Estados e municípios perdem até 80% de IR retido na fonte com aumento da faixa de isenção do IR

ALEXA SALOMÃO E EDUARDO CUCOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O aumento da faixa de isenção do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) para quem ganha até R$ 5.000, proposto pela equipe econômica, vai atingir diretamente a receita de estados, municípios e do Distrito Federal. O motivo é a queda na arrecadação com o imposto retido na fonte dos salários de seus servidores, aposentados e pensionistas. A perspectiva é que, quanto menor o ente, maior o impacto.

Estados e principalmente municípios concentram servidores nessa faixa de renda. Segundo o República.org, instituto dedicado a aprimorar a gestão de pessoas no serviço público brasileiro, cerca de 70% do total de servidores do país recebem por mês até R$ 5.000 e a maior parte deles está bem longe de Brasília. Pouco mais de 31% estão nos estados e quase 60% espalhados nos 5.568 municípios do país, onde se paga menos.

Levantamento preliminar, realizado pelo economista Paulo Tafner, sinaliza que o impacto é generalizado. Algumas simulações, conta Tafner, indicam que a perda para municípios pequenos pode atingir de 70% a 80% dessa arrecadação. Para municípios médios, essa perda fica na faixa de 50% a 70%. Os maiores perdem entre 30% e 50%.

“A expansão de isenção de IR para R$ 5.000 atinge pelo menos 80% de todos os trabalhadores do Brasil, o que, por si só, é uma aberração”, afirma Tafner.

“Ainda não se tem uma estimativa razoavelmente precisa do volume de recursos que serão perdidos por estados e municípios, mas certamente estaremos tratando de ordem de grandeza na casa de bilhão de reais por ano. Prejudicar as receitas de entes subnacionais com uma medida que é visivelmente populista e eleitoreira é algo que deveria ser severamente repudiado pela população e pelas lideranças políticas responsáveis desse país.”

O economista lembra que parte da relevante perda de arrecadação desses entes pode ser compensada pelo ganho de receita da União, via aumento da carga sobre maiores salários, acima de R$ 50 mil, que será redistribuído, em parte, para estados e municípios por meio dos FPE (Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

No entanto, para atender o entendimento das cortes brasileiras, diz o economista, a União precisa indicar compensação também da perda de receita com o IR retido.

A estimativa é que a conta não será baixa. Segundo o economista, o IR retido na fonte no caso dos municípios, apenas na tributação de renda do trabalho, foi de R$ 34 bilhões em 2023. Nos estados, R$ 69 bilhões. Numa estimativa conservadora, considerando uma perda média de 30% e que nos governos estaduais muitas remunerações ficam acima de R$ 5.000, o custo será de, no mínimo, R$ 31 bilhões por ano, projeta Tafner.

A CNM estima uma perda anual R$ 9 bilhões com a medida em relação ao imposto retido na fonte e diz que, pelo lado do fundo de participação, o impacto ainda é incerto, uma vez que não é conhecido o volume de recursos de IR que serão arrecadados pelos estratos de renda mais elevados. Sem compensação, a perda aumentaria em mais R$ 11,6 bilhões.

“A medida mostra falta de seriedade e representa novamente propaganda com chapéu alheio, tendo em vista que boa parte dos impactos dessa proposta será sentida pelos entes locais. Destaca-se que o governo alega que a medida não trará impacto fiscal. Para os municípios, no entanto, a história é diferente”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.

A reportagem pesquisou o impacto do Imposto de Renda Retido na Fonte. Considerando a arrecadação geral de União, estados e municípios, rendeu R$ 486 bilhões (4,5% do PIB) no ano passado.

Na prefeitura de São Paulo, por exemplo, o imposto retido de pessoas físicas representa 7% das receitas previstas para este ano com impostos, taxas e contribuições (R$ 4,2 bilhões). No Distrito Federal, respondeu por 16% da receita tributária, atrás apenas do ICMS e do IPTU -foram R$ 3,6 bilhões no ano passado de retenção sobre o funcionalismo local. Em Palmas (TO), corresponde a quase 20% da receita estimada.

Como Tafner acompanha o sistema previdenciário brasileiro desde os anos de 1990, alerta que há uma questão preocupante adicional. Pelo menos 40 entes federados (entre estados e municípios) têm leis direcionando recursos do IR retido na fonte de seus servidores (alguns apenas dos aposentados e pensionistas, outros de todo mundo, outros ainda, apenas de aposentados) para cobertura de déficit financeiro de seu RPPS (Regime Próprio de Previdência Social).

“Como sabemos, o RPPS tem sido um dos mais prementes limitadores da expansão de investimento de estados e municípios, e também da União, e o corte na receita com o IR retido terá forte impacto no caixa de alguns entes”, afirma.

Para quem considera estranho que a discussão do IR esteja envolvendo até cidades menores, o advogado Carlos Eduardo Orsolon, sócio da área de tributário do escritório Demarest, lembra que a tributação sobre a renda é, sim, uma atribuição da União, e que o IR costuma ser repartido com estados e municípios por meio de fundos.

No entanto, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de outubro de 2021, validou a norma constitucional de que estados, municípios e DF podem ficar diretamente com as receitas do IR retido na fonte sobre os valores pagos por suas autarquias e fundações, servidores, aposentados, pensionistas, pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços. Ou seja, o recurso sequer chega a ir para a Receita Federal.

“De fato, no final do dia, os entes da federação vão perder parte do IR retido na fonte”, diz Orsolon.

Procurado o Ministério da Fazenda não respondeu até a publicação deste texto.

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