‘Conclave’ mira o Oscar com thriller sobre politicagem e hipocrisia no Vaticano

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LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Expelida lentamente pela chaminé da Capela Sistina, a fumaça que atualiza os fiéis sobre o andamento da escolha de um novo papa é o único vislumbre que temos da reunião sigilosa que reúne cardeais da Igreja Católica sempre que um pontífice morre ou renuncia.

Foi por interesse nos pormenores deste encontro a portas fechadas que o autor britânico Robert Harris escreveu “Conclave” há nove anos e que o cineasta alemão Edward Berger dirigiu o filme de mesmo nome, que chega nesta semana aos cinemas brasileiros.

A trama beatifica a politicagem ao levar para o Vaticano um universo sustentado por lobby, manobras, promessas e segredos. Como num intrincado jogo de xadrez, os clérigos em cena levam a polarização do mundo exterior à Basílica de São Pedro, enquanto tentam emplacar um candidato ou outro ao papado.

Nem sempre as peças são jogadas com destreza, porém. Há muita sujeira e hipocrisia em campanhas mais interessadas em desmoralizar adversários do que em apresentar planos. Como num Donald Trump versus Joe Biden ou Jair Bolsonaro versus Lula, alas diametralmente opostas se enfrentam ferozmente mas entram no jogo uma da outra quando convém.

“Qualquer religião tem a sua história entrelaçada à política. Neste filme, você pode ver nesses clérigos o reflexo dos nossos partidos políticos. Há diferentes interesses e visões, apesar de todos seguirem os mesmo princípios”, diz o ator Carlos Diehz.

Seu personagem, Benitez, é um misterioso cardeal mexicano, apontado em segredo pelo papa morto recentemente para comandar uma missão em Cabul, no Afeganistão. Sua chegada ao conclave gera dúvidas sobre a veracidade de seu relato e a sanidade do ex-pontífice, que não contou a ninguém os motivos para nomear um clérigo sem renome ou influência para uma posição tão delicada.

O cardeal Thomas Lawrence, personagem de Ralph Fiennes, hesita a princípio, mas anuncia a entrada do forasteiro na corrida eleitoral todos ali podem ser votados, queiram eles ou não. Próximo do papa morto recentemente, o inglês quer uma Igreja aberta a mudanças, com um discurso menos abrasivo em relação aos homossexuais e investigações robustas de crimes como os de pedofilia.

Seu candidato é o cardeal Bellini, vivido por Stanley Tucci, que logo no começo faz uma concessão importante ao abandonar a intenção de dar mais poder às mulheres na Igreja Católica. Elas são onipresentes naquele conclave, mas sempre num papel de submissão e silêncio, exceto quando Isabella Rossellini chega para roubar a cena como a irmã Agnes.

Lawrence e Bellini querem reforma, mas para isso eles precisam vencer a trinca conservadora formada pelo americano Tremblay, o italiano Tedesco e o nigeriano Adeyemi, em rota para se tornar o primeiro papa negro embora mais reacionário que a maioria ali reunida.

No conclave, um papa só é eleito depois que dois terços dos cerca de cem cardeais chegam a um nome em comum. Quando os números não batem, eles voltam ao isolamento para repensar seus candidatos, enquanto a chaminé da Capela Sistina expele uma fumaça escura.

Para garantir que a história seguisse os protocolos, Harris, ao escrever o livro, e Berger, ao dirigir o filme, se cercaram de consultores, em especial professores de universidades católicas de Roma. Sempre que uma situação inesperada ameaçava o conclave, especialistas entravam em cena para opinar.

Na trama, as campanhas políticas armadas pelos postulantes são chacoalhadas por acusações de quebra do celibato, artimanhas políticas para puxar o tapete dos colegas e pela inesperada entrada de Benítez e Lawrence no páreo. Mesmo sem pedir votos, eles são vistos como uma opção estável num momento de crise na fé católica.

“Há um jogo de interesses que questiona o que valida uma pessoa, mesmo que repleta de falhas, a ocupar uma posição como o papado. Se você abraçar os seus pecados, mas ainda assim estiver comprometido com o bem-estar da sua comunidade, isso te desqualifica, de alguma forma? Nós não sabemos, mas esta é a pergunta que o filme faz”, diz Diehz.

Construído como um thriller político, o filme de Berger tensiona o espectador com seus personagens desprezíveis, a influência de um mundo exterior radicalizado e as feridas de uma Igreja Católica desunida e debilitada, envolta numa história de crimes e abuso de poder.

“Nenhum homem são quer o papado”, admite um dos personagens a certa altura, mostrando os perigos que vêm com o cargo –sejam eles causados por fatores externos ou gestados no âmago do próprio ocupante do trono papal.

Como em seu filme anterior, Berger preza pelo apuro técnico, o que ajudou a catapultar “Conclave” na campanha pelo Oscar. Ele é hoje um dos principais candidatos em diversas categorias, de montagem a melhor filme, e deve repetir o prêmio que levou no Globo de Ouro no dia 2 de março, arrematando melhor roteiro adaptado.

A câmera muitas vezes deixa os cardeais distantes, como pequenos pontos vermelhos oprimidos tanto pela riqueza arquitetônica da basílica, quanto pela presença sufocante do divino. Obras renascentistas e adornos em ouro lembram o espectador que aquela ainda é, apesar de suas crises e de um mundo em transformação, uma instituição poderosíssima.

Diretor da versão de três anos atrás de “Nada de Novo no Front”, que levou quatro estatuetas do Oscar para casa, Berger mais uma vez constrói uma história intrinsecamente europeia, mas que em suas críticas sociais a aproxima de temas universais. Aqui, os podres poderes da Igreja levantam debates sobre moralidade, lealdade, idealismo e, claro, fé.

Criado católico, Diehz não acha que “Conclave” seja uma espécie de testamento do que um dia foi a Igreja, em toda a sua grandiosidade e exuberância. O filme representa o que a instituição ainda é, e acredita que há soluções no horizonte.

“Já tivemos São Francisco e Santo Inácio de Loyola, que em momentos de crise foram responsáveis por grandes reformas. Meu personagem, Benítez, é como eles. São figuras que mostram que os idealistas, aqueles leais a seus valores, ainda estão na Igreja, apesar de tudo.”

CONCLAVE

  • Quando: Estreia nesta quinta (23), nos cinemas
  • Classificação: 12 anos
  • Elenco: Ralph Fiennes, Stanley Tucci e Isabella Rossellini
  • Produção: Reino Unido, EUA, 2024
  • Direção: Edward Berger

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