Preço de metro quadrado NÃO PODE mensurar valor das pessoas

(Foto: Jean van der Meulen/ Pexels)

O orientador físico Vitor Medrado, 46, foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte) no entorno do Parque do Povo, Itaim Bibi, na Capital de São Paulo, quando praticava ciclismo, na quinta-feira, dia 13/02.

Expresso aqui meus sentimentos a familiares e amigos. Mesmo com experiência em circunstâncias parecidas, não posso imaginar a dor de quem era próximo da vítima (cada um/a processa de modo particular a sua dor, não é verdade? “O amor da vida”, como disse a viúva de Medrado, Jaqueline).

Aproveitando o ensejo, manifesto minha indignação contra o poder público, a sociedade e – de modo especial – à mídia.

Folha de S. Paulo – talvez o menos problemático dos jornalões brasileiros – estampa três imagens na edição de sexta (14.01), preenchendo quase um terço da primeira página para noticiar como Vitor Medrado teve sua vida ceifada.

Explorar de modo sensacionalista o fato para vender mais exemplares e propaganda (a Folha é uma empresa, não nos esqueçamos)? Hastear o estandarte pela paz do “outro lado da ponte”? Ou, quiçá, o jornal teve ambas as intenções?

Decerto, almejando mentes e corações, a mídia (não apenas a Folha), de fato,  

toca meu coração (porque a mim todas as vidas importam). Mas não invade meu cérebro a estratégia editorial do jornal.

Inaceitável – é pertinente ressaltar – o número de mortes não naturais no Brasil. Foram quase 500 [só de] homicídios no ano passado, apenas em São Paulo (o menor número entre as 27 unidades federadas).

Todavia, o peso dado a ocorrências fatais no Itaim Bibi ou em Pinheiros (como o caso de outro Vitor, o Rocha e Silva, 23, também de latrocínio, no final de janeiro deste ano) tem de ser banido – de imediato – dos manuais de redação da imprensa brasileira. Todas a vidas importam!

“Dois pesos, duas medidas” da mídia, infelizmente, não é novidade: no passado e no presente, a abordagem midiática difere conforme o CEP.

A Caminhada pela Paz, por exemplo, idealizada em 1996 na periferia paulistana (no chamado “triângulo da morte”, composto pelos bairros distritais Parque Santo Antônio, Capão Redondo e Jardim Ângela, o lugar mais violento do mundo à época) teve como um dos fatores motivadores a importância que a mídia – que tanto ignorava a violência contra a juventude preta e periférica – deu à morte de um jovem em Moema.

Como escreveu sarcasticamente Marcelino Freire, em Da Paz, texto encomendado (mas, conforme o autor, “covardemente” não publicado) pelo jornal O Estado de S. Paulo, que expressa a indignação periférica a respeito da distinção entre os corpos e os territórios.

– Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é.

Sem demagogia, é preciso tratar segurança pública como direito de todos, independentemente de seu estrato social, do CEP onde o delito ocorre (nenhum caso Vitor mencionado aqui repercutiria tanto se os endereços de seus óbitos fossem distintos).

PS: Quanto vale a vida de uma pessoa na periferia? é o título de uma postagem do coletivo independente de jornalismo Capão Atento denunciando a omissão do prefeito Ricardo Nunes ou do governador Tarcísio de Freitas em relação a Erick Silva, que desapareceu nas enchentes de 06.02 – sem nota, sem visita, sem valor.

É, enfim, sobre isso…

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Fábio Roberto Ferreira Barreto é professor da rede pública de ensino e Mestre em Literatura pela USP

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