Me pergunto se Haddad está sucumbindo a negacionismo econômico, diz Horacio Lafer Piva

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JOANA CUNHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O empresário Horacio Lafer Piva, que foi presidente da Fiesp há 20 anos e hoje preside o conselho de administração da Klabin, diz ter ficado muito preocupado com as conversas ventiladas no governo de que a atual turbulência econômica poderia ter sido causada por ataques especulativos.

Para ele, parece haver no governo alguma dificuldade de transmitir ao presidente as verdades incômodas sobre a situação econômica. Piva avalia que falta apoio do PT a Fernando Haddad e que o próprio ministro da Fazenda, assim como a ministra do Planejamento, Simone Tebet, têm sido atropelados.

“Eu sempre dei para Haddad o benefício da dúvida, porque é uma pessoa inteligente, bem-intencionada.

Ele parecia, até agora, um marinheiro tentando remar em um mar revolto e cheio de tubarões. Eu reconheço a vida dura dele, mas nesses últimos tempos, fico me perguntando se ele mesmo não está sucumbindo a um certo negacionismo econômico”, afirma o empresário.

PERGUNTA – Qual é a sua leitura do que está acontecendo?

LAFER PIVA – É uma leitura nada boa. Eu fico muito preocupado, porque há uma conversa de que o que está acontecendo são ações especulativas. Claro que deve haver especulação, mas isso é uma consequência. Não é uma causa. São planos aquém do que seriam necessários, é uma comunicação mal feita, são mensagens muito contraditórias por parte dos Poderes, principalmente do Executivo e do Legislativo.

Eu fico me perguntando: “quem está dizendo as verdades incômodas para o presidente?”. Ou as verdades incômodas têm sido aliviadas para o presidente ou nós estamos mesmo em apuros, pois ele não quer acreditar no que está aí. Essas verdades incômodas estão sendo colocadas de uma maneira mais doce?

Se não for isso, aí de fato, nós estamos em apuros, porque o presidente vai estar acreditando, e aquilo que ele tem dito que vai acontecer acabará se tornando uma grande decepção.

Eu sempre dei para Haddad o benefício da dúvida, porque é uma pessoa inteligente, bem-intencionada.

Ele parecia, até agora, um marinheiro tentando remar em um mar revolto e cheio de tubarões.

Eu reconheço a vida dura dele, mas nesses últimos tempos, eu fico me perguntando se ele mesmo não está sucumbindo a um certo negacionismo econômico, porque ele mesmo tem dito: “Eu conversei com os bancos, e as previsões não são tão ruins. Nas conversas, são melhores do que o mercado divulga…”, e essa coisa toda…

A verdade é que nós estamos diante de um enorme constrangimento fiscal.

P – O próprio Haddad trouxe essa história de que a situação atual pode ter sido causada por um ataque especulativo, que teria levado o dólar a esse patamar, mas Galípolo nesta quinta-feira (19) já disse que não foi especulação.

LP – É claro que não. O movimento está mais do que claro. E faz tempo que está acontecendo assim. Em uma terra de cegos, o Haddad e a Simone [Tebet, ministra do Planejamento] eram os que tinham um olho. Mas também não está adiantando muito, porque no fundo eles têm sido atropelados. E quando eles vêm com um discurso ainda muito governista, a gente fica preocupado, porque a gente começa a achar que as pessoas não estão vendo o que está acontecendo.

É aquilo em que eu insisto: respeitadas as exceções, Brasília parece que, às vezes, não vive no Brasil. E o Congresso, com tudo que está fazendo… estamos com a reforma tributária, que partiu com boas intenções, boas referências, mas está sendo engolida por interesses e lobbies da pior qualidade. São lobbies empresariais e do governo. Está desidratada, o arcabouço fiscal, desidratados. Está regulamentada, mas ela está machucada.

P – Seria então, talvez, Galípolo essa voz que vai dizer as verdades incômodas para o presidente?

LP – A gente não sabe ainda muito bem quem é o Galípolo. Ele está chegando. Ele poderia ser, mas eu acho que ele também, de alguma maneira, vai ter de ter um certo jogo de cintura, porque ao fim e o cabo, quem manda é a política. Então, a gente não sabe exatamente como é que o Galípolo vai resistir a isso. O Roberto Campos tentou, em vários momentos, ter uma posição de defesa do Banco Central independente e da sua opinião como presidente do Banco Central. Vamos ver se o Galípolo consegue uma coisa parecida.

Tem me parecido, pelas manifestações que tem feito, que ele é muito cioso da importância do Banco Central e da necessidade de o Banco Central agir como tem de agir. Ele provavelmente é uma pessoa que compreende o mal da inflação com alguma exatidão e compreende que quem acaba pagando a conta são os mais pobres. O que nós vamos ver com tudo isso são os pobres ficarem mais pobres e os rentistas ficarem mais ricos. Eu acho que o Galípolo está percebendo isso.

P – E essa vilanização que o PT faz do mercado e da Faria Lima. Isso alimenta a velha polarização?

LP – Eu acho que nós vamos afastar de vez os bons investidores e atrair os ruins, do ponto de vista de investidores internacionais. Os investidores internacionais, aqueles que trazem capital produtivo, investimento, eu acho que esses estão com o Brasil lá na prateleira, sem prestar muita atenção no que está acontecendo. Se esses [maus investidores, que vêm especular] crescem, abre ainda mais espaço para que a Faria Lima, que se tornou uma entidade, seja colocada em uma posição de vilanização. Isso é muito ruim.

Existem formas de se estabelecer um relacionamento com o setor financeiro, que não são só os bancos, ao contrário, são os fundos. É preciso haver um novo espaço de interlocução entre governo e todo esse pessoal. Eu estou vendo muita gente de mercado, de fundos, criticando, corretamente, o que está acontecendo. E sendo, obviamente, criticado pela Gleisi Hoffmann [presidente do PT], enfim, pelos de sempre. E é óbvio que isso afasta politicamente. Não acho que seja uma polarização entre esquerda e direita, mas é uma polarização, sei lá, de mercado contra o futuro do Brasil.

P – Quais são as previsões?

LP – Quanto mais tempo demora, mais essas empresas todas, que têm estoque de dívida, vão entrar em um momento dramático, mesmo que ainda estejam operando com resultados. As pessoas falam: “As coisas não estão tão ruins, estão andando”. Estão andando, mas certamente para um lugar muito pior do que estamos hoje.

A indústria brasileira, que já anda no jardim da infância em matéria de produtividade, não necessariamente só por culpa dela, vai perder mais um, mais dois, mais três anos. Como vai competir no mundo?

A gente deveria estar tendo um sentido de urgência para arrumar essa economia, para enfrentar esse arcabouço fiscal, voltar a um certo conforto com a inflação, o que nós tivemos nesses últimos tempos.

Nós estamos criando tensões gratuitamente.

Acho que o Banco Central vai seguir firme na missão dele. Ele exerce o seu poder e vai continuar mantendo taxas de juros altas. Podem ser um pouco mais altas, um pouco menos altas, mas é a única forma de segurar um pouco essa inflação. Tudo isso corrói muito o tecido empresarial e social.

Estou preocupado, estou vendo uma piora do cenário, uma piora do humor, não obstante as declarações que o presidente faz. Eu vejo as empresas optando mais por redução de dívida do que por investimentos.

RAIO-X | HORACIO LAFER PIVA, 67

O empresário, que foi presidente da Fiesp e do Ciesp, é economista e pós-graduado em administração de empresas pela FGV. Também comandou o Sesi/Senai, o Sebrae-SP, entre outras posições, e hoje preside o conselho de administração da Klabin

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