Tempos acelerados

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No cenário de sobressaltos que marca o mundo de hoje, acentuado pelo retorno de Donald Trump ao poder, certas tendências ganham força. Nesse tabuleiro instável, mais movido por impulsos do que por estratégia, um sistema de décadas parece se desmanchar no ar, enquanto o esboço de uma nova ordem segue indefinido.

Nesse fluxo incerto, avulta a ausência de lideranças capazes de indicar rumos e liderar pelo exemplo. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse papel coube, em grande parte, aos EUA, sob uma ordem liberal fundada na promessa de progresso e estabilidade, sustentada por regras compartilhadas e instituições legitimadas. Essa estrutura sobreviveu à Guerra Fria e a sucessivas crises, mas não saiu ilesa da primeira presidência de Trump, que acelerou um desgaste já em curso.

Seja o trumpismo uma inflexão temporária, seja sintoma de patologia duradoura, não se pode negar que seu retorno agravou a fragilização do multilateralismo. A retirada dos EUA do Acordo de Paris e da OMS, as ameaças à OTAN e as pressões sobre o Banco Mundial, o FMI e o BID, somadas ao desrespeito à OMC, voltam a minar os pilares da governança internacional, corroendo o papel dessas instituições na ordem global forjada após 1945.

Já em 2012, Ian Bremmer, do Eurasia Group, antecipava esse deslocamento ao cunhar a expressão “G-Zero” para descrever um mundo sem coordenação, onde predomina a lógica do cada um por si. Hoje, essa fragmentação se aprofunda: os polos tradicionais de liderança—EUA e Europa, antes firmes na aliança transatlântica—se afastam em meio a divergências crescentes, enquanto a Ásia, com a China no centro de um novo eixo de poder, ganha protagonismo em um contexto profundamente distinto.

No mundo “G-Zero”, a falta de liderança combina-se ao avanço do nacionalismo—do “America First” de Trump às políticas reindustrialização na União Europeia e em outras partes do mundo. A lógica parece clara: em tempos de retração econômica e disputas globais, cada país prioriza o seu—ou, na linguagem popular, “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

As consequências já se fazem sentir na dificuldade de mobilizar esforços globais para desafios como as mudanças climáticas e a saúde pública. Nos EUA e até na Europa, compromissos são revistos, e a lógica do desenvolvimento nacional se impõe sobre o ideal internacionalista que marcou a ordem do pós-Guerra. Podemos estar diante do retorno do realismo mais duro nas relações internacionais.

Embora os desafios não reconheçam fronteiras, no mundo que se desenha, cabe a nós traçar nosso rumo. O aquecimento global nos atingirá primeiro e com mais força—e não seremos socorridos pelos países ricos por nossa displicência com a Amazônia. Tampouco o mundo desenvolvido investirá no Brasil apenas por nossa energia limpa, quando cálculos protecionistas e pressões internas os levam a olhar para dentro. Enfim, é tempo de coesão em torno de um projeto nacional que seja claro e urgente.

João Marcelo Chiabai da Fonseca, advogado, consultor e mestre em Políticas Públicas pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins

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