Filme na Mostra de SP propõe olhar otimista sobre a morte e o luto

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DAVI KRASILCHIK
FOLHAPRESS

Duas crianças brincam no hall de um hotel. Elas correm de um lado ao outro, livres em seu mundo de imaginação. Um caixão interrompe a cena, levado pelo salão com a rigidez de agentes funerários. A dupla segue, indiferente à intromissão. A coexistência entre as duas situações, antagônicas, sintetiza o uruguaio “Agarra-Me Forte”, em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A morte de Elena reúne um grupo de amigas. O baque é especialmente sentido por Adela, com quem dividiu muitas memórias. A incapacidade de lidar com a perda converte ela em uma viajante do tempo e lhe apresenta um portal para uma década antes. Reunidas em uma casa de praia, elas revivem a amizade uma última vez.

Dividido em capítulos, o filme de Ana Guevara e Leticia Jorge subverte uma série de expectativas em relação ao luto. Não demora a destrinchar essa leitura, mesmo nos minutos iniciais. O velório de Elena é quase sempre intermediado por espelhos, reflexos e superfícies. Existe sempre uma obstrução, algo que suspende a interpretação inicial dessas imagens. De certo modo, inclusive, trazem leveza ao ambiente melancólico.

É interessante até mesmo como o roteiro não se apressa em esclarecer as relações entre aquelas personagens. Ele nos convida a decifrar, quadro a quadro, o que mantém a união daquele grupo. Tudo nos leva à despedida ao redor do caixão, sobre o qual a foto de Elena reluz como um sinal de esperança. O desequilíbrio das composições, os espaços vazios e seus tons neutros, de repente não parecem mais tão desoladores.

A partir daí, tudo se transforma. Adela se depara com um ônibus programado para o seu itinerário pessoal. Permite a ela reencontrar sua melhor amiga, não menos viva por se tratar de fantasia. Talvez esteja aí o grande diferencial da dupla direção: não existe qualquer julgamento ou necessidade de se superar o onírico.

Movido pelas sensações da protagonista, o filme se permite experimentar dentro desse universo lírico. Nem sempre essas liberdades acontecem de forma orgânica, mas o mundo onde passarinhos podem se comunicar por versos e pinturas ganham movimento não deixa de ser magnético.

São detalhes que reforçam um patrimônio deixado pela relação entre as amigas, sempre perpassada pelo material. A poesia, com rimas escritas em legendas e letreiros. As pedras enfeitadas que se espalham pela praia. Os grãos de areia guardados em um sapato, que se transformam em outra coisa no mero contato com o ar. Elementos que se abdicam de uma forma, o fazem para assumir outra.

Em uma determinada cena, após a chegada de uma terceira amiga à casa de Elena, as amigas retornam apenas para se deparar com a porta escancarada. Logo suspeitam de que alguém possa ter invadido a casa, e pedem ajuda a um homem que passa ali por perto. O grupo vaga pela casa escura, acendendo as luzes, vasculhando cada cômodo, antes que conclua estarem em segurança.

A reivindicação da casa —com uma atmosfera saída diretamente dos suspenses que as meninas admitem gostar de ler—, do soturno ao familiar, sintetiza a jornada de Adela através do luto. Ela vê que os elos com a melhor amiga se mantém em um outro plano, transferidos na tela para além das possibilidades.

Ainda que possa adotar caminhos fáceis, “Agarra-Me Forte” se destaca pela leveza em abordar a finitude e as relações que se mantem no pós vida. Em um mundo a cada dia mais cínico, devemos dar graças aos artistas que nos autorizam a sonhar.

AGARRA-ME FORTE

  • Avaliação Bom
  • Quando 24 de outubro, às 18h10, no Cinesystem Frei Caneca
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Chiara Hourcade, Victoria Jorge e Eva Dans
  • Produção Uruguai, 2024
  • Direção Ana Guevara e Leticia Jorge
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