Produtor de Gusttavo Lima é denunciado por discriminação após barrar intérprete de Libras de show em Teresina


Uma Lei Municipal de Teresina determina a inclusão de intérprete de Libras em todos os eventos públicos realizados no município. No dia do show, a produção do cantor teria alegado falta de espaço no palco.
Intérprete de Libras é impedida de interpretar show de Gusttavo Lima em Teresina
Reprodução
O produtor-executivo do cantor Gusttavo Lima foi denunciado pelo Ministério Público do Piauí (MPPI) pelo crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, por ter, segundo o MP-PI, barrado os intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) de subirem no palco e traduzir o show do cantor.
Conforme o MP, Danilo Siqueira Pacheco atuou como produtor direto do cantor Gusttavo no show “Embaixador In Teresina”, realizado no dia 14 de julho de 2023. Na época, a empresa organizadora havia contratado três intérpretes para prestação do serviço de acessibilidade comunicacional. O g1 não conseguiu contato com o produtor.
A produção do cantor, no dia do show, teria alegado falta de espaço no palco.
Segundo o MPPI, como a conduta se configurou como crime previsto no Lei Brasileira de Inclusão, o caso foi trabalhado também pela promotoria criminal. A denúncia foi oferecida pela 30ª Promotoria de Justiça de Teresina, do Núcleo da Central de Inquéritos.
Lei municipal de Teresina obriga intérprete de Libras
Nos termos da Lei Municipal nº 5.920/2023 é obrigatória a inclusão de intérprete de Libras em todos os eventos públicos realizados no município de Teresina. A disponibilização de intérprete de Libras estava, inclusive, prevista em cláusula de termo de ajustamento de conduta já firmado entre o Ministério Público e a produtora de eventos responsável.
O crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência é atribuído àqueles que, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, tentam separar, segregar ou marginalizar pessoas com deficiência, realizando distinção, restrição ou exclusão que prejudique, impeça ou anule direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, impedindo-as de viver no mesmo ambiente que as demais. A pena prevista é de reclusão, de um a três anos, mais multa.
Por haver três profissionais interpretes, segundo o MPPI, o mesmo crime foi cometido por três vezes, a pena pode ser aumentada de um sexto até a metade, ou as penas podem ser reconhecidas cumulativamente, se a ação ou omissão for dolosa.
Assim, o titular da promotoria considerou ainda que houve concurso formal, ou seja, quando o agente pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Na denúncia, o ministério requer também a condenação ao pagamento de indenização às vítimas, ou seja, às pessoas surdas que estavam no evento.
O caso
Intérprete de Libras é impedida de interpretar show de Gusttavo Lima em Teresina
Conforme a empresa que organizava o evento, eles contrataram uma equipe com intérpretes e havia pessoas surdas acompanhando a apresentação, mas a equipe do cantor impediu os intérpretes de subirem ao palco.
As profissionais estavam realizando essa atividade durante o show de abertura. Contudo, no intervalo que antes da apresentação principal, segundo apuração do MPPI, o produtor do cantor Gusttavo Lima não autorizou o acesso da equipe ao palco.
Pessoas surdas que estavam no evento apresentaram reclamações, mas mesmo assim os interpretes foram barrados. A empresa local, responsável pelo evento, alegou que todas as apresentações da noite contaram com a tradução de Libras, mas que nesse show em específico o comando do palco estava sob a produção do cantor.
A denúncia foi feita pela equipe nas redes sociais e encaminhada pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade-THE) ao Ministério Público.
Nas redes sociais, a intérprete Aryelle Paiva, que estava no show, disse que foram impedidos no momento da apresentação.
“Eu fico com vontade de chorar, porque a gente se preparou, estudamos para treinar as músicas, para fazer o show mais bonito ainda, com acessibilidade para eles. Mas é isso, não vamos poder ficar”, publicou a intérprete Arielle Paiva.
A apresentação aconteceu sem ser interpretada para a comunidade surda que estava no evento. Havia pelo menos quatro pessoas surdas, que deixaram o local do show ao saberem que não haveria intérprete.
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Arielle trabalha como intérprete de Libras desde 2015, e é coordenadora de equipes de intérpretes. Desde o início do ano, tem atuado com a produtora de eventos e participou de diversos shows e artistas locais e nacionais no Piauí.
A presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade-THE), Gilmara Costa, havia adiantado que o Conselho acionaria o Ministério Público e Defensoria Pública. A solicitação gerou o procedimento instaurado pelo MP nesta quinta (20).
“O que aconteceu foi um absurdo. Ter um intérprete de Libras é um direito, é lei. Não podemos nos calar diante disso”, comentou Gilmara.
O conselho e a Associação dos Profissionais Tradutores Intérpretes de Libras (APILSPI) e o Conselho Municipal da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade-TE) divulgaram notas de repúdio contra a atitude da equipe do cantor. Leia abaixo:
O que é libras?
As línguas de sinais usam gestos e movimentos para substituir a comunicação por meio de sons. Elas tem léxico e gramática próprios. Assim como cada povo desenvolveu seu idioma oral, cada comunidade criou sua língua de sinais. Portanto, há versões de diferentes países.
O sistema brasileiro é derivado da língua de sinais que se desenvolveu ao longo dos anos no país e também da língua gestual francesa. Por isso, tem semelhanças com línguas de sinais da Europa e da América.
A libras foi oficialmente reconhecida como uma língua brasileira em 2002, na Lei nº 10.436, de 24 de abril. O projeto da então senadora Benedita da Silva (PT-RJ) foi aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Confira a nota do Conade:
O Conselho Municipal da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade-TE) repudia veementemente a produção do cantor Gusttavo Lima por impedir os intérpretes de Libras, contratados pela empresa Kalor Produções a fazer a tradução no palco do evento intitulado “Embaixador in Teresina”, que aconteceu na última sexta-feira, (14), no espaço Arena Chevrolet.
No evento, além do Gusttavo Lima, participaram os cantores: Cristian Ribeiro, Jonas Esticado e Matheus Fernandes. Exceto no show de Gusttavo Lima, os intérpretes de Libras atuaram no canto do palco, atendendo a demanda da comunidade surda presente no evento.
O Conade-TE classifica tal atitude como discriminatória e vexatória, principalmente, por contrariar a Lei nº 5920, de 29 de maio de 2023, que determina a obrigatoriedade de inclusão de intérprete de Libras em eventos públicos realizados no município de Teresina.
Além disso, o Conade-Te garante que já foram feito todos os encaminhamentos à Justiça, tais como o Ministério Público do Estado do Piauí, para realizar os devidos procedimentos legais.
Confira a nota da Apilsi:
A Associação dos Profissionais Tradutores Intérpretes de Libras-APILSPI, vem por meio desta nota, manifestar nosso profundo repúdio e indignação em relação à equipe do cantor Gustavo Lima em seu show na cidade de Teresina -Pi.
Durante o referido evento de ontem, dia 14 de julho, a equipe do cantor proibiu a presença de profissionais Intérpretes de libras no palco, mesmo estes profissionais contratados por uma empresa local.
Tal atitude configura-se como CRIME visto que, não houve respeito e cumprimento às leis que preconizam o direito linguístico da pessoa surda: a Lei N° 5.920 de 29 de maio de 2023, que determina a obrigatoriedade de Inclusão de Intérprete de LIBRAS em eventos públicos realizados no Município de Teresina conforme Art. 1º e, das Leis n.º10.436/02 e n°13.146/15 que reconhece a LIBRAS como comunicação oficial e institui a política de inclusão das pessoas com Deficiência.
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