SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Uma cena chamou a atenção no primeiro dia do funeral do papa Francisco, nesta quarta-feira (23). Uma freira idosa, de estatura baixa e mochila nas costas, parada junto às cordas que cercam o caixão onde está o corpo do pontífice, na Basílica de São Pedro.
Seria uma despedida comum em um velório, não fossem os rígidos protocolos que cercam o ritual do líder católico.
A irmã franco-argentina Geneviève Jeanningros, 82, foi uma das primeiras pessoas a entrar na basílica e, ao passar pelo corpo de Francisco, saiu da fila e se deteve por alguns minutos, visivelmente emocionada e contrariando as regras. A Guarda Suíça Pontifícia, corpo de segurança do Vaticano responsável pela manutenção da ordem durante o velório, apenas observou a cena.
A freira se despedia de um amigo. Segundo a imprensa argentina, ela e o papa se falavam com frequência e, durante um período, chegaram a se encontrar durante as audiências gerais, às quartas-feiras. Com ela, costumavam ir as pessoas para as quais fazia trabalho voluntário na cidade de Óstia, perto de Roma.
Jeanningros vivia em uma caravana em um parque de diversões e ajudava pessoas em situação de rua, incluindo prostitutas e transexuais. “Eles o amam muito porque é a primeira vez que pessoas trans e gays são acolhidas por um Papa. Finalmente encontraram uma Igreja que foi ao seu encontro”, já afirmou ela, segundo o jornal espanhol El País.
Os laços entre os dois, porém, remontam à ditadura argentina. Jeanningros é sobrinha de Lèonie Duquet, freira francesa que vivia no país vizinho ao Brasil na década de 1970 e ajudava as Mães da Praça de Maio, que denunciavam desaparições causadas pelo regime.
Devido ao seu trabalho, Duquet foi presa e torturada em 1977 e desapareceu uma das histórias da ditadura que marcariam Jorge Mario Bergoglio, homem que viria a ser papa e que conhecia a freira. Foi Jeanningros quem teve a iniciativa de escrever ao Vaticano e contar quem era, dando início a uma nova amizade, de acordo com o El País.
Durante a pandemia, o grupo recebeu ajuda do Vaticano por meio do cardeal Konrad Krajewski, que chefia o Dicastério para o Serviço da Caridade da Igreja.
“É claro que os ajudamos. Essas pessoas são seres humanos que estavam com fome, e todos somos filhos de Deus”, afirmou Krajewski, segundo o jornal italiano Corriere della Sera, sobre críticas em relação à iniciativa. “‘Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei’, diz Jesus. Ele foi o primeiro a surpreender a todos, todos os dias. E escandalizou aqueles que não entendiam.”