Superstições dos pescadores vão além da sexta-feira 13

“No creo en brujas, pero que las hay, las hay”. Por incrível que pareça, em pleno século XXI, muitos ainda acreditam nesse ditado quixotesco que ganhou o mundo na literatura de Miguel de Cervantes. E para a comunidade pesqueira, o dia 13 nem precisa cair numa sexta-feira. A Sexta-feira Santa, por exemplo, é muito mais temida pelos velhos lobos do mar, embora uma simples premonição já seja encarada como um sinal de mau agouro. 

Aldete, ou Déte, como é conhecida entre as famílias de pescadores, que o diga. Ela lembra de ter ouvido de antepassados histórias de muitos homens que acordaram com uma premonições, foram para o mar e acabaram não retornando. “Mas na Sexta-feira Santa ninguém aqui de casa sai para pescar, de jeito nenhum”, destaca. 

Com relação às sextas-feiras 13, Déte diz não ver impedimento. “Apenas reforço minhas orações, que faço todos os dias, para São Paulo”, pontua. A família tem um barco de pesca artesanal e seu marido e dois filhos são pescadores. É a pesca que garante a subsistência da família. 

Para os pescadores, que ainda guardam algumas das superstições seguidas por seus antepassados, a Sexta-feira Santa é o dia mais temido

Histórias de família

Fabiano Veloso é neto e filho de pescadores e também se aventura no mar ocasionalmente. Ele cresceu ouvindo as superstições, muitas que hoje nem existem mais, e também as histórias de sua avó que reúnem assombrações, presságios e tragédias com aqueles que não seguiram seus instintos e se aventuraram no mar. 

“Se o pescador for para o mar com a sensação de que não é pra ir, com certeza vai ficar à deriva ou, em vários casos, pode nem voltar, como ouvimos relatos contados por algumas viúvas”, diz Fabiano. Ele também acrescenta que a Sexta-feira Santa nunca é um bom dia para os pescadores saírem para o mar. “Acontece um saragaço, o barco quebra ou, na melhor das hipóteses, não dá peixe”. Fabiano diz que também sempre há um ou outro pescador que não sai para pescar em nenhuma sexta-feira 13.

Já o pescador Renato Passos, de Navegantes, diz que a realidade da pesca hoje não dá mais espaço para superstições e que a única ainda é preservada é a Sexta Feira Santa. “Antigamente o pescador não levava banana no barco porque trazia más energias, mulheres grávidas ou menstruadas não podiam passar próximo às redes porque os equipamentos poderiam sofrer avarias no mar ou não daria peixe. Hoje não é mais assim”, destaca Renato.

No entanto, o pescador deixa claro que não são as pessoas que deixaram de acreditar cegamente nas superstições, mas que a escassez de peixe e as adversidades climáticas não possibilitam que o pescador possa se dar ao luxo de ficar em casa. “Hoje se pesca pela manhã para comer à noite. Com o pouco peixe que tem dado, mais os longos períodos de defeso, se não pescarmos todos os dias passamos fome”, pontua. 

Herança dos colonizadores portugueses

Os colonizadores portugueses trouxeram as tradições da caça às baleias e depois da pesca para a costa brasileira, muitos dos petrechos que ainda são usados na pesca artesanal e, com elas, as crenças e superstições, muito presentes na Península Ibérica. 

O pesquisador, historiador e superintendente da Fundação Municipal Cultural de Penha Pichuco Santos, Eduardo João de Souza, o Bajara, diz que na questão das superstições, basicamente ainda existem muitas, que perduram pelo tempo, passadas através das gerações pelas famílias tradicionais. 

“Em relação ao mar, ao vento, à noite e ao dia, principalmente o homem do mar, o pescador, existe muita coisa ligada a uma ou outra tradição ou hábito dos portugueses, sejam eles açorianos ou não”, destaca o estudioso. Bajara acrescenta que a tradição pesqueira foi adotada pelos colonizadores cerca de 50 anos depois da chegada no Brasil, com o final da caça às baleias. 

Já a psicóloga Milena Béttega, de Navegantes, defende que as crenças são geralmente formadas pelas vivências e também pelos grupos nos quais estamos inseridos ou admiramos. “As superstições podem entrar nessa categoria, mas de fato, o contexto que a pessoa vive acaba influenciando mais”, pontua. 

Milena diz ainda que superstições podem funcionar como um efeito placebo. “No caso da sexta-feira 13, por exemplo, se a pessoa acreditar que as energias negativas rondam a data, ela pode ficar mais ansiosa ou estressada e gerar situações negativas. Mas reforço que não temos provas do nível de crença das pessoas em relação a isso”.

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