Corte Interamericana de Direitos Humanos condena Brasil pela impunidade no caso de discriminação racial em processo seletivo

Em decisão histórica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado Brasileiro pela impunidade nos casos de discriminação racial contra Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, cometidas pela empresa Nipomed, em 1998. A sentença do órgão de justiça da Organização dos Estados Americanos (OEA), divulgada na última quinta-feira (20), determinou que o Brasil reconheça a responsabilidade, investigue os fatos, implemente medidas para evitar discriminação racial em contratações de trabalho, além de reparar as vítimas e realizar a coleta de dados sobre o acesso à justiça por grupos racialmente discriminados. O caso foi acompanhado pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e analisado pela ONG CRIOLA, para, posteriormente, propor protocolos de ação junto ao sistema de justiça brasileiro.

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Corte Interamericana de Direitos Humanos

A sentença da CIDH destacou que a discriminação racial estrutural no Brasil afeta o acesso à justiça, especialmente para mulheres negras. Mônica Sacramento, coordenadora programática da ONG CRIOLA, afirma que a sentença evidencia o quanto o racismo institucional afetou a integridade de Neusa e Gisele, sobretudo em suas trajetórias profissionais. “Seus efeitos são decorrentes da discriminação sofrida, o que em si já seria um grave crime, agravados pela revitimização a que foram submetidas durante os processos judiciais. Em 2024, identificamos um aumento significativo de mulheres negras, jovens e adultas, de diferentes categorias e ocupações profissionais que buscam o Programa de Suporte à Defensoras e Enfrentamento às Violências, realizado por CRIOLA, recebendo denúncias e orientando vítimas sobre situações de violência racial e de gênero no ambiente de trabalho”, destaca Mônica.

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ONG Criola é uma organização da sociedade civil com 30 anos de trajetória na defesa e promoção dos diretos das mulheres negras

Para Thula Pires, associada à ONG CRIOLA, perita no acompanhamento do caso e professora de direito na PUC-RIO, a decisão da CIDH é emblemática por reconhecer que os atos e omissões das autoridades judiciais quanto à condução do processo reproduziram o racismo institucional. “As medidas indicadas têm sido objeto de disputa pelos movimentos negros e de mulheres negras há muito tempo, são absolutamente passíveis de serem implementadas e sua concretização garantirá o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e das instituições democráticas. Sua implementação demandará a vigilância permanente da sociedade civil, tanto em relação ao cumprimento dos prazos e ampla participação na formulação das políticas indicadas, quanto diante dos entraves que podem ser impostos por quem se beneficia com a perpetuação do racismo patriarcal cisheteronormativo”, disse.

Entenda o caso

Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes foram à empresa da área da saúde, Nipomed, se candidatar para vagas de emprego divulgadas no jornal Folha de S.Paulo, em 1998. A pessoa responsável pelo atendimento informou que as vagas já haviam sido preenchidas. No entanto, horas depois, uma mulher branca foi à mesma empresa candidatar-se, sendo contratada imediatamente.

Em 2007, a Justiça rejeitou a ação por reparação de danos, levando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a apresentar os casos à Corte, em 2021. Quando o processo foi arquivado, as vítimas não foram informadas pela justiça e, através do Geledés Instituto Mulher Negra, obtiveram a informação. Intimada a comparecer ao Fórum, Neusa procurou a sede do portal de notícias, quando soube que o Ministério Público havia apresentado a denúncia. Na ocasião, o veículo de comunicação tornou-se assistente de acusação da vítima.

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