A desinformação nas manchetes e a busca de “vacinas” contra fake news

(Imagem: Joshua Miranda/Pexels)

O vírus da desinformação, aparentemente, está contaminando editores de manchetes em jornais, mostrando que o fenômeno se expande não apenas entre formadores de opinião e influenciadores, mas também dentro das próprias redações. É um sintoma preocupante porque muitos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas ainda acreditam que o noticiário jornalístico está acima de qualquer suspeita.

Uma manchete como esta: “Reta final de inquérito do golpe tem Bolsonaro pressionado e silêncio sobre reunião com Lula” (1), induz o leitor a acreditar que teria havido uma reunião entre Lula e Bolsonaro. A notícia não menciona em nenhum momento este suposto encontro, deixando no ar uma dúvida capaz de alimentar suspeitas, sobre um possível entendimento entre o atual e o presidente anterior.  A reunião de Lula foi com três ministros do STF, mais o Procurador-Geral da República e o Diretor-Geral da Polícia Federal.

Dias antes, outra manchete alimentou incertezas ainda maiores porque recorreu a uma fake news para desmentir outra fake news: “Trump não postou que não convidaria Lula para sua posse ‘porque lugar de ladrão é na cadeia” (2).  O uso de uma dupla negativa tornou a frase tortuosa, ampliando as dúvidas do leitor que ao ler o resto da notícia deve ter ficado ainda mais indeciso.

Se o presidente eleito Donald Trump não fez a postagem sobre o convite a Lula, a notícia não existe. Logo subentender que ela aconteceu é uma notícia falsa, cujo complemento é ainda mais intrigante. A notícia falsa se baseou numa inexistente afirmação de que “lugar de ladrão é na cadeia”, colocada entre aspas dando a entender que seu autor teria sido Donald Trump.

Trata-se de um caso inédito de fake news de uma fake news, que apesar do seu conteúdo confuso visando associar Lula, roubo e condenação, permaneceu boa parte do dia 13/11 na lista das notícias mais lidas no site do jornal (3).

As fake news na avalanche informativa

As manchetes de notícias ganharam na era da avalanche informativa um papel fundamental na comunicação jornalística, porque a maioria das pessoas se limita a ler os títulos e acessar fotos por duas questões práticas: excesso de informações e escassez de tempo para absorvê-las.

Além disso, o processo de incorporação de novos dados, fatos, eventos e ideias à mente do leitor contemporâneo tende a ocorrer por meio da acumulação de novos insumos informativos. As pessoas não têm mais tempo para destrinchar cada notícia, para separar verdades, meias verdades e mentiras. Aquilo que for repetido mais vezes acaba levando as pessoas a assumirem como real, válido e importante.

Assim, a contaminação da opinião pública por notícias falsas e desinformação tende cada vez mais a acontecer via manchetes de notícias, o que aumenta a responsabilidade de editores sobre a produção de títulos e chamadas de matérias jornalísticas.

Dois cientistas europeus acabam de mostrar como a disseminação de notícias falsas segue, aproximadamente, os mesmos padrões de contaminação de seres humanos por vírus causadores de enfermidades. Os modelos matemáticos desenvolvidos a partir desta constatação indicam que metade das pessoas comuns não sabe distinguir entre informações confiáveis e notícias falsas, logo têm 50% de chances de serem vitimados pelo “vírus” da desinformação.

O vírus da desinformação

O modelo desenvolvido pelos pesquisadores Sander van der Linden (4) e David Robert Grimes (5) mostra que há três tipos de comportamento possíveis diante da desinformação: as pessoas que sabem que estão disseminando notícias falsas, as que recebem e distribuem sabendo ou suspeitando que são falsas, e os transmissores ditos ‘assintomáticos’, que passam adiante as fake news sem saber que são mentirosas.

Os estudos sobre a analogia entre a contaminação por vírus e por desinformação orientam-se agora para a busca de antídotos ou agentes inoculadores, tipo vacina. Por enquanto, as pesquisas focam em soluções técnicas usando estatísticas e cálculos matemáticos. O problema é que os trabalhos dos dois pesquisadores dão pouco destaque ao papel do jornalismo como elemento-chave no combate à desinformação.

Os editores de textos noticiosos estão numa posição única para identificar quando associações de ideias e de palavras inseridas numa frase, como uma manchete, induzem a visões distorcidas ou inteiramente falsas da realidade. Cabe ao jornalismo a responsabilidade básica de explicitar o contexto em que uma informação sob suspeita está inserida. A sofisticação crescente dos processos de desinformação e enviesamento de notícias faz com que a simples checagem da veracidade não seja suficiente para “imunizar” o público contra as fake news.

Os repórteres e editores são os que, na verdade, têm as condições ideais para promover a “inoculação” dos leitores contra o “vírus” da desinformação. No entanto, os produtores das manchetes mencionadas no início deste texto falharam na tarefa de combater a contaminação informativa e, consciente ou inconscientemente, disseminaram o vírus da desinformação.

  1. Notícia publicada no dia 16/11 em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/11/reta-final-de-inquerito-do-golpe-tem-bolsonaro-pressionado-e-silencio-sobre-reuniao-com-lula.shtml.
  2. Notícia publicada no dia 12/11 em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/11/trump-nao-postou-que-nao-convidaria-lula-para-sua-posse-porque-lugar-de-ladrao-e-na-cadeia.shtml 

 

 

 

4. Professor de Psicologia Social na Universidade de Cambridge

5. Professor Assistente de Bioestatística, Saúde Pública e Cuidados Primários, Trinity College Dublin

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.

 

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