Propagar o “fim do mundo” no jornalismo não é um problema

(Imagem: Gerd Altmann/Pixabay)

Sim. Propagar o fim do mundo no jornalismo não é um problema. Talvez, acreditamos, seja a solução necessária para a sociedade em transição. Embora o argumento esteja na contramão de algumas pesquisas em jornalismo, argumentamos que a mudança de paradigma só é possível quando espaços para imaginação são criados. Se apreendemos o jornalismo como uma forma social de conhecimento, então as notícias apresentam um potencial próprio para que tais espaços sejam fomentados no debate público.

Adotemos como exemplo uma manchete que, embora tenha ganhado certo destaque na mídia, não tomou a proporção social necessária. De acordo com o Centro Europeu Copernicus, 2024 foi o primeiro da história a ultrapassar a marca de 1,5°C de aquecimento. Dos vários direcionamentos possíveis das notícias, muitas discursivizavam que os índices apontam um sério risco para os mundos que (co)existem neste planeta. Além disso, relações entre os eventos climáticos extremos também ressaltam a gravidade da questão.

Em uma análise inicial, o discurso noticioso parece distorcer a percepção pública sobre a emergência climática que vivenciamos. Se já ultrapassamos o limite crítico do aquecimento no planeta, não haveria muito o que fazer. Com uma pitada de fatalismo climático, se vai acontecer de qualquer forma, não há como ou porque adotarmos outra perspectiva para a nossa existência coletiva. O fim do mundo é irreversível e o ponto ao qual chegaremos independentemente do caminho escolhido.

Se esse for o conhecimento social sobre o clima gerado pela notícia, então os espaços imaginativos estão fadados ao fim. Não haveria saída para nossa existência, assim como não há formas de pensar, de idealizar e de concretizar novas relações entre humanos e não-humanos. E é aqui que a nossa interpretação se insere: nesse local entre o fim fatalístico e a filosofia não-determinista que o jornalismo carrega em si. No colapso que cria o discurso noticioso, ou seja, na escolha que a/o jornalista faz para contar os acontecimentos climáticos é que o fim do mundo se torna o aliado para a transição social.

O problema não é divulgar o fim do mundo como uma consequência inevitável do presente. Ele é. Se o presente neoliberal for atualizado como futuro, não haverá outro horizonte que não a catástrofe estabelecida. E aqui é importante lembrar que, por definição, o futuro é aquilo que vem depois do presente de forma consequencial. Se alterarmos o que vem no presente, se manifesta o porvir.

A questão que propomos não consiste em apontar o fim do mundo nas notícias como o problema nessa relação, mas sim a questão de interditar o pensamento de caminhos outros para a sociedade. Narrar que o avanço do nível crítico de aquecimento aconteceu não precisa ser compreendido como um problema discursivo. Entretanto, quando se impossibilita o pensamento do Outro – de um caminho diferente a ser seguido –, como se essa ultrapassagem fosse irreparável, o jornalismo manifesta a sua maior arma contra a sociedade. Sem criar espaços para o pensamento, não há esperanças para adiar o fim do mundo.

Se o jornalismo for capaz de resgatar a sua filosofia, promovendo o conhecimento social sobre como agir frente à emergência climática, então divulgar, em notícias e reportagens, esse fim do mundo pode adiar o ponto final. Pois somente o fim dá significado às ações presentes, e não se trata de estabelecer pânico moral, mas de estabelecer o jornalismo no futuro e forçar as pessoas a pensar alternativas no presente para mudar a atualização do hoje.

Vilém Flusser, em sua teoria, escreve que a comunicação é o artifício contra a solidão da morte e que é um processo que vai contra a tendência geral da natureza à entropia. O que significa, então, que é pelo compartilhamento de ideias que organizamos a realidade ao nosso redor, esquecendo o que está posto e adiando o que está estabelecido. Pela comunicação, nos posicionamos contra um fim imposto e inevitável. Notícias que colocam o fim do mundo como determinado não propagam o pânico moral, mas nos chocam com o inevitável desse presente.

É aqui que queremos chegar. Pela notícia sobre o fim do mundo, podemos repensar os caminhos do presente para findar com a atualização do que está provisoriamente posto. Quando compartilhamos notícias sobre os limites climáticos que estamos ultrapassando, os eventos em proporções que desconhecemos ou sobre as políticas antiambientalistas que agravam nossa situação neste planeta, estamos olhando para uma sublimidade que tendemos a ignorar.

Pense na notícia como uma obra de arte. Para a estética de Kant, uma obra de arte que desperta o belo promove um sentimento de prazer que é, em certa medida, desinteressado. Ao lado do belo, temos o sublime: um estado de agitação do ânimo despertando ao mesmo tempo prazer e desprazer; medo e fascinação. Para Edmund Burke, o sublime é uma mistura de terror, assombro e alívio.

Então, as notícias que mostram as mudanças climáticas como possibilidade podem ser belas. As notícias com um fim do mundo determinado são sublimes. Se somos confrontados pela imprensa com um fim que parece inevitável, inconsciente ou conscientemente queremos agir contra isso. O fim do mundo pode – e deveria – nos assombrar e dar medo, mas também oferecer o alívio de não “ser” no agora. Contemplar o discurso sobre o fim do mundo pelo jornalismo é reconhecer a comunicação como instrumento de liberdade para mudança: atuar no esquecimento do hoje e dar abertura ao porvir.

Por isso, o problema não é propagar o fim do mundo no jornalismo, mas ignorar, nas notícias sobre um fim determinado, o potencial de liberdade que o jornalismo pode promover na sociedade. Propagar o fim do mundo é dar vazão à imaginação. O que devemos nos perguntar sobre um possível problema é se essas notícias estão colocando o futuro como um fim determinado no presente – isto é, apenas podemos olhar para o que vai acontecer – ou se estão se posicionando no futuro para abrir caminhos presentes para o porvir.

É preciso reconhecer os mecanismos de atualização do presente para agir enquanto ainda há tempo. Resgatar o jornalismo não-determinista, que reprove o fim estabelecido e incentive espaços para encerrar o futuro em prol do novo. Assim como Krenak, buscar um discurso jornalístico que adie os fins dos mundos achando tempo para outras histórias.

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Wellington Felipe Hack é Jornalista e Mestre em Comunicação (UFSM), estudante de Filosofia.

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