CEO do Carrefour foi protecionista, mas Brasil precisa melhorar rastreabilidade do rebanho, dizem especialistas

ARTUR BÚRIGO
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS)

A crítica pública do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, de que as normas de produção de carnes no Mercosul não estão de acordo com a legislação francesa são vistas por envolvidos na produção pecuária brasileira como uma argumentação protecionista.

Eles avaliam, porém, que o país deve seguir investindo na rastreabilidade da cadeia de produção para garantir a segurança aos importadores, principalmente a China, que responde pela maior parte da proteína embarcada pelo país.

A manifestação do executivo na semana passada, que incluía a decisão de não oferecer nos pontos de venda franceses a carne produzida no Mercosul, gerou uma crise diplomática e um boicote dos fornecedores brasileiros às lojas da companhia no Brasil.

Nesta terça-feira (26), Bompard se retratou e pediu desculpas ao Ministério da Agricultura. O chefe da pasta, Carlos Fávaro, tratou o assunto como encerrado.

Em um trecho da carta de Bompard que desencadeou a polêmica, ele afirma “entender o desespero e a raiva dos agricultores diante do projeto de acordo de livre-comércio [entre Mercosul e União Europeia]” e do “risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas.”

O executivo não especificou a que tipos de exigências e normas ele se referia, mas pessoas envolvidas com a indústria de pecuária nacional lembram que produtores franceses questionam uma norma europeia que proíbe o uso do hormônio estradiol, permitido no Brasil para fins reprodutivos.

Uma decisão recente da União Europeia e do Reino Unido proibiu a importação de fêmeas do Brasil após uma equipe da Comissão Europeia ter identificado “deficiências” na rastreabilidade de novilhas que receberam tratamento com estradiol.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, se a crítica for de fato destinada ao uso de estradiol, não há evidências científicas de que o hormônio, da forma que é usada no país, cause qualquer prejuízo ao ser humano ou aos animais.

O professor do departamento de reprodução animal da Faculdade de Medicina Veterinária da USP (Universidade de São Paulo), Pietro Baruselli, lembra que a proibição da União Europeia foi relacionada ao uso do hormônio como promotor de crescimento dos animais.

No Brasil, ele é adotado para ampliar a eficiência reprodutiva das fêmeas e para o melhoramento genético dos rebanhos, em doses muito inferiores àquelas que eram utilizadas na Europa.

Apesar de considerar que as críticas são mais uma medida protecionista do que uma questão sanitária, ele afirma que o país deve seguir investindo para garantir segurança aos compradores.

“Precisamos mostrar que temos um processo de rastreabilidade que identifica os animais que recebem ou não estradiol. Mesmo sem ter justificativa científica [de dano ao ser humano ou ao animal], o Brasil tem possibilidade de rastrear esses animais. E, se for o caso, exportar para a Europa machos que não são tratados”, ele afirma.

O último caso citado pelo professor é o que vem sendo adotado pelo país na exportação dos bovinos para União Europeia e Reino Unido até que seja implementado um sistema de “certificação por terceiros” das fêmeas que receberam o tratamento, informou neste mês à agência AFP a representação brasileira junto à UE.

Baruselli ainda cita como argumento para avaliar a manifestação do CEO do Carrefour como protecionista o fato de ela abranger todo o Mercosul, não apenas o Brasil.

“O Uruguai, por exemplo, tem 100% de sua cadeia rastreada, com altíssima eficiência, algo em que o Brasil está evoluindo. Mas ele incluiu todo o Mercosul na medida, inclusive o Uruguai”, afirma.

Outro questionamento dos franceses em relação às carnes exportadas pelo país é no uso de agrotóxico para a ração dos animais.

Nesta terça, um deputado do país afirmou que os gados brasileiros se alimentam de “soja transgênica, em um hectare onde antes havia a floresta amazônica”. O depoimento foi em votação que rejeitou por 484 a 70 votos o acordo União Europeia-Mercosul. O resultado só tem valor simbólico, pois os parlamentos nacionais não têm poder na negociação entre os blocos.

Baruselli rebate o argumento ao lembrar que 83% do gado abatido no país se alimenta de capim, conforme levantamento da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

Para Thiago Bernardino, pesquisador responsável pela área de pecuária no Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da USP, os argumentos usados por europeus também têm viés mais protecionista.

“A França é um grande produtor de alimentos na Europa e eles buscam sempre proteger seus mercados, até porque os custos de produção da pecuária de corte na Europa são maiores. Se a nossa carne fosse tão ruim, outros países também teriam uma postura parecida”, diz Bernardino.

Procurados para comentar as críticas em relação à produção brasileira, o Ministério da Agricultura não respondeu até a publicação da reportagem, e a Abiec não comentou.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.