Onda de calor no RS afeta rotina em Porto Alegre e vira disputa por volta às aulas

DOUGLAS GAVRAS
PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS)

“Quem disse que vendedor de picolé fica feliz no calorão? As pessoas têm medo de sair quando o sol está muito forte, aqui só deve ficar mais cheio lá para o fim da tarde. Está difícil até para mim”, conta Rogério Francisco, 53, enquanto descansa por alguns minutos em uma sombra do parque Farroupilha, em Porto Alegre.

Perto do meio-dia, quando os moradores da capital gaúcha se preparavam para o pico de temperatura de mais um dia sob a onda de calor que afeta o estado, o parque na região central da cidade estava praticamente vazio. Garis tentavam se proteger do sol sob as árvores ao lado do espelho d’água, funcionários que cuidam dos pedalinhos no lago do parque Redenção aproveitavam para descansar.

O porto-alegrense acordou nesta terça-feira (11) já esperando o dia mais quente desde o início da onda de calor, há pouco mais de uma semana. O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) prorrogou a duração do alerta para a tarde desta quarta (12).

Por volta das 15h30, o termômetro do instituto do Jardim Botânico, na capital, registrou 39,5°C, a temperatura mais alta de 2025. Até então, o recorde tinha sido na segunda-feira (10), com 37,9°C.

“Saí de casa para levar a minha filha para comprar um sapato para ir à escola, mas já me arrependi”, diz a dona de casa Eneida Lima, 42, enquanto espera por um carro na avenida Ipiranga. “Caminhar não dá.”

Sem ar-condicionado em casa, ela passou a colocar garrafas plásticas com gelo em frente ao ventilador.

Em outro quarteirão, um termômetro de rua marcava 43°C. “Só espero que o ar-condicionado do próximo ônibus esteja bom, o que eu peguei para vir para cá parecia um rádio velho, só fazia barulho”, diz o entregador Ronald Lima, 24.

No início da semana, o Inmet havia divulgado que a temperatura na cidade só deve começar a cair a partir desta quarta-feira, com a chega da chuva e possibilidade de trovoadas, baixando ainda mais na quinta-feira (13), quando a máxima deve ser de 27°C.

A prefeitura da capital publicou avisos alertando para as altas temperaturas nesta terça. Em estações do Trensurb (Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre), sinais sonoros também alertavam para os riscos da exposição ao sol.

“Há tanto tempo eu não entrava em uma agência bancária, faço tudo pelo aplicativo, mas vim por causa do ar-condicionado”, conta a atendente de farmácia Luciene Lins, 29, enquanto esperava o fim do horário de almoço em uma unidade do Banrisul no centro da cidade.

Algumas prefeituras do Rio Grande do Sul já tinham decidido adiar o início das aulas devido ao calor, e o calorão fez a Justiça suspender a volta às aulas na rede estadual, que estavam previstas para a segunda-feira (10), apontando que as escolas não tinham infraestrutura adequada, muitas delas não tinham ar-condicionado ou apenas um bebedouro.

A liminar adiou o início do ano letivo para 700 mil estudantes, em 2.320 escolas, e o pedido foi ajuizado pelo Cpers (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – Sindicato dos Trabalhadores em Educação).

Mãe de um estudante da escola estadual Protásio Alves, na Azenha, Marineide de Sousa, 57, ficou sabendo só na segunda-feira que as aulas tinham sido suspensas. “Decidiram no domingo e meu filho se aprontou para a aula, mas deu com a cara na porta. Acabou indo passar calor em casa”, conta.

Na tarde desta terça, o desembargador Eduardo Delgado, da 3ª Câmara Cível do TJRS, reconsiderou a liminar dada no domingo (9), revertendo a suspensão e pontuando que não cabia intervenção judicial nesse caso. O magistrado atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral do Estado.

O governo gaúcho anunciou que as aulas vão voltar na quinta-feira (13). “A gente só não volta às aulas na quarta-feira porque há um processo de remobilização, transporte escolar que é garantido pelas prefeituras, as equipes diretivas, com os professores, até para que essa informação se dissemine”, disse em vídeo divulgado nas redes sociais o governador do estado, Eduardo Leite (PSDB).

Segundo o governo estadual, de 2019 até o momento foram destinados R$ 840,6 milhões para a recuperação da infraestrutura das escolas estaduais, entre obras fiscalizadas pela Secretaria de Obras Públicas e recursos do programa Agiliza Educação que a Secretaria da Educação direciona para problemas pontuais que não exigem grandes intervenções.

À Folha de S.Paulo Rosane Zan, presidente do Cpers, disse que a entidade já esperava que o governo recorresse, mas continuará denunciando o problema da falta de estrutura das escolas no estado.

A categoria, na avaliação de Zan, pode considerar uma vitória ter colocado em debate nacional os efeitos da crise climática na rotina de professores, alunos e funcionários de escolas.

“Temos vivido situações extremas, principalmente desde a enchente, com escolas da rede estadual enfrentando vários problemas. Das mais de 2.300 escolas, só 633 que teriam uma condição de receber os alunos com a onda de calor.”

Em relação aos recursos divulgados pelo governo estadual para escolas, a representante da entidade diz que há relatos de diretoras que receberam os valores, mas que eles foram destinados à medidas emergenciais, como a troca de uma porta que está por cair ou ajustes feitos nas escolas.

“Para colocar ar-condicionado tem que mudar a rede elétrica, a grande maioria não tem sustentação. Muitas escolas estão instaladas em edifícios antigos e o recurso não é suficiente.”

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