Ramagem sugeriu a Bolsonaro tirar autonomia de delegados da PF, diz relatório

Ramagem teria sugerido dar ‘superpoderes’ ao diretor-geral da PF depois de ter sido proibido por Moraes de assumir o comando da coorproaçãoHenrique Neri

No relatório das tentativas de golpes em 2022 que teve o sigilo quebrado, a Polícia Federal afirma que o delegado Alexandre Ramagem sugeriu ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) tirar a autonomia dos delegados federais como forma de controlar as investigações em andamento na corporação, que aconteciam desde 2020.

Anotações encontradas com o então diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) mostram a defesa de uma proposta para que todos inquéritos que tramitassem no Supremo Tribunal Federal (STF) fossem de responsabilidade do diretor-geral da PF.

“O contexto das anotações acima indica que Ramagem sugestiona ao então presidente Jair Bolsonaro que interfira junto a administração da Polícia Federal para restringir a atuação funcional de delegados da Polícia Federal junto a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal”, diz um trecho do relatório da PF.

Críticas ao STF

No mesmo documento, Ramagem critica a cúpula da PF por não questionar as ações dos ministros do STF, que escolheram delegados como responsáveis em inquéritos. O principal alvo das reclamações era o ministro Alexandre de Moraes.

O ministro, após a própria PF indicar a delegada Denisse Ribeiro como responsável para conduzir o inquérito das fake news presidido por ele, atuou para que ela fosse mantida nas outras apurações abertas, como o inquérito dos atos antidemocráticos —que deu origem ao das milícias digitais, que serviu de base para a investigação sobre a tentativa de golpe.

“A PF nunca questionou a indicação de delegados por ministros do STF para investigações, da instauração arbitrária dos inquéritos e de como as diligências estão sendo executadas. A direção-geral e a corregedoria da PF precisam de mais coragem para apenas aplicarem a lei”, disse Ramagem em uma anotação revelada no relatório.

Áreas envolvidas nas investigações

Os inquéritos tinham como alvos pessoas com foro privilegiado por causa dos cargos que ocupavam. Por isso, na maioria dos casos eram conduzidos pelo Sinq (Serviço de Inquérito Especiais) da Polícia Federal, atualmente chamado de Cinq (Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores).

O Sinq estava atrelado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor). Os delegados do Serviço tinham autonomia para conduzir seus inquéritos sem que eles passassem pela aprovação da direção geral.

Período em que a sugestão foi feita

Segundo a PF, o arquivo produzido por Ramagem foi criado em 5 de maio de 2020 e editado pela última vez em 21 de março de 2023. Em abril de 2020, pouco antes da criação do documento, Ramagem havia sido proibido por Moraes de assumir o comando da PF. A justificativa foi que a nomeação tinha como finalidade uma interferência na corporação, já que Bolsonaro e Ramagem eram próximos.

A indicação de Ramagem resultou na demissão do então ministro da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro. A anotação do deputado indica que a mudança idealizada por ele causaria reações dentro da PF.

“Inquéritos com trâmite junto ao STF têm que ser presididos pelo próprio Diretor-Geral da PF. Irão espernear, mas o argumento é válido. Similaridade com o MP [Ministério Público], onde o PGR [procurador-geral da República] preside todos os procedimentos em trâmite junto ao STF e outros tribunais superiores”, diz trecho da anotação.

No modelo sugerido por Ramagem, todos os inquéritos que tramitam no STF e no Superior Tribunal de Justiça passam por pessoas indicadas e de confiança do procurador-geral da República. A ideia de dar quase um poder total ao diretor-geral da PF foi reformulada e utilizada pela direção da corporação em maio de 2021, um ano após a criação da anotação por Ramagem.

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