Carta ao governo Lula pede que Brasil reconheça genocídio armênio

17454134906808e572ed725 1745413490 3x2 md

GIOVANA KEBIAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Uma carta da comunidade armênia enviada ao presidente Lula (PT) nesta quarta-feira (23) pede que o Estado brasileiro reconheça o genocídio de 1915. O documento foi entregue na véspera do aniversário de 110 anos do extermínio que matou mais de 1,5 milhão de pessoas.

“Tal medida honraria a memória das vítimas, fortaleceria os laços com a diáspora armênia e reafirmaria o papel do Brasil como defensor dos direitos humanos no cenário global”, destaca um trecho do documento assinado por intelectuais, advogados, procuradores e entidades armênias do país.

Pouco mais de 30 países reconhecem o genocídio armênio, entre eles, França, Alemanha, Argentina e Estados Unidos. Estima-se que mais de 1,5 milhão de armênios tenham sido assassinados entre 1915 e 1923 pelo antigo Império Otomano, que deu origem à Turquia.

Em nota à reportagem, a Embaixada da Turquia no Brasil afirmou que os eventos ocorridos durante o período não podem ser classificados de genocídio. Oficialmente, o país reconhece que houve entre 300 mil a 400 mil vítimas, mas diz que as mortes decorreram do contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

“Governos e parlamentos não devem tentar assumir o papel de historiadores ou do Judiciário, posicionando-se em debates históricos e aprovando leis ou resoluções que incriminem países terceiros na ausência de decisões de tribunais internacionais competentes”, diz a nota da embaixada.

“O Brasil tem uma tradição importante em órgãos multilaterais, de ser um agente pela paz, pela promoção da justiça entre os povos. O país vem reconhecendo genocídios na atualidade, está falando do genocídio em Gaza, então por que ignorar um genocídio que é parte da história de vários cidadãos brasileiros que migraram para cá?”, afirma a cientista social e antropóloga Mariana Boujikian, uma das articuladoras da carta à Presidência.

A Folha entrou em contato com o Palácio do Planalto e com o Ministério das Relações Exteriores, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.

Em 2015, o Senado aprovou uma moção que reconheceu, por unanimidade, a ocorrência do genocídio armênio. Mas nem o Poder Executivo nem o Itamaraty emitiram declarações em apoio à medida.

Segundo o historiador Heitor Loureiro, autor de “Genocídio Armênio: História e Disputas Políticas no Presente”, os interesses da política externa e das relações comerciais brasileiras com a Turquia são entraves ao reconhecimento. “O Brasil tem proximidade estratégica com a Turquia para a entrada em outros mercados, como o Oriente Médio e a Ásia”, explica.

Para Loureiro, o reconhecimento internacional do genocídio de 1915 não se limita a um ato simbólico e poderia ter efeitos para a Armênia no atual conflito com o Azerbaijão pelo enclave de Nagorno-Karabakh.

A região é alvo de disputas entre os dois países desde o final dos anos 1980, com o fim da União Soviética. O território, formado por população de maioria armênia, mas controlado pelo governo do Azerbaijão, declarou sua independência, com apoio de Ierevan.
“Se a Turquia, principal aliada do Azerbaijão, fizesse algum tipo de justiça histórica, então, os azeris poderiam se sentir pressionados a também fazerem algo no conflito por Nagorno-Karabakh”, avalia.

Em março, Armênia e Azerbaijão anunciaram a conclusão de um tratado para encerrar quase quatro décadas de disputas pelo território. Mas ainda não há data para a assinatura do acordo de paz. Para oficializar o tratado, o Azerbaijão exigiu uma mudança na Constituição da Armênia relativa a menções à região de disputa e pediu um corredor de transporte para ligar seu território principal ao enclave de Nakhchivan, que faz fronteira com a Turquia.

Em entrevista recente à Folha, o ministro das Relações Exteriores da Armênia, Ararat Mirzoyan, classificou as condições impostas de artificiais.

Também em entrevista ao jornal, o representante da Presidência do Azerbaijão, o embaixador Elchin Amirbayov, disse que a qualificação dada pelo chanceler armênio era “injusta e não muito honesta”.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.