Milhares de sul-coreanos celebram impeachment com k-pop e até samba nas ruas

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CARLOS GORITO
SEUL, COREIA DO SUL (FOLHAPRESS)

Coreografias de k-pop e até uma batucada ao estilo brasileiro. Assim os sul-coreanos celebraram a aprovação pela Assembleia Nacional, neste sábado (14), do impeachment do presidente Yoon Suk Yeol. A mobilização popular foi fundamental para pressionar os parlamentares do partido governista a votarem pelo impedimento –foram 12 dissidências, 4 votos a mais do que o necessário para o processo.

Nem o frio de dois graus ou as restrições no acesso ao metrô afastaram os manifestantes –mais de dois milhões de pessoas ocuparam as avenidas próximas à Assembleia para acompanhar a votação, de acordo com grupos que organizaram os atos. A polícia não havia divulgado estimativas de público.

A aprovação, pouco depois das 17h no horário local (5h em Brasília), foi acompanhada de comemorações dignas de uma Copa do Mundo –pulos, gritos de guerra, abraços e também lágrimas, de alegria e de alívio, depois de 11 dias de tensão após a surpreendente declaração da lei marcial, no último dia 3.

A celebração teve todas as características de um grande festival. Músicas pop, coreografias e principalmente as características varinhas de LED, que coloriram a capital coreana. Algumas eram identificadas com nomes de grupos famosos, incluindo EXO ou BTS, enquanto outras foram adaptadas com as duas sílabas mais pronunciadas nos últimos dias: “tan ek”, impeachment em coreano.

Às varinhas juntaram-se milhares de bandeiras identificando grupos curiosos, caso da “União Nacional dos não sorteados com ingressos para shows de K-pop” ou a “Associação Nacional dos Milesians”, um personagem de um famoso game local.

“É uma cultura de protesto que surgiu em reação às críticas conservadoras durante o impeachment de 2017 [da então presidente Park Geun-hye] e que se expandiu”, disse Bae Dong-il, ativista político de 35 anos, ele mesmo líder da fictícia “Associação dos Consumidores que Consomem”. Uma vara em especial chamava a atenção dos manifestantes, que pediam fotos: nela, havia um javali de pelúcia pendurado, animal que faria referência a Yoon.

“Trouxe toda a minha família de Incheon para cá, para pegar esse javali”, disse Do, empresário de 57 anos, fornecendo só o sobrenome, como muitos preferem, por receio de represálias. “Só não veio minha filha que estuda nos Estados Unidos. Mas estou aqui representando ela. Prometi que ia ter sucesso na caça –aqui está”, apontando para o boneco. É comum que javalis sejam identificados em centros urbanos coreanos durante o inverno, gerando grandes transtornos para a população local.

A multidão erguia as varinhas e balançava as bandeiras a cada discurso de lideranças do Partido Democrático, da oposição, intercalado com músicas k-pop. A programação se encerrou com um discurso emocionado do líder da oposição e virtual candidato à Presidência, Lee Jae-myung. “Vamos construir juntos uma República que seja verdadeiramente democrática”, afirmou, para delírio da plateia que gritava seu nome e também palavras de ordem, como “prendam Yoon Suk Yeol”.

Às 19h30 no horário local, o presidente Yoon teve suspensas suas funções de Chefe de Estado, que passaram a ser de competência do primeiro-ministro. O processo segue, agora, para o julgamento da Corte Constitucional, que deverá referendar o impeachment e convocar novas eleições em até 180 dias –há expectativa de que o processo seja mais breve.

Era a notícia que os manifestantes esperavam para voltar para casa. “Semana passada e ontem muitos dormiram aqui na frente da Assembleia. Mas, hoje, a missão foi cumprida. A última noite em que Yoon poderia reagir já passou. Agora ele não pode fazer mais nada. Devo ficar até o último ônibus, mas hoje é dia de ir para casa”, disse Bae Dong-il.

E assim foi –por volta das 20h, o trânsito nas ruas próximas ao Parlamento reabria e a maioria dos manifestantes já consultava as edições extras dos grandes jornais coreanos, distribuídas gratuitamente no metrô. No caminho, surpresa– a inconfundível batida do bumbo. Era um grupo coreano de samba, desfilando em meio aos manifestantes, envolvendo o público que vibrava a cada apito do mestre coreano.

O samba terminava, mas já estava marcado o dia do próximo encontro, no próximo sábado (21), na região de Gwanghwamun. “Agora, precisamos pressionar o tribunal a acelerar o processo. Vamos mudar a manifestação de endereço, mas o espírito continua o mesmo. Afinal, lá é um lugar iluminado, não é mesmo?”, disse o mestre do grupo, que não quis se identificar, em referência à palavra Gwanghwamun, “luz que ilumina”, nome do maior portão do antigo palácio real coreano e também da praça na região central da cidade.

Foi também em Gwanghwamun que opositores do impeachment se reuniram para torcer contra a medida. Às 21h, porém, restavam poucos manifestantes. O clima era de fim de festa –toda a estrutura montada, com cadeiras individuais e dois palcos, e que chegou a ocupar três pistas da avenida Sejong, no centro da capital, já havia sido retirada. Restava, porém, um grupo pequeno, mas ruidoso.

“Quem com impeachment fere, com impeachment será destruído”, dizia uma projeção em uma escadaria localizada na praça, acompanhada de bandeiras dos Estados Unidos e de imagens de figuras associadas ao conservadorismo coreano, caso dos ex-presidentes Syngman Rhee, Park Chunghee e Park Geun-hye, esta alvo de impeachment em 2017.

Ao microfone, críticas à China e a uma eventual reaproximação com Pequim, que havia perdido importância, em favor de Tóquio, na política externa do governo Yoon. Apesar do grande fluxo de pessoas na praça, que visitavam uma feira de Natal próxima, eram mais numerosos os tripés com celulares transmitindo a manifestação ao vivo pelas redes do que interessados no discurso.

Às 22h, em frente à Corte Constitucional, uma solitária manifestante mantinha sua lanterna acesa. Park Da-hye, assistente administrativa de 26 anos, veio da cidade de Daejeon, a 2h30 ao sul de Seul, para participar dos protestos de hoje.

“Tenho medo de multidões, então decidi acompanhar a votação do impeachment em outro bairro, mais calmo. Mas logo que acabou, vim direto para a Corte Constitucional. Já tinha o plano de passar a noite aqui se fosse aprovado na Assembleia –é meu jeito de apoiar a democracia e torcer para uma solução mais rápida”, disse. Mas não será cansativo passar a noite no frio? “O mais importante é estar aqui hoje.

Tirei até folga no trabalho. Meu dia de descanso será na segunda.”

Em frente à Assembleia, alguns poucos manifestantes aproveitavam os últimos minutos da data histórica no paós. Às 23h30, Im Jun Yeol, líder comunitário de 44 anos, chegava de bicicleta aos portões do Parlamento

“Semana passada estive aqui o dia todo, durante a primeira moção de impeachment. Mas não foi aprovada. Hoje, tinha um compromisso de tarde, então não pude vir naquele horário. Mas prometi a mim mesmo que viria depois do jantar –mesmo que fosse de bicicleta.”

Ele pedalou 4 km desde o bairro de Sinchon, ao norte do Rio Han, que corta Seul. “Estive aqui quando estava no ensino médio para ver a posse do presidente Kim Dae Jung (1997-2002), o primeiro presidente progressista da Coreia. Ainda lembro da emoção daquele momento. Não sabia o que estava acontecendo, mas tinha muita esperança. Hoje, revivi aquela emoção.

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