Umi/dade

Walber Aguiar*

Chove

E meus olhos aqui

Encharcados de ti…

Ontem acordei de madrugada. Olhei a rua deserta, fria, completamente tomada pela força das águas. Vi também os insetos que voavam ao redor da luz do poste. Iam e vinham, conforme a força das asas e a vontade de se lançar ao vazio da claridade. Talvez viessem dos subterrâneos, do fundo da terra ou da solidão intensa de ser feliz, deixando-se acompanhar por outros insetos.

Fiquei ali, observando da sacada os pequeninos seres que rondavam a luz, que buscavam a claridade, que encontravam energia no calor da lâmpada. Também eu mergulhava no peito da vida, do amor de 2024, daquele amor quântico que, de um jeito ou de outro sempre existiu.

Era inverno. Era o tempo das águas, da umidade, de lançar poemas pela janela. 33 belos poemas de alegria, fascínio e paixão. Tempo de buscar o sentimento, o encanto da umidade no olhar, o desejo de estar debaixo das cobertas com a dona daquela pele macia, branca, reluzente.  Também de lembrar da noite chuvosa em que a coloquei debaixo do braço e consegui passar toda a ternura e segurança do mundo.

Assim, percebi que umidade vem de húmus, mesma raiz da palavra humildade. Da terra molhada o húmus se levantava, fecundando a vida. Em consequência o nascimento de um ser carregado de simplicidade, da vontade de se deixar regar pelo grande jardineiro do universo, enquanto gente ensinável, tratável, bem aventurada pela condição de alguém em formação, pois ninguém nasce pronto e acabado.

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Finalmente o inverno chegou com sua umidade, chuva, insetos em volta da lâmpada e a saudade daqueles dias de 2024, em que nos aquecíamos com graça, afeto e cobertas lambuzadas de líquidos os mais variados, de calor, sentimento e decisão.

Continuei ali, observando os insetos, em todo o seu vigor, grandeza e coragem; deixando os respingos da chuva molharem meus cabelos em crescimento. Entendendo, à semelhança de Gonzaguinha que ninguém é feliz sozinho, nem o pobre nem o rei.

Desejei naquele momento ter a coragem e a obstinação daqueles insetos em volta da lâmpada. Entendi que, à semelhança daqueles bichos voadores, que somos de uma extrema fragilidade, compreendi que intenso o amor e breve a vida.

Deitei, dormi, sonhei com chuva, tapioca de queijo coalho e carne seca, passeio de mãos dadas e aquela pele limpa, branca e reluzente…

*Poeta, historiador, professor de filosofia, mestre em Letras e membro da Academia Roraimense de Letras.

O post Umi/dade apareceu primeiro em Folha BV.

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