura, hoje com 7 anos.
A notícia pegou de surpresa uma jovem que ainda estava terminando a faculdade de Recursos Humanos. A gestação, não planejada, chegou em meio a um contexto delicado. “Eu não sabia como contar para minha família, porque eles são conservadores. Foi a minha madrinha que me ajudou a conversar com meus pais”, lembra. Depois do susto inicial, ela encontrou apoio principalmente na mãe e em outros familiares.
Maior que o nervosismo de se tornar mãe solo, porém, veio o medo. Durante a gestação, Ana Paula enfrentou ameaças do suposto pai da criança, que estudava na mesma universidade. “Ele me ameaçou a gravidez inteira, mesmo não sendo de fato o pai da minha filha. Por conta disso, tive deslocamento de placenta e uma depressão gestacional muito pesada”, recorda. Ana precisava conciliar exames, o final da graduação e a tensão psicológica causada por um relacionamento tóxico que nem chegou a se tornar vínculo afetivo.
“Eu não consegui curtir minha gravidez como a maioria das mães, só fui sentir um pouco mais de amor e paz nos últimos meses. Não tenho nenhuma foto durante a gestação, só já na reta final, com 8 ou 9 meses”, diz. Mesmo passando grande parte da gravidez afastada das aulas por complicações de saúde, ela conseguiu concluir o curso. “Quando ela nasceu, eu finalmente consegui aproveitar a maternidade. Eu tinha o apoio da minha mãe, que chegou a se afastar do trabalho para ficar comigo nos primeiros meses. Eu curtia mais ela fora da barriga do que quando estava na gestação.”
Eu não sei quem é o pai da minha filha
Tema delicado para muitas mães solos e realidade de milhares, assim como a de Ana Paulo, o abandono paterno é parte do cotidiano. “Eu não sei quem é o pai da Ana Laura. Fiz exame com duas pessoas e ambos deram negativo”, confessa. Independentemente disso, a presença masculina nunca fez falta nos primeiros anos.
“Quando o bebê é muito pequeno, tudo depende da gente. Na prática, ser mãe solo e ser mãe ‘acompanhada’ é praticamente igual. Eu sabia que teria que fazer tudo sozinha.” Hoje, porém, com uma filha mais velha e em idade escolar, os questionamentos surgem. “Ela já começa a sentir a ausência. Fala que os amigos têm pai e ela não, compara, fica pensativa… E isso me dói porque, por mais que eu esteja presente, é algo que eu não posso dar.”
Ainda assim, Ana Paula não se vitimiza. Mantém o sorriso e uma frase pronta para motivar outras mães na mesma condição: “A gente consegue, a gente é forte. Nós somos guerreiras”.
Esses histórias são alguns exemplos da maternidade brasileira, mães como Larissa, Simone, Ana Paula são encontradas em todas as cidades, porém muitas vezes permanecem invisíveis ao olhar da sociedade. São mães que educam, sustentam, acolhem e resistem — mesmo quando falta apoio, mesmo quando sobra cansaço. Elas não apenas criam filhos, mas constroem futuros. Em cada gesto de cuidado, em cada renúncia e conquista, reafirmam o poder de uma maternidade que, mesmo solitária, é profundamente transformadora.
As famílias monoparentais chefiadas por mulheres estão inseridas no Cadastro Único para programas sociais, segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF). Destas, 85,3 mil têm filhos entre 0 e 6 anos de idade. A pasta destaca que as mulheres nessa condição são priorizadas na concessão dos principais benefícios sociais do governo.
Entre os programas, o DF Social — que transfere R$ 100 mensais para famílias em situação de vulnerabilidade — atende atualmente 32,7 mil mães-solo. Já o Cartão Gás, auxílio de R$ 100 a cada dois meses para a compra de botijão de gás, contempla 30,8 mil dessas mulheres. No Cartão Prato Cheio, programa voltado à segurança alimentar que distribui nove parcelas de R$ 250, 20,6 mil mães-solo estão entre as beneficiárias.
O Governo do Distrito Federal oferece o projeto “Mães Mais que Especiais”, coordenado pela Secretaria da Mulher, com serviços gratuitos voltados a mães e cuidadoras de pessoas com deficiência, como forma de apoio e fortalecimento Em funcionamento por sete meses, o projeto atua em cinco eixos estratégicos:
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Saúde Integral: oferece atendimentos como terapia ocupacional individual ou em grupo, acompanhamento psicológico, sessões de musicoterapia, dança e ginástica, além de atendimentos odontológicos e ações voltadas à prevenção de doenças e violência de gênero.
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Autonomia Econômica: investe na capacitação profissional das mulheres por meio de oficinas e treinamentos em áreas como beleza, estética, massoterapia, redes sociais, informática e empreendedorismo. Também há cursos voltados para os filhos, como design gráfico, fotografia, auxiliar administrativo e logística.
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Educação, Cultura e Lazer: inclui espaços lúdicos e pedagógicos para os filhos, além de apresentações culturais.
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Desenvolvimento Social: oferece orientação jurídica e suporte sobre direitos previdenciários e políticas de assistência social.
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Informação: as participantes recebem materiais educativos e assistem a vídeos informativos sobre os programas e serviços públicos voltados às mulheres do DF.
As inscrições para participar das ações são gratuitas e podem ser realizadas pelo site oficial do projeto (www.maesmaisqueespeciais.com.
Próximas ações do projeto:
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São Sebastião: de 5 a 10 de maio de 2025, na Q.101 Conjunto 08 (ao lado da Administração Regional)
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Sol Nascente/Pôr do Sol: de 9 a 14 de junho de 2025, na SHSN VC 311, Trecho II (ao lado da Administração Regional)