Limitar aquecimento a 1,5°C ainda é tecnicamente possível, mas cada vez mais difícil, diz novo relatório da ONU

GIULIANA MIRANDA
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS)

Ainda é tecnicamente possível limitar o aquecimento global a 1,5°C -considerado por cientistas o teto para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas-, mas essa missão é cada vez mais difícil. Nas condições atuais, o planeta se encaminha para um aumento de temperaturas de até 3,1°C.

As conclusões, classificadas como catastróficas, são de novo relatório anual do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), lançado nesta quinta-feira (24) durante a COP16, a conferência da biodiversidade da ONU, na Colômbia. Todos os anos a entidade da ONU calcula quão longe o planeta está dos objetivos do Acordo de Paris.

Embora a limitação do aquecimento global em 1,5°C seja a meta preferencial do acordo de 2015, os dados da ONU mostram poucos avanços concretos para diminuir os gases de efeito estufa que alimentam o fenômeno.

Em 2023, o planeta bateu um novo recorde de emissões: 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente, o que representa um aumento de 1,3% e relação a 2022. O crescimento ficou acima da média registrada na década anterior à pandemia da Covid-19 (2010-2019), que foi de 0,8%.

Para manter vivo o objetivo de 1,5°C, a comunidade internacional precisará, coletivamente, mudar completamente esse cenário e se comprometer com uma queda acentuada das emissões ao apresentarem a atualização das suas contribuições nacionalmente determinadas (as chamadas NDCs).

Pelos cálculos do Pnuma, a atualização das NDCs -que devem ser apresentadas até o início de 2025, antes da realização da COP30, em Belém- precisa derrubar os gases de efeito estufa, com uma redução de 42% das emissões anuais até 2030 e de 57% até 2035.

“Estamos em um momento decisivo para a crise climática. Precisamos de uma mobilização global em escala e ritmo nunca antes vistos, começando agora mesmo, antes da próxima rodada de promessas climáticas, ou a meta de 1,5°C logo estará morta e 2°C ocupará seu lugar na unidade de terapia intensiva”, afirmou a diretora-executiva do Pnuma, Inger Andersen.

As NDCs são os compromissos -estabelecidos voluntariamente por cada país- para reduzir suas emissões, bem como o plano traçado para chegar até lá.

Os compromissos atuais para 2030, além de não estarem sendo cumpridos, tampouco são suficientes para estancar a crise. Mesmo que eles fossem satisfeitos, os cientistas projetam que os termômetros ainda poderiam subir até 2,6°C e 2,8°C.

Os resultados estão em linha com o que foi apresentado com outras publicações. Na semana passada, o relatório anual da AIE (Agência Internacional de Energia) destacou que o planeta se encontra atualmente em uma trajetória de aquecimento de 2,4°C.

O documento da ONU enfatiza as consequências na demora em tomar medidas concretas contra as mudanças climáticas: “quanto maior o atraso, maiores serão os cortes anuais necessários”.

Atualmente, limitar o aquecimento em 1,5°C exige uma redução de 7,5% das emissões anuais até 2035. Mesmo para manter o aumento das temperaturas em até 2°C, seria necessário um corte de 4% nas emissões anuais no mesmo período.

A diretora-executiva do Pnuma apelou à comunidade internacional por maior comprometimento na próxima convenção do clima de ONU, a COP29, que acontece de 11 a 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão.

“Mesmo que o mundo ultrapasse 1,5°C, e as chances de isso acontecer aumentam a cada dia, devemos continuar lutando por um mundo líquido zero, sustentável e próspero. Cada fração de grau evitada conta em termos de vidas salvas, economias protegidas, danos evitados, biodiversidade conservada e a capacidade de reduzir rapidamente qualquer excesso de temperatura.”

De acordo com o novo relatório, do ponto de vista técnico, ainda é possível conter o aquecimento em 1,5°C. As estimativas indicam que, em 2030, há potencial de cortes de emissões de até 31 gigatoneladas de CO2 equivalente.

O caminho para o sucesso nessa missão passa pela combinação da ampliação do uso de energias renováveis, além da ampla redução do desmatamento e por medidas de maior eficiência, passando por substituição energética, em setores como transportes, indústria e edificações.

O crescimento do uso de tecnologias solares fotovoltaicas e de energia eólica poderia fornecer 27% do potencial total de redução em 2030 e 38% em 2035. Já as medidas voltadas para a florestam poderiam gerar quase de 20% do potencial em ambos os anos.

O relatório indica que lacuna de emissões para 2030 e 2035 poderia ser preenchida a um custo inferior a US$ 200 por tonelada de CO2 equivalente. Mais uma vez, a demora em ações concretas pode acabar encarecendo (e muito) a conta.

Os cientistas cobraram publicamente maior responsabilidade dos países do G20, bloco atualmente presidido pelo Brasil. Esses países, “especialmente os membros que mais emitem, precisariam fazer o trabalho pesado”.

No ano passado, os estados do G20 -sem incluir a União Africana- foram responsáveis por 77% das emissões globais. A inclusão do bloco africano na conta, embora mais do que duplique o número de países representados -passando de 44 para 99- eleva o total de emissões somente para 82%, “destacando a necessidade de responsabilidades diferenciadas entre as nações”.

Os especialistas da ONU destacam a necessidade de um aumento mínimo de seis vezes no investimento em mitigação. A questão de financiamento deve ser um dos principais temas da próxima conferência do clima, daqui a menos de um mês.

Dados do observatório Copernicus indicam que 2024 se encaminha para destronar 2023 como o mais quente da história. A temperatura média global entre janeiro e setembro deste ano já é a mais alta documentada para esse intervalo na série histórica. Apenas uma inédita queda de 0,4°C anomalia média até o fim do ano poderia impedir esse cenário, o que é considerado bastante improvável pelos cientistas.

Setembro foi o 14º mês, em um período de 15 meses, em que a média global superou a marca de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Ainda que essa barreira já tenha sido ultrapassada temporariamente, cientistas consideram que ela ainda não foi definitivamente rompida.

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