TULIO KRUSE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A facção criminosa paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) e a máfia italiana Ndrangheta que são parceiras no tráfico internacional de drogas são as duas organizações criminosas que mais se adaptaram ao uso de tecnologia digital para praticar crimes. A afirmação é do pesquisador e jornalista italiano Antonio Nicaso, professor da Queens University, no Canadá.
Entre os exemplos de crimes digitais cometidos pelas duas organizações para multiplicar seus lucros estão fraude ao sistema digital de um porto na Europa, uso de criptomoedas e fintechs para lavagem de dinheiro, e golpes virtuais que podem causar a ruína financeira de pessoas comuns.
“As duas organizações criminosas que mais se adaptaram e interagiram com as novas tecnologias são o Primeiro Comando da Capital e a Ndrangheta”, disse Nicaso à reportagem. “O genoma, o DNA da máfia está mudando, adaptando-se a um mundo em constante evolução. Hoje, é praticamente impossível ignorar o uso das novas tecnologias, da internet, das mensagens instantâneas e a inteligência artificial.”
O pesquisador alerta que, gradualmente, o recrutamento de hackers e profissionais de tecnologia da informação em geral se tornou uma regra nas maiores organizações criminosas do mundo.
Nicaso aborda essas transformações no estudo “O Desafio do Crime Organizado Híbrido”, publicado pelo think tank italiano Fondazione Magna Grecia. O pesquisador, que dirige o Centro de Pesquisas em Cibercrimes da entidade, deve apresentar o estudo na 12ª edição da Semana Internacional da Fondazione Magna Grecia, no Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (23).
No caso da Ndranghetta, um dos casos mais emblemáticos envolveu a invasão de computadores do porto da Antuérpia, na Bélgica, com acesso ao sistema de controle de contêineres. A intenção era evitar qualquer inspeção nos carregamentos que continham drogas, liberando-os para retirada pelos caminhoneiros que trabalhavam para a máfia.
“Esse é o jeito perfeito de lidar com o envio da cocaína, porque você não precisa subornar ninguém no porto”, ele diz. Segundo estudos coordenados por Nicaso, esse esquema foi descoberto pela polícia belga pela primeira vez em 2012, mas continua ocorrendo na Antuérpia e nos maiores portos europeus.
A influência da máfia da Calábria pode ter sido, inclusive, um dos motivos para que membros do PCC tenham investido nos últimos anos em criptomoedas e outros recursos digitais, como aplicativos de mensagens criptografados. A evidência está nos autos da Operação Polino, de novembro de 2018, que envolveu polícias de vários países europeus.
Entre as mensagens interceptadas no celular de um suspeito ligado à Ndranghetta, está o relato de que os italianos propuseram pagar por um carregamento de cocaína em bitcoins, mas os brasileiros recusaram e pediram pagamento em euros. “Alguns anos depois, a mesma organização, o PCC, compreendeu totalmente as oportunidades que as criptomoedas oferecem”, ressalta Nicaso.
O interesse de integrantes da facção criminosa paulista em bitcoins é conhecido principalmente pela morte de Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, que foi morto a tiros na zona leste de São Paulo em dezembro de 2021. A principal hipótese para o assassinato gira em torno dos investimentos dele em criptomoedas.
Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, morto no aeroporto internacional de São Paulo no ano passado, era acusado por integrantes da facção de ter desaparecido com US$ 100 milhões (R$ 547 milhões) repassados por Cara Preta para que ele investisse o valor em criptomoedas.
Durante a investigação do assassinato no aeroporto, a polícia também encontrou capturas de tela nos celulares dos suspeitos apontando que o pagamento aos executores do ataque pode ter ocorrido com a utilização da moeda digital Bitcoin.
Investigações policiais têm mostrado uma intensa relação comercial entre os dois grupos criminosos. A última delas foi a Operação Mafiusi, deflagrada no Brasil e na Itália simultaneamente. As investigações apontaram uma rede criminosa que operava principalmente por meio do Porto de Paranaguá, no Brasil, e com o uso de aeronaves privadas para o envio de cocaína.
“Vejo muitas semelhanças entre as duas organizações, a Ndrangheta e o PCC”, afirma o pesquisador italiano, especializado na máfia calabresa. As conexões vão da importância do Brasil para o fornecimento de drogas vendidas pela máfia em 1994, a primeira operação a ligar a Ndranghetta ao tráfico internacional de drogas indicou carregamentos de cocaína que saíam de Fortaleza, no Ceará à maneira como os dois grupos criminosos têm diversificado suas fontes de renda e suas estratégias.
“O Brasil sempre foi importante na história da Ndrangheta.”