Trump2, a missão?

Poucos líderes conseguem redesenhar a política de seu tempo. A Donald Trump bastou um único mandato. Seu retorno à presidência reafirma um movimento que abalou, em larga escala, as bases da ordem política e econômica — agora, talvez, em uma forma ainda mais incisiva.

Como aponta Janan Ganesh, colunista do insuspeito Financial Times, “Trump é a figura mais relevante do século até agora, pois sua oposição ao livre comércio, chocante à época, acabou se espalhando”. 

Goste-se ou não, Trump desafiou dois consensos que por décadas definiram a política americana. Enterrou a ideia de que a globalização, sustentada por vantagens comparativas, deveria ser sempre promovida pelos EUA. Também rompeu com a aproximação estratégica com a China, apostando na polarização. Mesmo a plataforma econômica de Joe Biden se deve, em parte, à guinada promovida por Trump.

Sua obsessão por tarifas, por outro lado, não é novidade. Já na década de 1980, financiava anúncios em jornais e na TV acusando o Japão de práticas desleais. Uma política de pressão liderada pelo então presidente Reagan – pois havia nuances no livre comércio — culminaria, no final da década, nos Acordos Plaza, que forçaram o Japão a ajustar sua balança com os EUA.

A partir dos anos 1990, com a queda da União Soviética e o big-bang da internet, o impulso voltou-se à abertura comercial. Sob a liderança unipolar dos EUA, que dominavam a infraestrutura digital e as redes de fibra ótica, firmou-se a ideia de que a globalização abriria as portas para um futuro de prosperidade e a paz. Foi a era das cadeias produtivas integradas e da China-fábrica-do-mundo, acelerada por seu ingresso na OMC, em 2001, como economia de mercado — até o abalo da grande crise financeira de 2008. 

Esse mesmo processo, no entanto, também desorganizava o pacto social americano: com a desindustrialização, o declínio da classe média e o mal-estar que instigava percepções como a de Trump, para quem os EUA eram explorados por outras nações. Daí o apelo de seu nacionalismo econômico, encarnado no America First.

Embora convicto das tarifas, Trump reconhece que Wall Street impõe limites. Sabe que excessos podem desestabilizar o mercado de capitais, outra de suas obsessões. No primeiro mandato, essa tensão opôs Steven Mnuchin, então secretário do Tesouro, defensor da estabilidade, a Robert Lighthizer, representante de Comércio, e ideólogo das tarifas como arma estratégica e do desengajamento econômico com a China.

A nomeação de Scott Bessent para o Tesouro sinaliza menos oposição interna às ambições protecionistas de Trump. Nome do mercado financeiro, Bessent moldou seu discurso às expectativas do presidente, e já declarou que tarifas são instrumentos legítimos de negociação, o que pode sinalizar maior margem para políticas mais ousadas. Durante a campanha, Trump resumiu sua visão em uma promessa: “Vou tomar empregos de outros países.” Cada um por si?

João Marcelo Chiabai da Fonseca, advogado, consultor e mestre em Políticas Públicas pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins

Adicionar aos favoritos o Link permanente.